A
esperança, enganadora como é, serve, contudo, para
nos levar ao fim da vida pelos caminhos mais agradáveis.
François
La Rochefoucauld
Quem
vive de esperanças morre em jejum.
Benjamim Franklin
O
tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
Aqui
à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anónimo e frio,
A vida vivida em vão.
A
‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobe mais que a minha ‘sp’rança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas
do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam – verduras ou neves
Que o mesmo Sol faz morrer.
Gastei
tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve
som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que
fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som
morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só as lembranças,
Mas as mortas esperanças –
Mortas, porque hão-de morrer.
Sou
já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim –
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser – muro
Do meu deserto jardim.
Ondas
passadas, levai-me
Para o olvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
O
Andaime, Fernando Pessoa