Rodolfo
Domenico Pizzinga
cordei
lépido e lampeiro. Minha mulher dormia como um Carduelis
magellanicus. Bocejei. Dei uma boa espreguiçada; me deu
cãibra na batata da perna esquerda. Gemi bem baixinho, inverti a posição
da espreguiçada para passar a cãibra na batata da perna esquerda
e dei um peidinho familiar meio motosserra; me mijei a
little bit. Minha mulher resmungou algo ininteligível.
Pensei com meus botões: Fazer
o quê? Os inimigos devem ser expulsos de casa! Fui fazer
xixi; apontei mal e mijei no chão. Fui tomar banho; a água havia
acabado. Então, me enchi de desodorante, passei um perfume, voltei
para o quarto e me vesti assim mesmo. Decidi ir tomar o café-da-manhã.
Minha mulher continuava dormindo como um Carduelis
magellanicus. Dei uma topada no criado-mudo; minha mulher resmungou
de novo algo ininteligível. Esqueci de colocar o pó de café
na cafeteira; desisti de tomar café. Fui trabalhar. O pneu traseiro
direito do carro estava furado. Tentei trocar o pneu, mas o estepe estava
vazio. Fui de táxi. O taxista adorava rock pauleira, e o volume
altíssimo do rádio quase me enlouqueceu. Meio zonzo, cheguei
ao trabalho: o computador estava pifado, o condicionador de ar estava quebrado,
minha secretária havia ficado doente, a cafeteira não funcionava
e os biscoitos estavam chochos porque alguém havia deixado a tampa
do pote semi-aberta. Continuei sem tomar o café-da-manhã. Atendi
mil setecentos e noventa e quatro telefonemas, a maioria de telemarketing;
comecei a pestanejar freneticamente e a falar sozinho. Hora do almoço.
Pensei: Ah!, agora
vou tomar meu café-da-manhã! O meu restaurante preferido
estava lotado e havia quinze pessoas esperando para almoçar. Desisti.
Resolvi comer um cachorro-quente incrementado e tomar um Mineirinho no Big
Cachorrão do Tio Paulão. Meia hora depois, eu estava de caganeira.
Arre! Acho que foi o raio do molho-que-tinha-tudo. Nas quatro horas que se
seguiram, caguei quarenta e oito vezes e meia e, entre peidos, puns, traques
e bufas, contados um a um, foram cento e noventa e sete. As evacuações
eram água pura, quer dizer, fezes liqüefeitas e abundantes. Fedorentérrimas;
uma pior do que a outra! Nunca vi um molho fazer efeito tão rápido!
Com um meteorismo para nenhum proctologista botar defeito, resolvi voltar
mais cedo para casa. Estava esgotado, desidratado e abichornado. O elevador
velho do prédio mais velho ainda em que tenho meu escritório
de advocacia rangeu, tremelicou e parou entre o décimo andar e o nono
andar, por falta de energia. O pior é que estava lotado; e minha barriga
roncava como um motor de popa Suzuki. De repente, me deu vontade de dar um
punzito. Contérrito, tentei peidar sorrateiramente e bem devagarinho,
mas me caguei todo; era um maldito peido enganador! O cheiro foi insuportável.
A fedentina, que logo fedeu, parecia uma mistura de pólvora de chocolate
podre com escatol, elevada à enésima potência! Com razão,
todo mundo começou a reclamar; eu, para disfarçar, reclamei
também. Enfim, uma hora e meia depois, a energia voltou; todos olharam
para mim, entre estupefatos, contrariados e enojados. Pudera! Eu tiritava
e estava amarelo-esverdeado! Minha barriga, agora, parecia a Orquestra do
Maestro Cipó. Já na rua, chamei um táxi. O motorista
– que, com muita honra, disse se chamar Franz Manuel Beckenbauer de
Sampaio Souza e Silva, era, segundo entendi, um português de Trevões,
uma freguesia portuguesa do Concelho de São João da Pesqueira,
no Distrito de Viseu, região norte e sub-região do Douro –
falava sem parar de uma tal de concertina que, por via de sucessão,
havia herdado do avô materno, perdida em um jogo de ronda. Eu, como
entendia mal e parcamente o que ele dizia, resmungava aqui e ali: —
Pois é! Vai
ver que é! Então, é! Quem sabe, é! Mas; não
é que é! Se o senhor está dizendo, sem tirar nem pôr,
é porque é! Enfim, quando cheguei à casa,
reparei que havia cagado o banco do táxi do Beckenbauer, que, à
essa altura, já estava fedendo quatrocentas e quarenta e quatro vezes
mais do que o Inferno, de Dante Alighieri. Fiquei com vergonha de confessar
a cagada ao trevoense, mas dei cinqüenta pratas para o cara e não
pedi troco. Becken gostou e se desculpou: — Obrigadinho,
seu doutor. Desculpa lá o mau cheiro da viatura. Agora esta filha-da-puta
deu de feder sozinha. Minha mulher não estava em casa.
Resolvi tomar um banho para me limpar; a água ainda não voltara.
Continuei sem tomar banho. Lavei a bunda na base do banho checo; me senti
um Sus scrofa.
Minha mulher chegou e perguntou: — Já
em casa, querido? Como foi seu dia de trabalho? Eu respondi: —
Foi ótimo,
meu bem! Aconteceram algumas coisas inusitadas, e eu estava pensado exatamente
nelas quando você chegou. Tenho saúde, um bom emprego e, principalmente,
você, que é o amor da minha vida. Sabe de uma coisa, querida?
Acho que não há nada que possa me derrubar. Nem molho-que-tem-tudo
de cachorro-quente. Lembei de um pedaço da letra de New
York, New York (If
I can make it there, I’ll make it anywhere...), e acabei
rindo tanto dos fatos insólitos que me aconteceram hoje, que me caguei
e me mijei todo de novo. Minha mulher não entendeu nada. A água
chegou e eu pude tomar o melhor banho da minha vida. Aquela noite quem dormiu
como um Carduelis
magellanicus fui eu! O Sus
scrofa não apareceu em meus sonhos!
Fundo
musical:
New
York, New York (John Kander & Fred Ebb)
Fonte:
http://sprott.physics.wisc.edu/midi/
Observação:
O
título desta estória louquérrima foi produzido a partir
de uma fotografia digital disponibilizada no Website da Epstein's Kosher Delicatessen,
cujo endereço é:
http://www.epsteinskosherdeli.com/
Página
da Internet consultada:
http://www.dognet.biz/breeding_your_dog.htm