Cada uma de nossas ações conscientes
e, de certa forma, toda a nossa vida podem ser vistas como resposta
à grande pergunta que desafia a todos: Como posso ser feliz?
Não esqueça a história
do cachorro: você ganhou de presente um cachorro bravo. Quando
quis acariciá-lo, ele mordeu sua mão. Você pode
mantê-lo acorrentado, para que não fuja e não
morda. Porém, assim, o cão nunca se tornará seu
amigo. Se, ao contrário, você lhe der comida e uma esteira
macia para dormir, logo ele lhe retribuirá os bons tratos e
será seu fiel amigo. Da mesma forma devemos proceder com nosso
corpo, com nós mesmos. (Maharishi Mahesh Yogi, apud
Dalai Lama).
Quatro verdades fundamentais
do Budismo: 1 - A essência do mundo humano é o sofrimento.
A mente humana está estruturada em termos de sofrimento; 2
- A origem do sofrimento é
o desejo – apego às próprias necessidades, às
próprias idéias e ao que se julga ser a vida; 3 - A
libertação do sofrimento é possível mediante
o domínio dos desejos e dos apegos até a obtenção
de sua extinção; e 4 - A extinção dos
desejos e do sofrimento é o que se chama de Nirvana (eterna
tranqüilidade da natureza que segue imperturbavelmente suas leis
eternas).
Oito etapas para as quatro verdades:
1ª - Visão reta do mundo e das coisas.
Só a meditação a dá; 2ª - Pensamento
reto – controle das idéias e desejos; 3ª
- Palavra reta, de acordo com o pensamento (reto);
4ª - Vida reta, de acordo com a sabedoria das
idéias contidas no pensamento (reto). Isto é muito difícil.
Geralmente se pensa de um modo e se vive de outro; 5ª - Ação
reta; 6ª - Trabalho reto (esforço),
profissão reta; 7ª - Conhecimento reto implicando em boa
instrução e boa ciência; e 8ª - Meditação
reta como chave de tudo e como fonte conhecedora de nós
mesmos e auto-reguladora de nossas desordens.
O sofrimento, a insatisfação,
os conflitos (dukka), enfim, são a enfermidade, o
desejo ou a raiz da doença. Pela remoção ou pelo
equilíbrio do desejo elimina-se a doença. É este
o caminho da cura.
O budismo não afirma nem
desmente a afirmação da vida eterna, apenas acha que
na discussão deste tema, a pessoa fica divagando enquanto
sua curta vida se vai acabando. Seus valores máximos são:
a paz, a tranqüilidade e o encontro do homem consigo mesmo. Mas,
isto não determina sua alienação da vida pública
e e da vida política.
Para pôr o espírito
e a mente em ordem – em sintonia com a ordem eterna universal
– um longo caminho se torna necessário, cujas principais
etapas são:
1 - Abstenção (yama).
A dieta alimentar é de fundamental importância para o
bom funcionamento ou equilíbrio da mente. Há toda uma
teoria da saúde física e mental implícita nesta
parte. A boa harmonia da saúde resulta do equilíbrio
yin-yang (negativo-positivo). Quando se dá o equilíbrio,
há saúde. A alimentação deve obedecer
à proporção equilibrada dos elementos yin-yang.
2 - Observância (nyana).
É a prática de vários preceitos de higiene mental
para dirigir e concentrar a mente para um exercício correto
e equilibrado. Estão incluídos hábitos de
vigília e sono e como evitar preocupações
e começar a viver.
3 - Postura correta (asana).
A finalidade é obter disciplina do corpo. Atua sobre os movimentos
dos músculos tornando-os mais aptos para a concentração
que é, segundo a ioga, a verdadeira vida do espírito.
4 - Regulação da respiração
(prana-yama). Tem por finalidade o domínio dos músculos
involuntários.
5 - Introversão ou bloqueio
dos sentidos (pratyahara). Através de um alheamento
de contatos com o mundo externo feito de tal maneira que as respostas
naturais dos sentidos fiquem desligadas. Para se obter a parte fundamental,
que é a concentração, precisa-se, ainda: Atenção
fixa (dharana). Contemplação (dhyãna).
Concentração em diversas verdades. Concentração
(samãdhi). Conseguida quando se persiste naquela contemplação
até sentir uma grande iluminação interior ou
alheamento (luz súbita na mente).
A prática da Meditação
do Amor Universal deve começar pela própria pessoa,
porque se alguém não se ama torna-se impossível
estender amor e benevolência a outras pessoas. Inicia-se com
o pensamento: Estou limpando minha mente de todas as impurezas.
Que eu esteja livre de maldades. Que eu esteja livre de inimizades.
Que eu fique livre do sofrimento. Que eu me sinta muito feliz, com
muito amor e muita paz. Depois disso, com a mente e o coração
repletos de amor e paz, o pensamento deve ser dirigido a uma pessoa
muito querida, da qual gostamos muito. Visualizamos essa pessoa recebendo
todo o nosso carinho, toda a paz e todo o amor que estamos sentindo.
Em seguida, visualizamos uma pessoa que nos é indiferente,
um conhecido do qual não gostamos nem deixamos de gostar, e
enviamos o mesmo pensamento. Finalmente, lembramos de alguém
que por algum motivo não gostamos, que nos é desagradável,
pela qual temos algum tipo de rancor, e enviamos em forma de pensamento
o nosso perdão, banhando-a com pensamentos de amor, paz e compreensão.
A Paz do Espírito é
a Paz Verdadeira. A Paz do Indivíduo será a Paz Verdadeira.
Luz na Mente e Paz na Alma.
Quando
você mantém um sentimento de compaixão, bondade
e amor, algo abre automaticamente sua porta interna. Com isso, você
pode se comunicar mais facilmente com as outras pessoas. E esse sentimento
de calor cria uma espécie de abertura. Você descobre
que todos os seres humanos são exatamente iguais a você
e se torna capaz de se relacionar mais facilmente com eles. Isso lhe
confere um espírito de amizade. Então há menos
necessidade de esconder as coisas e, conseqüentemente, sentimentos
de medo, dúvida e insegurança se dispersam automaticamente.
Na nossa vida diária,
certamente aparecem problemas. Os maiores problemas em nossas vidas
são aqueles que temos de enfrentar inevitavelmente, como a
velhice, a doença e a morte. Tentar evitar nossos problemas
ou simplesmente não pensar neles pode nos dar um alívio
temporário, mas acho que há um modo melhor de lidar
com eles. Se você enfrentar seu sofrimento diretamente, terá
mais condições de avaliar a profundidade e a natureza
do problema. Enfim, se você enfrentar seus problemas em vez
de os evitar terá mais condições de lidar com
eles.
Sempre que me relacionar
com alguém, que eu me considere a criatura mais ínfima
de todas e que encare o outro como supremo do fundo do meu coração!
Quando eu vir seres de natureza
perversa, oprimidos por tormentos e pecados violentos, que eu considere
de alto valor essas criaturas raras como se tivesse encontrado um
precioso tesouro!
Quando os outros, por inveja,
me tratarem mal com insultos, calúnias e atitudes semelhantes,
que eu sofra a derrota e ofereça a vitória aos outros!
Quando aquele, a quem beneficiei
com grande esperança, me ferir profundamente, que eu possa
encará-lo como meu supremo Guru!
Que eu possa, direta ou indiretamente,
oferecer benefícios e felicidade a todos os seres; que eu,
em segredo, possa assumir nos meus ombros a dor e o sofrimento de
todos os seres!
Nas
circunstâncias difíceis, se nós fizermos uma tentativa
de buscar respostas e soluções nas coisas externas estaremos
equivocados. Isso porque a mente desempenha um fator básico
nas nossas vidas. Se uma pessoa estiver cercada por uma situação
externa que lhe seja hostil, e se ainda assim ela conseguir preservar
a clareza, a serenidade mental vai ser
pouco afetada pelas circunstâncias externas.
A
semente da paz mental é a compaixão. Aquele tipo de
sentimento que sentimos em relação aos amigos íntimos
é quase sempre um sentimento de apego. E o apego, na verdade,
vem carregado de preconceitos. A compaixão é isenta
de preconceito. O apego, normalmente, parte de uma projeção
mental de que aquela pessoa nos parece algo boa, algo bela, e, então,
aquele sentimento aí se desenvolve. No momento em que aquela
aparência muda, ainda que a pessoa seja a mesma, aquele sentimento
normalmente acaba. Assim é importante distinguir apego de compaixão.
E é importante ter compaixão sem apego... A compaixão
é uma fonte de força interior.
As crianças que recebem
afeição e carinho têm uma saúde melhor,
têm um estado mental melhor e podem aproveitar melhor a educação
a que têm acesso. Por outro lado, uma criança privada
de carinho vai ter mais dificuldade em
aprender, em desenvolver o seu potencial mental, e estará mais
sujeita a perturbações. O que mantém o ser humano
é a mansidão – a docilidade – e não
a agressividade.
Se
observarmos com uma visão correta, o próprio conflito
é causa de nosso progresso. Através de nossa sofisticada
inteligência podemos perceber muitos de nossos conflitos. E
quando estamos diante de um problema, de um conflito, se olharmos
para ele de uma certa distância vamos sempre encontrar naquela
situação um elemento comum que é aglutinador
daquela circunstância. E a partir do reconhecimento daquele
elemento comum que tem a possibilidade de aglutinar, nós nos
convencemos de que é necessário mantermos o controle
– de não perdermos a cabeça – e a partir
dessa postura utilizando a nossa inteligência humana nós
devemos trabalhar buscando um caminho para a solução.
É a isso que chamamos de Sabedoria.
O sofrimento
interior está claramente associado a uma confusão cada
vez maior sobre o que de fato constitui a moralidade e quais são
os seus fundamentos.
A meu
ver, criamos uma sociedade em que as pessoas acham cada vez mais difícil
demonstrar um mínimo de afeto aos outros. Em vez da noção
de comunidade e da sensação de fazer parte de um grupo,
encontramos um alto grau de solidão e a perda de laços
afetivos. O que gera essa situação é a retórica
contemporânea de crescimento e desenvolvimento econômico,
que reforçam intensamente a tendência das pessoas para
a competitividade e a inveja.
O descaso pela dimensão
interior do homem fez com que todos os grandes movimentos dos últimos
cem anos ou mais - democracia, liberalismo, socialismo - tenham deixado
de produzir os benefícios que deveriam ter proporcionado ao
mundo, apesar de tantas idéias maravilhosas.
Considero que a espiritualidade
esteja relacionada com aquelas qualidades do espírito humano
– tais como amor e compaixão, paciência, tolerância,
capacidade de perdoar, contentamento, noção de responsabilidade,
noção de harmonia – que trazem felicidade tanto
para a própria pessoa quanto para os outros. É por isso
que às vezes digo que talvez se possa dispensar a religião.
O que não se pode dispensar são essas qualidades espirituais
básicas.
Quando os seres humanos se desentendem,
mostram que esqueceram suas semelhanças fundamentais para supervalorizar
razões secundárias. Por razões secundárias
um homem destrói outro homem e destrói o planeta que
o abriga. As crises, a violência, as queixas sobre o declínio
da moralidade que nos assolam, mostram que o enorme desenvolvimento
externo — sem dúvida útil e necessário
— não corresponde a um mesmo nível de desenvolvimento
interno da humanidade. Esse cultivar-se internamente é que
garantirá nosso direito à felicidade e até à
sobrevivência. Porque, por mais mortíferas que sejam
as armas produzidas pelo medo e pelo ódio, é necessária
a mão de um homem para detonar o gatilho.
Hoje, enfrentamos muitos problemas.
Alguns criados por nós em conseqüência de diferenças
ideológicas, religiosas, raciais e econômicas. Entretanto,
chegou o momento de pensarmos em um nível mais profundo, em
um nível humano, e, a partir daí, apreciarmos e respeitarmos
essa mesma condição nos outros seres humanos. Devemos
construir relacionamentos mais próximos, de confiança
mútua, compreensão e ajuda. Todos queremos a felicidade
e evitar o sofrimento. Todos temos o mesmo direito de ser felizes,
e aí reside a nossa igualdade fundamental. Não é
necessário seguir filosofias complicadas. Nosso próprio
coração é o nosso templo. A filosofia é
a bondade.
O cultivo do amor e da compaixão
são a verdadeira essência de todas as crenças.
O importante é que em sua vida diária você pratique
as coisas essenciais e, nesse nível, quase não existe
diferença entre budismo, cristianismo, judaísmo, islamismo
ou qualquer outra fé. Todas elas focalizam o desenvolvimento,
o aperfeiçoamento dos seres humanos, o sentimento de fraternidade
e de solidariedade. Nesse sentido, as diferenças entre as religiões
não são de maneira alguma essenciais.
Seria muito mais produtivo se
as pessoas procurassem compreender seus pretensos inimigos. Aprender
a perdoar é muito mais proveitoso do que simplesmente tomar
de uma pedra e arremessá-la contra o objeto de sua ira. Quanto
maior a provocação, maior a vantagem do perdão.
É quando padecemos os piores infortúnios que surgem
as grandes oportunidades de se fazer o bem a si e aos outros.
O que mais nos incomoda é
ver nossos sonhos frustrados. Mas permanecer no desânimo não
ajuda em nada para a concretização desses sonhos. Se
ficamos assim, nem vamos em busca dos nossos sonhos, nem recuperamos
o bom humor! Este estado de confusão – propício
ao crescimento da ira – é muito perigoso. Temos de nos
esforçar e não permitir que a nossa serenidade seja
perturbada. Quer estejamos vivenciando um grande sofrimento, quer
já o tenhamos experimentado, não há razão
para alimentarmos o sentimento de infelicidade.
É através da arte
de Escutar que seu espírito se enche de fé e devoção
e que você se torna capaz de cultivar a alegria interior e o
equilíbrio da mente. A arte de Escutar lhe permite alcançar
sabedoria, superando toda ignorância. Então, é
vantajoso dedicar-se a ela, mesmo que isto lhe custe a vida. A arte
de Escutar é como uma luz que dissipa a escuridão da
ignorância. Se você é capaz de manter sua mente
constantemente rica através da arte de Escutar, não
tem o que temer. Este tipo de riqueza jamais lhe será tomado.
Essa é a maior das riquezas.
O aprimoramento da paciência
requer a presença de alguém que deliberadamente nos
faça mal. Esse tipo de pessoa nos dá a chance de praticarmos
a tolerância. A nossa força interior é posta à
prova com mais intensidade do que aquela de que o nosso guia espiritual
seria capaz. Em essência, o exercício da paciência
nos protege da perda da confiança.
Passagem selecionada da Carta
do Dalai Lama enviada ao Presidente dos Estados Unidos George W. Bush
após o atentado de 11 de Setembro de 2001: Poderá parecer
presunçoso de minha parte, mas acredito, pessoalmente, que
devemos pensar seriamente se uma reação violenta seja
a coisa certa a se fazer e no melhor interesse da nação
e de seu povo, a longo prazo. Creio que a violência somente
aumentará o ciclo de violência. Contudo, como lidar com
o ódio e a ira que, freqüentemente, estão na base
dessa violência absurda? Esta é uma questão muito
difícil, especialmente quando diz respeito a uma nação
inteira, e quando temos certas concepções fixas de como
lidar com tais ataques. Estou certo de que vocês tomarão
as decisões apropriadas.
Muitos dos problemas que estamos
enfrentando são o resultado de negligências por anos
e décadas... A exploração, o imperialismo e o
colonialismo por parte de países industrialmente avançados
causaram a presente situação. Ao invés de investir
na violência, os Estados Unidos deveriam explorar caminhos pacíficos
para combater o terrorismo internacional.
Passe algum tempo sozinho todos
os dias. Lembre-se de que o silêncio, às vezes, é
a melhor resposta.
Do ponto de vista budista, a
meditação é uma disciplina espiritual que nos
permite algum nível de controle sobre nossos pensamentos e
emoções.
A idéia de produzir uma
mudança tão fundamental em nós mesmos pode à
primeira vista parecer impossível. No entanto, é realmente
possível realizar essa mudança através de um
processo de disciplina tal como a meditação. Escolhemos
um objeto específico, e então treinamos a mente desenvolvendo
nossa capacidade de manter a atenção concentrada no
objeto. Normalmente, se tirarmos apenas um momento para refletir,
veremos que nossa mente é totalmente dispersiva. Podemos estar
pensando em alguma coisa e, de repente, descobrimos que fomos distraídos
porque algum outro pensamento entrou na nossa cabeça. Nossos
pensamentos estão constantemente correndo atrás disso
ou daquilo porque não temos a disciplina de concentrar a atenção.
Portanto, através da meditação, o que podemos
alcançar é a capacidade de voltar nossa mente para qualquer
objeto determinado e focalizar a atenção nele, de acordo
com nossa vontade.
De uma perspectiva budista, a
meditação deve ser praticada em relação
a um objeto positivo, com o que queremos dizer um objeto que aumente
nossa capacidade de concentração. Através da
familiaridade, nós nos aproximamos cada vez mais do objeto
e temos uma sensação de envolvimento com ele. Na literatura
budista clássica, esse tipo de meditação é
descrito como shamatha, a permanência serena, que é
uma meditação de ponto único de concentração.
Mas, a shamatha em si só não basta. No Budismo,
associamos a meditação de ponto único à
prática da meditação analítica, que é
conhecida como vipasyana, discernimento penetrante. Nessa
prática, aplicamos o raciocínio. Quando reconhecemos
os pontos fortes e fracos de diferentes tipos de pensamentos e emoções,
bem como suas vantagens e desvantagens, conseguimos aprimorar nossos
estados mentais positivos que contribuem para uma sensação
de serenidade, tranqüilidade e contentamento além de reduzir
a incidência daquelas atitudes e emoções que conduzem
ao sofrimento e à insatisfação. Desse modo, o
raciocínio desempenha um papel de grande auxílio nesse
processo.
Se aquele que medita se mantiver
concentrado no pensamento de que tudo muda de um momento para outro,
essa é a meditação de ponto único. Ao
passo que, se alguém meditar sobre a impermanência através
da aplicação constante, a tudo o que encontrar, dos
diversos argumentos referentes à natureza impermanente das
coisas, reforçando sua convicção no fato da impermanência
por meio desse processo analítico, ele estará praticando
a meditação analítica sobre a impermanência.
As duas têm um objeto comum – a impermanência –
mas o modo de aplicação de cada meditação
é diferente. É, portanto, possível integrar os
dois tipos de meditação numa religião teísta.
Um cristão, por exemplo, poderia dedicar-se à contemplação
refletindo sobre os mistérios do mundo, sobre o poder da graça
divina ou sobre várias razões que considere intensamente
inspiradoras e que aumentem sua crença no divino Criador. Através
de um processo dessa natureza, o indivíduo poderia chegar a
uma profunda fé em Deus, e poderia, então, pousar sua
mente nesse estado mantendo o foco nesse ponto único. Desse
modo, o praticante chega a uma meditação de ponto único
sobre Deus através de um processo analítico. Portanto,
os dois aspectos da meditação estão presentes.
Quais são as estruturas
de causas e efeitos que produzem as emoções perturbadoras?
A mente é uma entidade individual ou separada? Ela é
misteriosa e precisa de ser estudada. A mente, ainda que sempre presente,
segue misteriosa. Até agora, as pessoas têm-se dedicado
a ver o mundo material, mas, recentemente, procuraram também
compreender a natureza da mente, que produz a experiência do
mundo material. Tentam compreender como o reflexo das emoções
altera a saúde e como a visão do mundo, produzida pela
própria mente, está diretamente ligada às emoções.
Transformando as visões, transformamos a experiências
do mundo material e também a saúde. Quando a mente permanece
na condição natural sem qualquer conceitualização,
o que surge é uma espécie de vacuidade, uma experiência
directa da luminosidade da mente. Olhem silenciosamente para dentro.
Tentem descobrir o estado não-conceptual. Tentem, mas não
levem isso demasiado a sério!
Situação atual
do Tibet: Em poucas palavras, é uma nação ancestral
com uma herança cultural única e que enfrenta agora
a extinção total.
ONU: De fato, no começo,
em 1959 e princípios dos anos 60, levantamos a questão
do Tibet junto à ONU e foram aprovadas três Resoluções.
Mas, depois, preferimos dialogar com o Governo Chinês numa abordagem
direta. Em 1979, desenvolvemos um contato direto com o Governo Chinês.
No início dos anos 80, houve alguma esperança. O Governo
Chinês estava bastante realista sob a liderança de Deng
Xiaoping e, no Executivo, estava um comunista extraordinário,
de mente aberta. Durante o seu tempo, houve uma esperança real.
Admitiu publicamente o erro da China e pediu desculpas, publicamente,
ao povo tibetano. Julgo que chegou até a mencionar, em público,
a retirada da mão chinesa do Tibete em 80 por cento. Mas, depois,
rapidamente, no meio dos anos 80, toda a política chinesa tornou-se
mais severa. A atitude do Governo Chinês para com o Tibet endureceu
e, recentemente, na última década, os oficiais locais
chineses declararam publicamente o Budismo Tibetano como uma espécie
de separatismo. Por isso, impuseram mais restrições
ao Budismo e passaram a usar também o método do terror
– qualquer tipo de atitude de ressentimento por parte de um
Tibetano resulta logo em detenção e, por vezes, em prisão.
Sabedoria: Se observarmos com
uma visão correta, o próprio conflito é causa
de nosso progresso. Através de nossa sofisticada inteligência
poderemos perceber muitos de nossos conflitos. E quando estamos diante
de um problema, de um conflito, se olharmos para ele de uma certa
distância, iremos sempre encontrar naquela situação
um elemento comum que é aglutinador daquela circunstância.
E a partir do reconhecimento daquele elemento comum que tem a possibilidade
de aglutinar, nós nos convenceremos de que é necessário
mantermos o controle, de que é necessário não
perdermos a cabeça, e a partir dessa postura utilizando a nossa
inteligência humana nós vamos trabalhar buscando um caminho
para a solução. É a isso que chamo de Sabedoria.
Compaixão não é
um sentimento que sentimos em relação àquelas
pessoas que estão próximas de nós, nossos amigos
íntimos. Não é disso que eu estou falando. Estou
falando, sim, da compreensão, do entendimento, de que existe
um direito à felicidade, um direito de as pessoas serem felizes
e de buscarem a felicidade, e de um respeito nosso quanto a este direito.
Esta é a verdadeira base da compaixão, aquele tipo de
compaixão que também se manifesta em relação
aos inimigos. Aquele tipo de sentimento que sentimos em relação
aos amigos íntimos é quase sempre um sentimento de apego.
E o apego, na verdade, vem carregado de preconceitos. A compaixão
é isenta de preconceito. O apego, normalmente, parte de uma
projeção mental de que aquela pessoa nos parece algo
bom, algo belo, e aquele sentimento aí se desenvolve. No momento
em que aquela aparência muda, ainda que a pessoa seja a mesma,
aquele sentimento normalmente acaba. Assim, é importante distinguir
apego de compaixão. E é importante ter compaixão
sem apego.
Alguns problemas acontecem e
têm solução e não há necessidade
de nos preocuparmos. Outros acontecem e não têm solução
e não há nenhuma utilidade em nos preocuparmos com eles.
Mesmo as diferentes religiões
do mundo no passado e nos dias de hoje manifestam um certo conflito.
Se observarmos as diferentes religiões ou filosofias vamos
ver que seus fundamentos, às vezes, parecem contraditórios.
Por exemplo: o Budismo e o Janaísmo não acreditam em
um Criador, mas para a maior parte das religiões a figura de
um Criador é básica, é fundamental. Mas, apesar
das diferenças, existem pontos de base comuns apesar da maneira
diferente que certos valores são apresentados. Por exemplo:
em todas as religiões vamos encontrar um ponto comum que é
o calor do coração e em todas há a valorização
da compaixão, do amor e do perdão. Uma única
religião não é capaz de satisfazer a diversidade
dos seres humanos. Olhando por este ângulo, não só
é possível termos respeito pelas diferentes religiões,
como também iremos encontrar uma unidade entre as diferentes
religiões. Este ponto de vista não só é
possível como necessário.
Antigamente, as nações
conseguiam sobreviver de forma isolada, até mesmo elas eram
eram auto-suficientes, bastavam-se a si próprias. Porém,
com a economia que temos hoje no mundo isto é impossível
devido à globalização, à comunicação
que existe. Agora o interesse de cada um está diretamente entrelaçado
com o interesse de todos. O seu próprio futuro depende do futuro
dos outros. Em outras palavras: há um só mundo. Nessas
circunstâncias, vai haver o bem geral se houver harmonia, se
houver cooperação entre as nações. Isto
é principalmente relevante no que se refere à Ecologia.
Os problemas estão além das fronteiras nacionais. Nessas
circunstâncias é crucial ter o sentido da responsabilidade
universal.
Se falarmos em paz, é
necessário pensar na paz interior, na paz de espírito.
A paz imposta pelo ódio é impossível. A paz mundial,
a paz internacional, a paz entre as famílias e a paz entre
cidades vem do indivíduo, da paz individual, da iniciativa
individual. Quando proclamamos a necessidade de haver paz devemos
desenvolver primeiro a necessidade de haver paz dentro de nossos corações.
A paz com compaixão, a redução dos sentimentos
negativos, a isso podemos chamar de desarmamento interior. Mas o desarmamento
interno é suficiente? A resposta é: Não. Primeiro
o desarmamento interior, depois a desmilitarização.
O aparelho militar é muito caro de ser mantido, é um
desperdício e é muito destrutivo. Chegou a hora de nós
pensarmos com seriedade na desmilitarização do mundo.
É claro que isso não é uma coisa a ser conseguida
da noite para o dia. Isso é uma evolução gradual.
Podemos começar banindo as armas nucleares, depois armas ofensivas,
até chegar a uma desmilitarização. E é
possível que continue necessária uma polícia
internacional sob um certo controle. Mas eu acredito que se houvesse
uma desmilitarização global nós não mais
teríamos guerras nacionais, guerra civil, ditadores...
Nós, como humanos, já
conseguimos realizar muitos progressos materiais mas, apesar disso,
os problemas ainda são enormes, e principalmente os novos problemas
criados pelo desenvolvimento. Parece-me que não é muito
produtivo nós ficarmos lastimando esses problemas, criticando,
ou mesmo rezando na esperança de que eles se evaporem. Precisamos
ter uma ação efetiva para lidarmos com estes problemas.
Estou convencido de que, como na sua essência esses problemas
foram criados pelo homem, a Humanidade também tem a capacidade
de encontrar a solução para eles. Para isso, nós
necessitamos de sincera motivação, determinação
e sabedoria – esses três fatores são essenciais.
O desenvolvimento espiritual
não quer dizer necessáriamente religioso, mas o desenvolvimento
da qualidade essencial que é a compaixão, que é
paixão, estou falando de qualidades humanas essenciais que
são a compaixão e o afeto entre os homem. Se uma pessoa
vai ter uma prática religiosa ou não, cabe a ela decidir,
isto é um direito que ela tem. Porém, enquanto ser humano,
permanecendo como membro desta comunidade humana que existe no Planeta
ela tem a obrigação de ter um coração
caloroso. Isso não pode ser negado.
Existem dois tipos de espiritualidade:
a espiritualidade ligada a uma fé religiosa e outra que independe
de fé religiosa. Esse segundo tipo de espiritualidade se baseia
em valores universais.
Um obstáculo ao desenvolvimento
da compaixão é o apego excessivo ao amigo e a aversão
aos inimigos. Quando nós criamos essa polaridade nos nossos
relacionamentos deixamos de ver as pessoas com equanimidade, que é
a base da compaixão. Aquele a quem nós chamamos inimigo
é o professor nos dando lições de desenvolvimento,
de tolerância e de compaixão, independente de qual seja
a motivação. Para exercitar a paciência, temos
de ficar diante de situações difíceis. Ninguém
aprende a ser paciente entre amigos ou apenas em situações
agradáveis e confortáveis. Cultivar a tolerância
e a compaixão não significa se curvar diante do inimigo.
Significa não deixar a raiva tomar conta, porque ela anula
nossa capacidade de discernir entre ações construtivas
e ações destrutivas.
Não acredito que uma mudança no calendário
possa mudar a vida das pessoas. É certo que a Humanidade está
amadurecendo e o nível de consciência vem aumentando,
mas somente aqueles que estiverem fazendo seu trabalho de transformação
pessoal é que se beneficiarão disso. As pessoas que
não estiverem fazendo seu esforço pessoal continuarão
tendo que lidar com as mesmas questões e terão os mesmos
obstáculos. A Humanidade vem atravessando décadas de
violação dos direitos humanos. Então, as pessoas
não devem ter as expectativas de que as mudanças aconteçam
da noite para o dia. Mas temos que perseverar, porque é o único
caminho.
Quando perdemos a esperança
o resultado é que nos tornamos deprimidos e talvez até
suicidas. Portanto, nossa existência é fortemente enraizada
na esperança. Embora não haja garantia de que o futuro
chegará, é porque temos esperança no futuro que
somos capazes de continuar vivendo. Podemos dizer que o propósito
de nossa vida, nosso objetivo de vida, é a felicidade.
Hoje, por causa da crescente
mudança tecnológica e da natureza da economia mundial
estamos muito mais dependentes uns dos outros do que antes. Diferentes
países e continentes tornaram-se mais intimamente associados
uns com os outros. Na realidade, a sobrevivência de uma região
do mundo depende da de outras. Portanto, o mundo tornou-se mais próximo,
muito mais interdependente. Como conseqüência, há
mais interação humana. Sob tais circunstâncias,
a idéia de pluralismo entre as religiões mundiais é
muito importante. Em tempos passados, quando as comunidades viviam
separadas uma das outras e as religiões surgiam num relativo
isolamento, a idéia que havia só uma religião
era muito útil. Mas agora a situação mudou, e
as circunstâncias são inteiramente diferentes. Agora
é crucial aceitar o fato de que existem diferentes religiões,
e a fim de desenvolver verdadeiro respeito mútuo entre elas
é essencial aproximar o contato entre as várias religiões...
Todas as religiões do mundo têm o potencial para produzir
boas pessoas, a despeito das suas diferenças de filosofia e
de doutrina. Cada tradição religiosa tem sua própria
maravilhosa mensagem a transmitir.
Do ponto de vista do Budismo
o conceito de um Criador é ilógico. É difícil
para os budistas entenderem esse conceito por causa do modo que eles
analisam a causalidade. Contudo, este não é o lugar
para discutir questões filosóficas. O ponto importante
aqui é que esta abordagem é eficaz para as pessoas que
seguem esses ensinamentos nos quais a crença básica
está em um Criador. De acordo com essas tradições,
o ser humano individual é criado por Deus. O que se segue a
isso é o ensinamento que deveríamos amar nossos semelhantes
– esta é a mensagem principal aqui. O raciocínio
é que se amamos a Deus deveremos amar nossos semelhantes, porque
eles, como nós, foram criados por Deus. O futuro deles, como
o nosso, depende do Criador, portanto, sua situação
é igual a nossa. Logo, a crença das pessoas que dizem
ame a Deus mas não mostram amor verdadeiro para seus semelhantes
é questionável. A pessoa que acredita em Deus e no amor
a Deus deve demonstrar a sinceridade de seu amor a Deus através
do amor dirigido aos semelhantes.
Acredito que não há
problemas em permanecer não-crente, mas enquanto você
fizer parte da Humanidade, enquanto você for um ser humano,
você precisa de afeição humana, de compaixão
humana. Este é realmente o ensinamento essencial de todas as
tradições religiosas: o ponto crucial é a compaixão
ou a afeição humana. Sem afeição humana,
mesmo crenças religiosas podem se tornar destrutivas. Assim,
a essência, mesmo na religião, é um bom coração.
Considero que a afeição humana, ou compaixão,
é a religião universal. Crente ou não-crente,
todos necessitam de afeição humana e de compaixão,
porque compaixão nos dá força interior, esperança
e paz mental. Assim, ela é indispensável para todos.
Diante da situação
global atual, a cooperação é essencial, especialmente
em campos como a economia e a educação. O conceito de
que diferenças são importantes está agora mais
ou menos ultrapassado, como demonstra o movimento por uma Europa Ocidental
unificada. Acho que esse movimento é verdadeiramente maravilhoso
e chega em boa hora. Ainda assim, esse trabalho entre as nações
não aconteceu por causa da compaixão ou da fé
religiosa, mas por necessidade. Há uma tendência crescente
em direção da conscientização global.
Nas atuais circunstâncias, um relacionamento mais íntimo
com os outros tornou-se um elemento da nossa própria sobrevivência.
Portanto, o conceito de responsabilidade universal baseado na compaixão
e num senso de irmandade é essencial.
Pensar apenas em dinheiro, em
lucrar vendendo armas, é realmente horrível. Certa vez,
encontrei uma francesa que passara muitos anos em Beirute, no Líbano.
Ela me disse, com grande tristeza, que durante a crise em Beirute
havia gente de um lado da cidade ganhando dinheiro com a venda de
armas, enquanto do outro lado, no mesmo dia, havia gente inocente
sendo morta pelas mesmas armas. Da mesma forma, de um lado do planeta
há pessoas vivendo suntuosamente com o lucro auferido da venda
de armas, enquanto pessoas inocentes morrem do outro lado do planeta,
vítimas daquelas balas sofisticadas. O primeiro passo, portanto,
é parar a venda de armas. Às vezes eu brinco com meus
amigos suecos: Vocês são mesmo maravilhosos. Mantiveram
a neutralidade durante o último conflito e sempre consideram
a importância dos direitos humanos e da paz mundial.Ótimo.
Mas, nesse meio tempo, estão vendendo muitas armas. Há
uma pequena contradição aí, não há?
Assim, desde a crise do Golfo Pérsico, prometi a mim mesmo
que pelo resto da minha vida contribuirei para avançar a idéia
da desmilitarização. No que diz respeito ao meu país,
já resolvi que, futuramente, o Tibet deverá ser uma
zona totalmente desmilitarizada.