Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

Dedicatória

 

De uma profícua e interessante conversa-debate que tive na última segunda-feira, 27 de agosto de 2007, no Instituto de Desenvolvimento Humano e Gestão Empresarial - IDHGE, sobre temas espirituais, em especial com meu amigo Sérgio Salomão, engenheiro de profissão e espírita por convicção, inspirei-me para escrever este despretensioso rascunho. Assim sendo, particularmente a esse meu amigo e irmão querido dedico o rascunho abaixo com a seguinte advertência, a ele e a quem eventualmente vier a ler o seu conteúdo: o que se seguirá, por ser uma especulação, isto é, um estudo teórico predominantemente baseado no raciocínio abstrato, muito longe está de pretender representar a última palavra sobre o tema. Mais do que isso: eu posso estar completamente equivocado. Portanto, se o que refleti neste rascunho-diálogo não estiver correto, pelo menos em uma coisa tenho certeza que acertei, e é exatamente como concluo estas especulações místicas: o que deve ser constante é a oração, o trabalho e a vigilância. Ora. Labora. Vigia. Algum religioso ou místico, em sã consciência, poderá discordar desta reflexão?

 

 

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Mas... Como isso pode ser possível?

A questão não é de possibilidade ou de impossibilidade. É assim que a Lei opera. E a Lei, ao funcionar, independe, para isso, de a compreendermos ou não, de gostarmos ou não de como ela funciona.

Mas... Pode ser, então, que eu não reencarne?

Não sou eu quem decide isso; na realidade, ninguém pode interferir nesse processo. Nem em um sentido nem em outro. A Lei da Reencarnação ou da Necessidade não é invulnerável e nem é obrigatória, como alguns pensam e admitem. E a Lei da Causalidade Moral não tem como função atuar de forma predestinadora impondo que toda ação, boa ou má, gere uma reação que retorna – clareando ou escurecendo, premiando ou punindo, sarando ou adoentando – com a mesma qualidade e intensidade 'talionantes' a quem a realizou, seja nesta encarnação, seja em uma encarnação futura; a Lei da Causa e do Efeito também não é regressiva, de sorte a produzir um renascimento transmigratório em forma animal, vegetal ou mineral. Essas idéias estapafúrdias derivam do fato de o ente humano fazer transferências objetivas, conceituais e operacionais, de suas compreensões e experiências mundanais para o Cósmico-Sempre-Um. Ele acha que se as coisas aqui funcionam assim ou assado, cozido ou frito, o Cósmico, por analogia, por semelhança funcional, também deverá funcionar da mesma forma, assando, cozendo e fritando. Por isso, por exemplo, ele costuma pensar e dizer que Deus é pai, é fiel e é bom. Ele quer que o presumido Deus em que ele acredita seja uma réplica daquilo que ele considera como justo, bom e belo, atribuindo a esse Deus qualidades derivadas de categorias e de concepções meramente humanas. Seja como for, de uma forma geral, só há uma pessoa que pode fazer os ajustes necessários para criar as condições cósmicas mínimas e requeridas para que Lei da Reencarnação possa operar, no sentido de promover a reintegração ou evolução da personalidade-alma.

E quem é essa pessoa?

Você.

Eu? Como assim?

Ora, muito simples. Você sabe o que é gangrena, pois não? Mas, recordando: gangrena é a morte tecidual, quase sempre em massa considerável e, geralmente, com perda de suprimento vascular (nutritivo), seguida de invasão bacteriana e de putrefação. Há diversos tipos de gangrena. 1) Diabética - úmida associada a diabetes; 2) Seca - ocorre sem decomposição bacteriana subseqüente, em que os tecidos ressecam e atrofiam; 3) Embólica - afecção que se segue à interrupção do suprimento sangüíneo por meio de embolia; 4) Gasosa - afecção dolorosa severa, aguda, na qual os músculos e os tecidos subcutâneos se enchem de gás e com um exsudado serossanguinolento, devido à infecção dos ferimentos por bactérias anaeróbias; 5) Úmida - associada à decomposição proteolítica (hidrólise protéica com ruptura de ligações peptídicas) resultante de ação bacteriana; e 6) Simétrica - de dedos correspondentes em ambos os lados devido a distúrbios vasomotores. É freqüente a prescrição de um antibiótico de amplo espectro diante da possibilidade de uma gangrena, inclusive antes de serem conhecidos os resultados dos testes laboratoriais. Desse modo, é possível ganhar algum tempo e evitar que a doença progrida. Todavia, geralmente é retirado o tecido necrosado; e nos casos de má circulação é necessário amputar um membro para evitar uma infecção generalizada. Uma terapia com oxigênio à alta pressão detém a invasão de 'Clostridium'1 e é também um recurso contra a gangrena cutânea. Entretanto, o fato é que o tratamento da gangrena nem sempre é bem sucedido: 20% das pessoas acometidas por essa moléstia evoluem ao óbito. Então, primeiro, quando é necessário, amputa-se um membro para evitar uma infecção generalizada; segundo, isso não significa que o paciente não possa vir a desencarnar. O Cósmico, 'mutatis mutandis', também funciona ancorado em mecanismos (re)equilibrantes.

Não compreendo o que isso possa ter a ver com a reencarnação, com a Lei da Causalidade Moral e com o fato de eu decidir se quero ou se não quero, se posso ou se não posso, reencarnar. Isso está muito complicado.

Tudo no Universo funciona de acordo com certas Leis, digamos assim; mas, no caso em questão, a base de tudo é o mérito. Mas, perceba: não o mérito como é entendido por alguns. Enriquecer às custas de expedientes e vencer na vida às expensas de artifícios ignóbeis não podem ser consideradas representações meritórias. Malandragem é malandragem; mérito é mérito. Assim, da mesma forma que um tecido comprometido, a ponto de não mais poder ser restabelecido, deve ser amputado, uma natureza que alcançou o limite da desorganização espiritual, da crueldade, do desamor e do demérito absoluto, não pode, mais do que isso, não consegue, permanecer existindo como tal – como natureza individualizada no seio do Todo-Sempre-Um. Quando uma natureza qualquer se desarmoniza a ponto de não poder ser auto-ajustada a qualquer fração do Summum Bonum, quando recusa e não deseja mesmo, por nenhuma via, qualquer tipo de (re)equilíbrio, quando só tem por meta o mal e seus sucedâneos, quando, enfim – devido às circunstâncias em que está se espojando no lamaçal de sua existência-não-existência – não pode ser reintegrada conscientemente e não pode seguir a trajetória ascensional e natural da Espiral da Vida, será cósmica e amorosamente reciclada. Perde, por assim dizer, o duplo privilégio provisório de sua efêmera individualidade e de sua impermanente personalidade, e sua Essência Primária ou Matéria-prima Primordial, Essência que move a todos nós, oportunamente retornará ao seio da Consciência Universal, processo que se passa sem percepção ou conhecimento da natureza reciclada e sem percepção ou conhecimento da própria Consciência Universal. É nesse sentido que o Cósmico é educativo, ainda que este processo educacional também se passe impercebidamente por ele. Um exemplo elementar talvez ajude nessa compreensão: uma macieira não dará como frutos hipopótamos, e os filhotes de hipopótamos jamais poderão ser maçãs. Haveremos de compreender que o Universo é organicamente organizado. Nós é que pensamos que ele é inorgânico, e, por isso, tentamos desorganizá-lo, mas sem sucesso.

E Deus?

Ora, os Deuses, antigos e modernos, sempre egregóricos, coletivos, produtos da criação mental humana, ainda que tenham se tornado autoconscientes, nada puderam e nada podem fazer de efetivo para mudar o curso natural desta inconsciente, amorosa e recicladora Alquimia Cósmica. Aliás, o que é a Alquimia? Aqui cabe bem repassar: da matéria-prima leprosa (o nada que contém tudo) é extraído o Mercúrio (o Louco da Grande Obra). É ele o jazigo e a raiz do ouro, da mesma forma que em cada um de nós estão presentes todos os instrumentos e materiais, necessários e suficientes, para que possamos fabricar a nossa Pedra Filosofal ímpar e individual. Do Mercúrio, com o Mercúrio e pelo Mercúrio a Grande Obra é iniciada, terminada e multiplicada. Nada há no Cósmico-Sempre-Um que não esteja também em nós. 'Verbum Dimissum est in nobis. Ad semper'.

 

 

 

Por estas explicações e a bem da verdade, é fácil de compreender que o Místico só dá importância à Verdadeira Alquimia – a Alquimia Interior – cujos únicos objetivos são, por Transmutação Espiritual, a construção de seu Mestre-Deus Interno e o alcançamento da Imortalidade Espiritual. 'In Corde loquitur nostro Vox Dei'. Em nosso Coração fala a Voz de Deus. Portanto, somos nós, místicos ou não, quem decidimos: ou nos transmutamos mística e alquimicamente ou poderemos eventualmente ser cósmica e irrecursavelmente reciclados. Somos os únicos responsáveis por tudo. Tudo depende de nós. Exclusivamente de nós. Esperar que qualquer Deus – hipoteticamente – faça por nós o que a nós compete, é a mesma coisa que tentar projetar uma máquina de enxugar gelo. E fantasiar, visando uma hipotética salvação ou algum benefício pessoal, mediatos ou imediatos, que se possa fazer qualquer tipo de negócio com qualquer Deus – através de dízimos, oblações, doações, promessas, sacrifícios, martirizações etc. – é mesmo uma infantil, improfícua e estúpida fantasia. Isso quando, consciente ou inconscientemente, a perversidade não está embutida nessas elaborações quiméricas. Quem se baba e adora todas essas negociatas são os nossos amimados demônios, criados e nutridos por nossos pensamentos incôngruos, pelas nossas intenções subalternas, pelas nossas palavras destoantes e pelas nossas ações dessintônicas. Compreendeu?

Não. Mas também não percebo nenhuma desconveniência nessas suas explicações.

Então, direi só mais uma coisa: ninguém, 'a priori', por assim dizer, está condenado a nada nem salvo de nada. O Cósmico nem é punitivo nem é premiador. Em termos metafísicos, o Cósmico é meritocrático, sem, ele próprio, sequer, ter consciência dessa meritocracia, que nele, com ele e por ele age. Aliás, para tentar explicar essas coisas não se pode fugir dos conceitos e das categorias humanas, o que, em certo sentido, mascara as operações universais. Portanto, seja como for, é mais ou menos assim: o Cósmico não tem consciência da nossa existência; mas nós podemos e devemos, se desejarmos, progressivamente, procurar ter consciência do Cósmico e de suas Leis. É como a água que cozinha o macarrão; ela não sabe que está cozinhando o macarrão, mas enquanto ele permanece na panela está auferindo a propriedade da temperatura adequada à cozedura. Quando o macarrão é retirado da água, pára de cozinhar. Nós somos semelhantes ao macarrão, só que, diferentemente do macarrão, que também não sabe que está sendo cozinhado, desenvolvemos algum grau de autoconsciência; se quisermos, poderemos pôr em ação essa autoconsciência e tomar consciência das coisas freqüencialmente mais elevadas, sem que a Coisa – una com as coisas – perceba nosso aprimoramento ou esteja preocupada ou interessada nele, o que não quer dizer, também, que tudo não fique indelevelmente registrado na própria Coisa, para que possa servir de bússola e de referência para necessários ajustes. Não há acaso; não há por favor. Não cai um fio de cabelo sem que uma Lei não tenha sido acionada. Repito: não há acaso; não há por favor. Logo, mesmo o mais abjeto dos seres viventes, em qualquer parte do Universo, se quiser e se trabalhar para isso, se acionar, em seu Coração, a Lei que transmuta o que quer que seja, poderá ser reintroduzido no Caminho, na Espiral da Eterna Vida. E quem o reintroduzirá? Ele próprio. Por isso, não há inferno para sempre e nem céu para sempre. Mas isso, a mudança, a transmutação, deverá ocorrer antes que tenha acontecido (se vier a acontecer) a reciclagem compulsória. Uma última comparação: a reciclagem cósmica assemelha-se a um castelo de areia; se uma onda o demolir, o que restará? O castelo? Não; tão-somente a areia (a Essência) com a qual ele, o castelo, foi construído. Entretanto, outros castelos poderão ser construídos... Serão construídos... Portanto, o que deve ser constante é a oração, o trabalho e a vigilância. Ora. Labora. Vigia.

 

 

 

 

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2007.

 

 

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Nota:

1. O gênero Clostridium compreende uma série de microorganismos que, por necessitar para a sua multiplicação de um baixo potencial redutor, recebem o nome de anaeróbios. Os clostrídios abrangem numerosas espécies e tipos saprófitos amplamente difundidos pela natureza. Originam a putrefação das carnes e dos animais mortos. Algumas espécies de clostrídios têm importância como causas de doenças. Os mais importantes são: Clostridium chauvoei, Clostridium septicum, Clostridium perfringens, Clostridium novyi, Clostridium sordellii, Clostridium histolyticum, Clostridium botulinum e Clostridium tetani. A propriedade mais comum de todos os clostrídios patogênicos é a formação de toxinas. Cada espécie de clostrídio é caracterizada por possuir um determinado espectro de frações de toxinas com propriedades letais, necrosantes, hemolíticas, neurotóxicas etc. As clostridioses mais comuns são a enterotoxemia, a gangrena gasosa/carbúnculo sintomático e o tétano.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.jasonmahoney.com/
lesleyhayes/poems.htm

http://www.crisa.vet.br/
exten_2001/clostridium.htm

http://www.informacapital.com.br/
html/biblioteca_saude/doenca.asp?id=146

 

Música de fundo:

Sailor Starlight Transformation Song (Sailor Moon)

Fonte:

http://meltingpot.fortunecity.com/
china/949/smmidis.htm