A
loba avançava, lentamente, e me fazia descer, me
empurrando de volta para aquele lugar onde a luz do Sol não entra.
(Inferno, Canto
I).
Ó
poeta4
que me guias, julga minha virtude e dize se é compatível com
o caminho árduo que me confias. (Inferno,
Canto II).
Tua alma está tomada pela
covardia, que tantas vezes pesa sobre os homens, os afastando de nobres
empreendimentos, como uma besta assustada pela própria sombra. (Inferno,
Canto II).
Devem-se
temer as coisas que de fato têm o poder de nos causar mal, e mais
nada, pois nada mais existe para temer. (Inferno,
Canto II).
Lasciate
ogni speranza, voi ch'entrate! [Deixai
toda esperança, ó vós que entrais!]
(Inferno, Canto III).
A
piedade me clareia
o rosto, por causa da angústia das gentes desamparadas que aqui sofrem.
(Inferno, Canto
IV).
Não
há maior dor do que lembrar da felicidade passada. (Inferno,
Canto V).
O
ser mais perfeito mais sente, seja o bem, seja a ofensa. (Inferno,
Canto VI).
Pape
Satàn pape Satàn aleppe! (Silêncio! Silêncio,
Satan! Vá, e nos deixe em paz). (Inferno,
Canto VII).
Nossa descida não é
sem propósito, pois é algo que se quer nas alturas! (Inferno,
Canto VII).
Nos
clérigos, nos papas e nos cardeais, a avareza se manifesta mais facilmente.
(Inferno, Canto
VII).
De nada adianta os homens brigarem
pela fortuna. Pois, todo o ouro que está ou já esteve sob
a Lua não comprará um minuto sequer de descanso... (Inferno,
Canto VII).
Toda
a maldade é alcançada ora através da violência
ora através da fraude. Embora ambas sejam odiadas pelo céu,
a fraude, por ser uma perversão exclusiva do homem, desagrada mais
a Deus... Um homem pode praticar dois tipos de fraude: contra pessoas que
confiam nele ou contra estranhos que podem suspeitar dele. Este último
tipo só destrói o vínculo do homem com a Natureza e
é punido no oitavo círculo onde encontraremos hipócritas,
aduladores, ladrões, falsários, simoníacos, sedutores
e trapaceiros. O primeiro tipo de fraude desfaz não só o vínculo
do homem com a Natureza, mas também aquele vínculo de confiança
estabelecido com outros homens. É, portanto, no menor dos círculos,
no nono e último, junto com Dite (Lúcifer), onde são
punidos os que traíram aqueles que neles confiaram.
(Inferno,
Canto XI).
As
três coisas que ao céu mais desagradam são: a incontinência,
a malícia e a bestialidade. (Inferno,
Canto XI).
Convém
ao homem tirar da Natureza e de sua Arte os meios para a sua sobrevivência.
Mas, o usurário, ao seguir outros caminhos, agride a Natureza e a
Arte, que dela deriva, pois em outra coisa (o dinheiro) põe suas
esperanças. (Inferno,
Canto XI).
Olha
lá para baixo que em breve avistarás o rio de sangue fervendo
as almas dos violentos contra seus semelhantes. (Inferno,
Canto XII).
O
que um dia fui quando vivo, continuo a ser, agora, morto! (Inferno,
Canto XIV).
Estou
aqui por que fui um adulador e enganei pessoas com minha língua perversa.
(Inferno,
Canto XVIII).
Se
querem saber quem eu sou, saibam que um dia fui papa... Por tanto procurar
embolsar ouro naquele mundo, aqui eu mesmo fui embolsado. Neste buraco,
abaixo da minha cabeça, estão empilhados todos aqueles que
me precederam, pecando por tráfico de coisas divinas, espremidos
nas fissuras da pedra. (Inferno,
Canto XIX).
Quem
pode ser mais cruel que o homem que tenta controlar a vontade divina? (Inferno,
Canto XX).
Lá
aprendi a arte da barataria.5
Agora pago a conta neste caldo quente. (Inferno,
Canto XXII).
Este,
que tu vês crucificado [ao chão], disse
aos fariseus que era mais oportuno sacrificar um homem do que atormentar
todo o povo. (Inferno,
Canto XXIII).
Precisas
deixar o cansaço de lado, pois estirado sobre a pluma ou sobre
a colcha, a fama6
não se alcança. E sem ela a vida passa sem deixar qualquer
vestígio. Levanta! Vence o cansaço e anima-te! Mais longa
escada nos aguarda. Com ânimo se vence qualquer batalha,7
quando o corpo pesado não atrapalha.
(Inferno,
Canto XXIV).
Maior
é a dor de me encontrar nesta miséria do que a dor que senti
quando perdi minha outra vida. Eu estou aqui por que fui um ladrão.
Fui eu quem roubou aquela sacristia onde outro levou a culpa. (Inferno,
Canto XXIV).
Ladrões
Torturados por Serpentes
na Sétima Vala do Malebolge
(Ilustração de Gustave Doré)
—
Padre, desde que me absolvas do pecado que estou prestes
a cometer, te aconselharei: Promete a eles, anistia. Depois, quando obedecerem,
volta atrás e não cumpra a promessa! Se assim fizeres, triunfarás!
Hoje são prisioneiros do fogo eterno e pagam suas penas aqueles que
as ganharam desunindo. (Inferno,
Canto XXVII).
Não
se pode absolver o impenitente, nem pode o arrependido ainda querer pecar,
pois, assim, nada vale seu arrependimento.8
(Inferno,
Canto XXVII).
Quem
poderia, mesmo fazendo uso da melhor prosa, narrar as cenas de sangue e
das feridas que eu vi naquele triste lugar? Todas as línguas, por
certo, estariam falidas, pois nossa memória e nosso vocabulário
não são suficientes para compreender tamanha dor. Nem nos
campos de batalha das piores guerras se viu tantos corpos estraçalhados,
com deformações e feridas tão terríveis, quanto
os que povoavam aquela nona vala. (Inferno,
Canto XXVIII).
Sofro
esta pena monstruosa por ter instigado o jovem rei contra seu pai. Eu pus
o pai contra o filho, e por ter separado aqueles antes tão unidos
tive o meu cérebro separado do meu tronco. E assim, em mim tu vês,
o perfeito contrapasso.9
(Inferno,
Canto XXVIII).
Bertran
de Born10
Condenado
a Ter a Cabeça Separada do Corpo
por Ter Causado a Separação de Pai e Filho.
(Ilustração de Gustave Doré)
Uma
Palavra Final
Disse
John Milton (1608 - 1674) em O Paraíso Perdido: Long is the way
and hard that out of Hell leads up to Light. (Longo é o caminho
e duro o que do Inferno leva à LLuz). Sim. Construir o Inferno
é fácil; desconstruí-lo é difícil. Mas,
se foi pelo livre-arbítrio que o construímos, terá
de ser pelo livre-arbítrio que o desconstruiremos. E isto só
poderá ser feito em vida, pois, depois de morrermos, só há
duas opções: ou morreremos definitivamente ou Viveremos!
______
Notas:
1. A
Esfera Armilar é um instrumento de astronomia aplicado em navegação,
que consta de um modelo reduzido da esfera celeste.
2. O
Rio (mitológico) Aqueronte localiza-se no Épiro, região
do noroeste da Grécia. O nome Rio pode ser traduzido como rio
do infortúnio, e acreditava-se que fosse um afluente do Rio
Styx, este localizado no Mundo dos Mortos. Nele se encontra Caronte, o barqueiro
que leva as almas recém-chegadas ao outro lado do Rio, às
portas do Hades, onde o Cérbero – o monstruoso cão de
múltiplas cabeças e cobras ao redor do pescoço –
os aguarda.
Cérbero
3. O
Caronte era uma figura mitológica do mundo inferior grego (o Hades)
que transportava os recém-mortos na sua barca através do rio
Aqueronte até o local no Hades que lhes era destinado.
Caronte
Navegando pelo Hades
(Ilustração de Gustave Doré)
4. Referência
a Virgílio. Virgílio (70 a 19 a.C.) foi grande poeta da Antigüidade
e autor de várias obras entre as quais as Geórgicas
e a Eneida. Esta última conta a história da fundação
de Roma pelo troiano Enéas. Dante conhecia as obras de Virgílio
e louva-o por ter influenciado seu estilo poético. De acordo com
vários dantólogos, Virgílio também tem um sentido
alegórico: simboliza o intelecto, a razão do peregrino Dante.
5. Barataria
é a ação de dar, esperando retribuição.
Negócio especulativo. Todo e qualquer ato fraudulento praticado com
o fim de se obter proveito ilícito ou desleal.
6. Aqui,
misticamente, se pode entender como sendo a Santa LLuz interior
a ser conquistada pela Iniciação, que não se compadece
com inânia, modorra e adiamento.
7. Com
ânimo se vence qualquer batalha... Isto
equivale a: Ora et Labora; Solve et Coagula. O Mutus Liber,
célebre texto medieval, proclama o modus operandi do
Alquimista: Ora, lê, relê, trabalha e encontrarás.
Labora:
através dos processos de dissolução, putrefação,
destilação, sublimação, conjunção,
fixação e lapidificação (obtenção
do Lapis), são reproduzidos os ciclos e procedimentos da
Natureza.
Solve et Coagula, ou seja, Separa e Une,
porque através da Grande Obra, o Alquimista separa as matérias
em seus princípios essenciais para purificá-las e uni-las
novamente. Como ensina um Probacionista da Fraternidade Rosacruz Max Heindel,
o Caminho Rosacruz é
um caminho de Alquimia Espiritual, onde se transmuta a natureza inferior
em superior, onde se tece a alma. O conhecimento – que é compartilhado
pela Escola Rosacruz –
não é um fim
em si mesmo, mas um meio de o discípulo se qualificar para servir
amorosa e desinteressadamente à Obra da Criação.
.'.
Ad Rosam per Crucem .'. Ad
Crucem
per Rosam
.'.
8. Evidentemente
que, mesmo no momento derradeiro, se houver sinceridade no arrependimento,
a Peregrinação prosseguirá. Mas, por que deixar para
o momento derradeiro?
9. Os
semeadores de discórdias se dividem em três tipos: (a) criadores
de cismas religiosos; (b) instigadores de conflitos sociais; e (c) semeadores
de desunião familiar.
10.
Bertran de Born (1140 – 1215) foi um famoso poeta inglês e um
dos maiores trovadores provençais. Ele é acusado de ter semeado
a discórdia entre o Rei Henrique II (Henry) da Inglaterra e o seu
filho, o príncipe de mesmo nome. O contrapasso de Bertran de Born
é um dos mais nítidos da Divina Comédia. O
efeito do pecado foi a separação de pai e filho. O contrapasso
é a separação de cabeça e tronco. Na Divina
Comédia, vários outros círculos do Inferno
apresentam contrapassos, porém nem todos são tão evidentes
quanto este.
Bibliografia:
ALIGHIERI,
Dante. A Divina Comédia. Primeiro volume: Inferno.
Traduzida, anotada e comentada por Cristiano Martins. 2ª edição.
Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São
Paulo, 1979.
Fonte
desta pesquisa: Website de Helder da Rocha
http://www.stelle.com.br/index.html
Outros
Websites e Páginas da Internet consultados:
http://www.fraternidaderosacruz.org/oraetlabora.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caronte_%28mitologia%29
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aqueronte
http://pt.wikipedia.org/wiki/Inferno_de_Dante_Alighieri
http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Divina_Com%C3%A9dia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Esfera_armilar
Fundo
musical:
A Solidão da Noite
Compositor: José Maurício Nunes Garcia (1767-1830)
Fonte:
http://members.fortunecity.com/bvmusica/colonial2.htm