Demócrito de Abdera

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Introdução e Objetivo do Texto

 

 

 

Os filósofos pré-socráticos são, como sugere o nome, os filósofos anteriores a Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.). Contudo, esta divisão se dá mais propriamente devido ao objeto de sua filosofia em relação à novidade introduzida por Sócrates, do que à cronologia, pois que, temporalmente, alguns dos ditos pré-socráticos são contemporâneos a Sócrates, ou mesmo posteriores a ele (no caso de alguns sofistas). Primeiramente, esses filósofos, também chamados de naturalistas ou filósofos da physis (natureza – entendendo-se este termo não em seu sentido corriqueiro, mas como realidade primeira, originária e fundamental, ou o que é primário, fundamental e persistente, em oposição ao que é secundário, derivado e transitório), tinham como escopo especulativo o problema cosmológico ou cosmo-ontológico, e buscavam o princípio (ou arché) das coisas. Em um segundo momento, com tal problemática entrando em crise, surge a sofística, e o foco muda do cosmo para o homem e o problema moral.

 

Com Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena e Leucipo de Abdera, Demócrito de Abdera (considerado o pai do atomismo grego) fez parte da Escola da Pluralidade, a Escola dos Atomistas, sucessora das Escolas Jônica (Tales de Mileto, Anaximenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Êfeso), Itálica (Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento) e Eleata (Xenófanes de Cólofon, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia e Melisso de Samos). A característica fundamental da Escola da Pluralidade era a admissibilidade de que a matéria era constituída por átomos e vácuo (uma espécie de não-ente). Demócrito (cerca de 460 a.C. – 370 a.C.), discípulo e depois sucessor de Leucipo de Mileto, não deve ser considerado propriamente um filósofo pré-socrático, já que foi contemporâneo de Sócrates. Mas, seu pensamento ainda é fortemente influenciado pela problemática da physis, tendo se tornado famoso por ter sido o maior expoente da teoria atômica ou do atomismo. Continuador da obra atomista de Leucipo, Demócrito acreditava estarem os átomos em constante e violenta agitação, chocando-se inevitavelmente uns com os outros, transmitindo movimento nestes choques e provocando deslocamento e mudança. O modelo atômico democritiano, por assim dizer, tem, por exemplo, muitas propriedades do ser de Parmênides de Eléia (cerca de 530 a.C. – 460 a.C.): são imutáveis, não são gerados e são imperecíveis. Do ponto de vista filosófico, o atomismo formulado na Antigüidade deixa pouca ou nenhuma margem para a intervenção divina, sendo posteriormente, por este motivo, considerado uma heresia da pior qualidade pela Igreja Católica, durante a obscurantista Idade Média.

 

Este estudo, um despretensioso convite à reflexão, teve por objetivo garimpar, aqui e ali, alguns fragmentos do pensamento de Demócrito que chegaram até nós – o louco Filósofo Ridente que dizia preferir uma única explicação pelas causas a possuir o reino da Pérsia, mas que, hoje, é considerado o mais lógico dos pré-socráticos. Logo, o texto não possui nada de original, nada que já não se conheça e nada que já não tenha sido publicado anteriormente ou que não esteja divulgado na Internet. Todavia, penso que, para os que ainda não conhecem as especulações filosóficas democritianas, será um interessante primeiro contato, pois, entre outras originalidades, Demócrito dizia que existe um número infinito de mundos, sendo que pelo menos um deles, e talvez mais do que um, seja uma cópia exata do nosso, com pessoas como nós. Pensando nisto, me veio logo ao centro do meu frágil intelecto uma curiosa psicose endógena: se um Rodolfo já amola muita gente e é dose para mamute, dois é para deixar até o bom Deus com dor de cabeça; tomara que o velho ridente Demócrito tenha errado nesta previsão! Mas, mudando de conversa, talvez, a máxima filosófica mais célebre de Demócrito seja: Tudo que existe no Universo é fruto do acaso e da necessidade. Seja como for, com acaso nem com esforço posso concordar, pois, se assim fosse, o Universo não seria mais do que um mero filhote esquizofrênico e ranzinza de baixo meretrício insexuado com alta esculhambação acidental permanente, o que não é, até porque desta mistureba desconexa não sai nada que preste. Universo = Sistema + Ordem. Mas com necessidade concordo; não consigo mesmo é engolir e consentir essa tal de contingência universal de araque. Nem sóbrio, nem ébrio, nem por todo o ouro do mundo. Mas com Demócrito também concordo que nada nasce do nada, que nada retorna ao inexistente nada e que tudo tem uma causa, seja por volição, seja por nolição, seja causa cônscia, seja causa incônscia. Nihil ex nihilo; nihil in nihilum. Nada vem do nada; nada vira nada. Para se admitir o nada como um existente, só aceitando a ponderação de Demócrito: O nada existe tanto quanto o 'alguma coisa'.

 

Enfim, Demócrito distinguia três fatores básicos para explicar as diferentes composições dos átomos: 1º) Figura: a forma geométrica de cada átomo; 2º) Ordem: a seqüência espacial dos átomos; e 3º) Posição: a localização espacial dos átomos. Como reflete António Manuel Martins, na medida em que este conceito de átomo não é empírico, pode-se dizer que o atomismo de Demócrito é, antes de mais, uma grandiosa construção teorética que pretende explicar o problema do devir e da pluralidade num contexto pós-parmenidiano. Uma vez que toda mudança se reduz, em última análise, a alterações de posição e de ordem dos átomos, Demócrito acaba por explicar os dados e os fatos da experiência nos mais diversos domínios (físico, biológico, psicológico etc.) em termos mecanicistas. Mas também há algo de Anaxágoras (500 a.C. – 428 a.C.), pois como as homeomerias anaxagorianas, os átomos de Demócrito, partículas minúsculas e invisíveis a olho nu, estavam presentes em toda a Natureza, de tal sorte que em tudo existia um pouco de tudo. Segundo o escritor e intelectual norueguês Jostein Gaarder (8 de agosto de 1952), de certa forma, nosso corpo também é construído dessa forma. Se retiro uma célula da pele de meu dedo, o núcleo desta célula contém não apenas a descrição da minha pele. Em cada uma das células existe uma descrição detalhada da estrutura de todas as outras células do meu corpo. Em cada uma das células existe, portanto, um pouco de tudo. O todo está também na menor das partes. Anaxágoras chamou as infinitas partículas de homeomerias, ou sementes invisíveis, que diferiam entre si nas qualidades. Todas as coisas resultariam da combinação das diferentes homeomerias. Enfim, no pensamento de Anaxágoras, qualquer porção, pequena ou grande, do mundo material que, embora contenha necessariamente todas as múltiplas e contraditórias qualidades encontráveis no resto do Universo, pode ser definida e caracterizada por uma qualidade preponderante ou hegemônica foi denominada de homeomeria.

 

 

 

 

Átomos
(O Universo microscópico é frenético e 'caótico')


 

Algumas animações em flash que constam deste rascunho reflexivo pretendem dar uma idéia de como Demócrito provavelmente (e não mais do que tão-só provavelmente) via o seu atomos, o microcosmo e o macrocosmo; outras são meramente ilustrativas e pictóricas. E se você não está com o som do seu computador ligado, por favor, ligue-o, pois, achei na Internet, por puro acaso, um arquivo .mid lindíssimo da música grega Zorba. Foi a versão mais bonita que já ouvi.

 


 

 

Fragmentos do Pensamento Democritiano

 

 

 

 

O homem, um microcosmo.

 

 

 

 

O mundo inteiro está aberto ao homem sábio, pois a pátria de um espírito de escol é o Universo.

 

A inteligência nos traz três vantagens: bem pensar, bem falar e fazer o dever.

 

O homem só é infeliz quando é injusto.

 

Bom não é apenas não ser injusto, mas, também, não querer sê-lo. [Que o Summum Bonum possa impregnar todas as consciências e purificá-las de pensamentos impuros, destrutivos, desarmônicos, tirânicos e apocópicos.]

 

A plenitude comedida é mais segura do que a desmedida.

 

Se sofrer uma injustiça, console-se; a verdadeira infelicidade é cometê-la.

 

Não se poderá jamais chegar a saber o que cada coisa realmente é.

 

A ignorância do bem é a causa do mal.

 

A Medicina cura os males do corpo; a Sabedoria liberta a Alma das paixões.

 

O animal é tão ou mais sábio do que o homem: conhece a medida da sua necessidade, enquanto o homem a ignora.

 

Nas coisas mais importantes somos discípulos dos animais; da aranha no tecer e remendar, da andorinha no construir, e das aves canoras – o cisne e o rouxinol – no cantar. E tudo por imitação!

 

Falsos e hipócritas são aqueles que tudo fazem com palavras, mas, na realidade, nada fazem.

 

A Palavra... Sombra da ação.

 

 

 

 

Por definição há cor. Por definição há doce. Por definição há amargo. Mas, na realidade, há átomos e espaço. [A animação em flash abaixo – de um átomo de hidrogênio não representa a visão atomístico-especulativa de Demócrito. Também não está lá muito fidedigna, pois o elétron (na animação) está a girar sempre no mesmo plano, o que, na realidade, não acontece. Por outro lado, descrever com exatidão o(s) movimento(s) de um elétron é uma impossibilidade físico-matemática (até o momento) bem explicada pelo Princípio de Incerteza de Heisenberg, que impõe restrições à precisão com que se podem efetuar medidas simultâneas de uma classe de pares de observáveis, ou seja, é impossível medir a posição de uma partícula e o seu momentum com absoluta precisão.]

 

 

 

 

Ocupe-se de pouco para ser feliz.

 

Escolher os bens da Alma é escolher os Bens Divinos; contentar-se com os bens do corpo é contentar-se com os bens humanos.

 

Belo é conter o homem injusto; ou, ao menos, não participar de sua injustiça.

 

Evita os maus atos. Não por temor [Imperativo Hipotético], mas por dever [Imperativo Categórico].

 

Quem for completamente dominado pelas riquezas não pode ser justo.

 

É esforçar-se em vão pretender trazer entendimento a quem imagina possuir entendimento.

 

Deve-se aspirar a vigorosas obras e ações e não a palavras.

 

Adquirir riqueza injustamente é a pior das coisas.

 

Não é inimigo quem comete uma injustiça, mas quem a deseja.

 

Benfeitor não é aquele que espera retribuição, mas aquele que se determina a fazer o bem.

 

Agradável é o ancião que sabe gracejar e pronunciar palavras sérias.

 

Aqueles que elogiam os insensatos causam-lhe grandes males.

 

É prejudicial querer agradar ao próximo.

 

É avidez querer falar tudo e nada querer escutar.

 

A eterna hesitação não permite que as ações atinjam a perfeição [relativa].

 

 

 

 

Aquele que age vergonhosamente deve envergonhar-se primeiro diante de si mesmo.

 

Saúde rogam os homens aos deuses em suas orações. Não sabem, porém, que trazem em si mesmos a força para tal; e fazendo, pela intemperança, o contrário do que ela exige, tornam-se, por sua cupidez, traidores da saúde.

 

A vida má, sem moderação, desprovida de entendimento e de respeito pelo sagrado não é uma vida má, mas um morrer lentamente.

 

O pior que se pode ensinar à juventude é a leviandade, pois é ela que provoca aqueles desejos que desenvolvem a perversidade.

 

Quem evita o injusto apenas por temor à lei provavelmente cometerá o mal em segredo; quem, ao contrário, for levado ao dever pela convicção provavelmente não cometerá o injusto nem em segredo nem abertamente. Por isto, quem agir corretamente em compreensão e entendimento mostrar-se-á corajoso e correto de pensamento.

 

A esfera, até certo ponto, é um ângulo.

 

 

 

 

 

Convém ao homem dar maior atenção à Alma do que ao corpo, pois a excelência da Alma corrige a fraqueza do corpo; a fraqueza do corpo, contudo, sem a razão, é incapaz de melhorar a Alma.

 

Sobre as más ações deve-se evitar mesmo as conversas.

 

Para o homem, a tranqüilidade provém da moderação no prazer e da justa medida. A deficiência e o excesso provocam mudanças e grandes movimentos na Alma. As Almas agitadas por grandes movimentos perdem o seu equilíbrio e a sua tranqüilidade. Deve-se, portanto, aplicar o espírito ao possível e contentar-se com o presente, sem dar demasiada atenção ao que se ambiciona e admira ou prender nisto o pensamento; deve-se, ao contrário, ter sob os olhos a vida dos miseráveis e atentar aos que sofrem. Assim, a tua situação e as tuas posses parecerão grandes e invejáveis, e, cessando então de desejar mais, evitarás padecer o mal da Alma. Quem admira os ricos e aqueles que outros homens louvam felizes... ver-se-á forçado a empreender constantemente novos meios, fazendo renovadas tentativas levado pelo desejo de agir contra as proibições das leis. Por isto, não se deve cobiçar, mas contentar-se com o que se possui, comparando a nossa vida com a dos miseráveis, e, considerando os seus sofrimentos, julgar-se feliz por sofrer menos. Adotando esta maneira de pensar, será possível viver mais tranqüilamente, evitando não poucas calamidades na vida: a inveja, a ambição, a inimizade.

 

Quando o apetite de riquezas é insaciável, torna-se muito pior do que a extrema pobreza, pois, quanto maior se torna o apetite, maior se torna a necessidade.

 

Sábio é quem não se aflige com o que lhe falta e se alegra com o que possui.

 

Transgredir a justa medida poderá fazer da coisa mais agradável a mais desagradável.

 

Só os odeiam a injustiça são amados pelos deuses.

 

Juramentos feitos na necessidade não são cumpridos pelas pessoas baixas, uma vez desvencilhadas das dificuldades.

 

A inveja é o início da discórdia.

 

A pátria de uma Alma virtuosa é o Universo. [Certa vez, Diógenes de Sínope (413 a.C. – 323 a.C.), o filósofo que vivia como um cão, afirmou: Sou uma criatura do mundo (cosmos) e não de um estado ou uma cidade (polis) particular.]

 

A guerra é uma desgraça para todos; conduz igualmente vencedores e vencidos à perda.

 

Quando pessoas desonestas conseguem postos no Governo, quanto mais indignas deles forem, tanto mais negligentes se tornam, crescendo em insensatez e em atrevimento.

 

Justiça quer dizer: fazer o que necessário. Injustiça que dizer: não fazer o que é necessário, esquivando-se.

 

Quem se perde em discussões e tagarelices mostra-se incapaz para aprender o necessário [e o desejável].

 

 

 

 

 

Fragmentos Doxográficos

 

 

 

Os princípios são o cheio e o vazio.

 

Os átomos não são divisíveis, e não há divisão até o ilimitado.

 

Por necessidade entendia Demócrito o choque, o movimento e o impulso da matéria.

 

Os átomos são a matéria das coisas.

 

Os átomos são imóveis por natureza, movendo-se tão-só por impulso.

 

Os átomos se movem eternamente em um espaço vazio.

 

O corpo é posto em movimento pela Alma.

 

Deus é o Espírito no Fogo esférico.

 

 

 

 

 

Bibliografia:

BORNHEIM, Gerd A. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, s. d.

KIRK, G. S. e RAVEN, J. E. Os filósofos pré-socráticos. 2ª edição. Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca, Beatriz Rodrigues Barbosa e Maria Adelaide Pegado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.

LOGOS (ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Volume I. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1989.

MORA, José Ferrater. Diccionario de filosofia. Volume I (A - D). Barcelona: Alianza Editorial S. A., 1990.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Di%C3%B3genes_de_S%C3%ADnope

http://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9#Anax.
C3.A1goras_de_Clazomena_:_As_homeomerias

http://www.sweaterthieves.com/archives/
2007_11_01_sweaterthieves_archive.html

http://www.runewebvitki.com/
Heimdallr.htm

http://fauno.blogspot.com/
2006_07_01_archive.html

http://breviariodasideias.blogspot.com/2008/06/
demcrito-de-abdera-o-tomo-como-explicao.html

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Escola_da_Pluraridade

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Dem%C3%B3crito_de_Abdera

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticos

 

Fundo musical:

Zorba the Greek (Mikis Theodorakis)

Fonte:

http://www.astrofegia.com/Music.htm