TRAVESSEIRO DE PENAS

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

Hoje, 5 de dezembro de 2010, de madrugada, assisti ao filme Dúvida (do original inglês Doubt) – um filme dramático americano lançado em 2008. O filme foi escrito e dirigido por John Patrick Shanley, tendo como atores principais Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams.

 

A urdidura acontece em 1964, em que o carismático padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) tenta modificar os rígidos costumes da Escola St. Nicholas, localizada no Bronx – um dos 62 condados do Estado americano de Nova Iorque. A diretora da Escola é a irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), que acredita no poder educativo do medo e da rígida disciplina, e, portanto, discorda das idéias renovadoras e transformadoras do padre Flynn.

 

Devido às mudanças políticas da época, a Escola, recentemente, aceitou seu primeiro aluno negro, Donald Miller (Joseph Foster). O tempo passa, e, um certo dia, a irmã James (Amy Adams) conta à irmã-diretora suas suspeitas sobre o padre Flynn, de que esteja dando atenção demais a Donald. A fofoca é suficiente para que a irmã Aloysius inicie uma cruzada moral contra o padre, tentando, a qualquer custo, desacreditá-lo e expulsá-lo da Escola.

 

Bem, uma das cenas deste excelente filme se passa na igreja da paróquia. A propósito das perseguições injustificadas que o padre Flynn vinha sofrendo da poderosa e preconceituosa diretora da Escola St. Nicholas, irmã Aloysius Beauvier, ele, então, resolve fazer um sermão especial aos paroquianos (que adaptei, sem alterar o contexto, para servir, para todos nós, como uma espécie de mote para uma profunda reflexão).

 

Em uma paróquia, uma senhora penitente foi se confessar.

 

O padre: — Há quanto tempo, minha filha, a senhora não se confessa?

 

A senhora penitente: — Eu me confesso e comungo toda semana, padre.

 

O padre: — Muito bem, minha filha, abra o seu Coração para Deus.

 

A senhora penitente: — Pois é, padre. Outro dia, eu vi uma amiga minha de trinta anos, que é casada e tem três filhos, conversando com um homem que não conheço. Eles riam muito, e, no final, se beijaram.

 

O padre: — E onde foi o beijo?

 

A senhora penitente: — No rosto, eu acho.

 

O padre: — E qual é a gravidade disto? Não vejo nenhum pecado.

 

A senhora penitente: — Deles, não, padre. Mas eu contei para as minhas amigas, dizendo que eles haviam se beijado afetuosamente na boca.

 

O padre: — Ah!, isto, sim, é grave, minha filha!

 

A senhora penitente: — Sim, eu sei, padre. Mas estou sinceramente arrependida; o senhor pode me dar a absolvição sacramental?

 

O padre: — Não tenha tanta pressa assim; tudo a seu tempo. Volte para casa, pegue seu travesseiro, vá ao telhado de sua casa e corte todo o travesseiro. Depois volte aqui.

 

Assim fez a senhora penitente. No dia seguinte, voltou à igreja e procurou o padre.

 

O padre: — Então, o que aconteceu?

 

A senhora penitente: — Eu fiz direitinho como o senhor mandou.

 

O padre: — E aí?

 

A senhora penitente: — Estava ventando muito, e o vento espalhou as penas do travesseiro por todo lado.

 

O padre: — Pois é, minha filha. A mesma coisa acontece com a maledicência.

 

A senhora penitente: — Compreendo. O senhor pode me dar agora a absolvição sacramental?

 

O padre: — Antes, minha filha, a tarefa precisa ser completada. Volte à sua casa, e, uma por uma, recolha todas as penas que o vento espalhou.

 

A senhora penitente: — Mas isto é impossível, padre. O vento espalhou as penas por toda a cidade.

 

O padre: — Eu sei, eu sei. Mas, faça um esforço, minha filha. Depois, retorne para concluirmos esta conversa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Moral do sermão: não há perdão para nada; ninguém tem o poder de perdoar coisa alguma. Há, sim, por outro lado, justa compensação, justa retribuição ou justo reequilíbrio por cada equívoco cometido. No caso de um dito ou de um ato insultuoso, ofensivo ou injuriante, só há um caminho: desculpar-se, sinceramente, com o alvo da injúria ou da maledicência. Isto é mais ou menos como no trânsito: depois de involuntariamente praticarmos uma barbeiragem – a que estamos todos sujeitos tudo se resolve com um pedido de desculpas.

 

 

 

 

 

 

Canto gregoriano de fundo: Agnus Dei

Interpretação: Schola Cantorum do Pontifício Col. Intern. dos Beneditinos de S. Anselmo, em Roma.