A
virtude se subdivide em quatro aspectos: refrear os desejos, dominar
o medo, tomar as decisões adequadas e dar a cada um o que
lhe é devido. Concebemos assim as noções de
temperança, de coragem, de prudência e de justiça,
cada qual comportando os seus deveres específicos. A partir
de quê, então, concebemos nós a virtude? A virtude
revela a ordem por ela própria estabelecida, o decoro, a
firmeza de princípios, a total harmonia de todos os seus
atos, a grandeza que a eleva acima de todas as contingências.
A partir daqui concebemos o ideal de uma vida feliz, fluindo segundo
um curso inalterável, com total domínio sobre si mesma.
E como este ideal aparece aos nossos olhos? Vou dizer. O
homem perfeito, possuidor da virtude, nunca se queixa da
fortuna e nunca aceita os acontecimentos de mau humor. Pelo contrário,
convicto de ser um cidadão do Universo, um soldado pronto
a tudo, aceita as dificuldades como uma missão que lhe é
confiada. Não se revolta ante as desgraças, como se
elas fossem um mal originado pelo azar, mas, como uma tarefa de
que ele é encarregado. «Suceda o que suceder»,
— diz ele — «o caso é comigo; por muito
áspera e dura que seja a situação, tenho de
dar o melhor!» Um homem que nunca se queixa dos seus males
nem se lamenta do destino, temos forçosamente de julgá-lo
um grande homem! Tal homem dá a conhecer a muitos outros
a massa de que é feito. Brilha tal como um archote no meio
das trevas, atrai para junto de si todas as almas, dada a sua impassível
tranqüilidade e a sua completa equanimidade para com o Divino
e o humano. Tal homem possui uma alma perfeita, levada ao máximo
das suas potencialidades, tal que, acima dela, nada há senão
a Inteligência Divina, uma parte da qual, aliás, transitou
até este peito mortal. E nada há de mais Divino para
o homem do que meditar na sua mortalidade, conscientizar-se de que
o homem nasce para, ao fim de algum tempo, deixar esta vida, perceber
que o nosso corpo não é uma morada fixa, mas, uma
estalagem onde só se pode permanecer por breve tempo –
uma estalagem de que é preciso sair quando percebemos que
estamos a ser pesados ao estalajadeiro.
Lucius
Annæus Seneca
(In: Cartas
a Lucílio)