CLARICE LISPECTOR
(Pensamentos)

 

 

 

 

Clarice Lispector

 

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Objetivo do Texto

 

 

 

O objetivo deste incompleto e inacabado estudo foi garimpar, aqui e ali, alguns pensamentos de Clarice Lispector. Tenho certeza que você se surpreenderá com algumas de suas reflexões.

 

 

 

 

Breve Biografia de Clarice

 

 

 

Clarice Lispector, nascida Haia Lispector (Chechelnyk, 10 de dezembro de 1920 – Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma escritora brasileira, nascida na Ucrânia.

 

De origem judaica, foi a terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. A família de Clarice sofreu a perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa de 1918 a 1921. Seu nascimento ocorreu em Chechelnyk, enquanto percorriam várias aldeias da Ucrânia, antes da viagem de emigração ao continente americano. Clarisse chegou no Brasil quando tinha dois anos de idade.

 

A família chegou a Maceió em março de 1922. Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na cidade do Recife, onde passou parte da infância. Falava vários idiomas, entre eles o francês e inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o iídiche – língua germânica das comunidades judaicas da Europa central e oriental baseada no alto-alemão do século XIV, com acréscimo de elementos hebraicos e eslavos.

 

Clarice foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela com câncer inoperável no ovário, diagnóstico desconhecido por ela. Faleceu no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi inumada no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro.

 

A obra de Clarice ultrapassa qualquer tentativa de classificação. A escritora e filósofa francesa Hélène Cixous (1937 –) chegou a afirmar que há uma literatura brasileira a.C. (antes da Clarice) e d.C. (depois da Clarice).

 

 

 

Pensamentos de Clarice

 

 

 

Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio; por isso, não envaidece.

 

Gosto dos venenos, os mais lentos! Das bebidas, as mais fortes! Dos cafés, os mais amargos! E dos delírios, os mais loucos. Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: E daí eu adoro voar!

 

 

 

 

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência, e, sim, de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca.

 

Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões.

 

É difícil perder-se. É tão difícil, que, provavelmente, arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que me achar seja, de novo, a mentira de que vivo.

 

Fique de vez em quando sozinho, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa.

 

Passei a minha vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar. Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente.

 

O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.

 

 

 

 

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

 

Nem entendo aquilo que entendo: estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço.

 

Porque há o direito ao grito. Então, eu grito.

 

O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.

 

Depois de toda luta e de cada descanso, quero me levantar forte e pronta, como um cavalo novo.

 

Uns cosem pra fora; eu coso pra dentro.

 

O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto, de um modo carinhoso, do inacabado, do malfeito, daquilo que, desajeitadamente, tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.

 

Escuta: eu te deixo ser. Deixa-me ser, então.

 

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas está morta e não sabe, ou está viva com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece...

 

Não sei qual a minha culpa, mas, peço perdão.

 

Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você. Respeite, sobretudo, o que imagina que é ruim em você. Não copie uma pessoa ideal, copie você mesma; é este seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida, e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.

 

Divertir os outros, um dos modos mais emocionantes de existir.

 

Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas, às vezes, por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente, tudo se esclarece.

 

O que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor, estamos nós.

 

Deve-se viver, apesar de.

 

O que faço desta lucidez? Sei que esta minha lucidez pode se tornar o inferno humano. Já me aconteceu antes.

 

Só me comprometo com a vida que nasça com o tempo e com ele cresça. Só no tempo há espaço para mim.

 

Aliás – descubro eu agora eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria.

 

Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever.

 

Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.

 

O que o ser humano mais aspira é se tornar ser humano.

 

Não tenho medo nem das chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas. Pois eu também sou o escuro da noite.

 

Faça com que eu saiba ficar com o nada e, mesmo assim, me sentir como se estivesse pleno de tudo...

 

Talvez a pergunta vazia fosse apenas para que um dia alguém não viesse a dizer que ela nem ao menos havia perguntado. Por falta de quem lhe respondesse, ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim.

 

E se me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.

 

Sou um coração batendo no mundo.

 

Juro que há em meu rosto sério uma alegria, até mesmo divina, para dar.

 

Vivo no quase, no nunca e no sempre.

 

 

 

 

É que o mundo de fora também tem o seu ‘dentro’; daí a pergunta, daí os equívocos. O mundo de fora também é íntimo. Quem o trata com cerimônia e não o mistura a si mesmo não o vive, e é quem realmente o considera ‘estranho’ e ‘de fora’. A palavra ‘dicotomia’ é uma das mais secas do dicionário.

 

Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas aéreas piruetas; escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio.

 

Dá-me a tua mão desconhecida que a vida está me doendo e eu não sei como falar. A realidade é delicada demais. Só a realidade é delicada; minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas.

 

Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu Coração está espantado. É por isto que toda as minhas palavras têm um Coração, onde circula sangue.

 

Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque, no fundo, a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...

 

Eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever ou então em relação ao outro. Eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade.

 

Pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta, e é no deserto mesmo que caminho!

 

Perder-se também é caminho!

 

Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.

 

Eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!

 

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas, às vezes, a saudade é tão profunda, que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro, para uma unificação inteira, é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

 

A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais!

 

Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom... O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que, de vez em quando, vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais; mas pelo menos entender que não entendo.

 

Eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente.

 

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

 

Quero sempre ter a garantia de, pelo menos, estar pensando que entendo; não sei me entregar à desorientação.

 

É preciso antes subir penosamente até, enfim, atingir a altura de poder cair.

 

 

 

 

O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo.

 

Os bichos me fantasticam. Eles são o tempo que não se conta. Pareço ter certo horror daquela criatura viva que não é humana e que tem meus próprios instintos, embora livres e indomáveis. Às vezes, eletrizo-me ao ver um bicho. Estou agora ouvindo o grito ancestral dentro de mim: parece que não sei quem é mais a criatura, se eu ou o bicho.

 

Quando se ama, não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós.

 

Pois, em mim mesma, eu vi como é o inferno... E porque minha alma é tão ilimitada que já não sou eu, e porque ela está tão além de mim é que sempre sou remota a mim mesma; sou-me inalcançável como me é inalcançável um astro... O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende realizarmos o nosso destino fatal... Mas de mim depende eu vir a ser o que fatalmente sou... E não preciso sequer cuidar da minha alma; ela cuidará fatalmente de mim, e não tenho que fazer para mim mesma uma alma: tenho apenas que escolher viver. Somos livres, e este é o inferno.

 

Quando me comunico com criança, é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com adulto, na verdade, estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil... O adulto é triste e solitário. A criança tem a fantasia muito solta.

 

Que ninguém se engane: só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.

 

É-se. Sou-me. Tu te és.

 

É uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde.

 

Deixo oculto o que preciso ser oculto e que precisa se irradiar em segredo. Calo-me.

 

Abandone-se. Tente tudo suavemente. Não se esforce por conseguir. Esqueça completamente o que aconteceu, e tudo voltará com naturalidade.

 

Perder-se significa ir achando, e nem saber o que fazer do que se for achando.

 

Sem entender jamais o que havia de bom em ser gente, em sentir-se cansada, em diariamente falir; só os Iniciados compreendem essa nuance de vício e esse refinamento de vida.

 

Ser um ser permissível a si mesmo é a glória de existir.

 

Não entendo e tenho medo de entender; o material do mundo me assusta, com seus planetas e baratas.

 

A felicidade aparece para aqueles que choram./Para aqueles que se machucam./Para aqueles que buscam e tentam sempre./E para aqueles que reconhecem/a importância das pessoas que passam por suas vidas.

 

O futuro mais brilhante/é baseado num passado intensamente vivido./Você só terá sucesso na vida/quando perdoar os erros/e as decepções do passado.

 

Existe a trajetória; e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes.

 

Tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar, não só não exprimo o que sinto, como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.

 

Tudo o que poderia existir, já existe. Nada mais pode ser criado, senão revelado.

 

Uma resposta traz em si outra pergunta.

 

 

 

 

Na pobreza do corpo e do espírito eu toco na santidade; eu quero sentir o sopro do meu além, para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.

 

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei. Não se preocupe em entender; viver ultrapassa qualquer entendimento.

 

Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.

 

Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive, muitas vezes, é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que, insatisfeita, foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E, desde logo, desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira; com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha; esperarei quanto tempo for preciso.

 

Meu Deus, me dá a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dá a coragem de considerar este vazio como uma plenitude. Faz com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faz com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faz com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faz com que a solidão não me destrua. Faz com que minha solidão me sirva de companhia. Faz com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faz com que eu saiba ficar com o nada, e, mesmo assim, me sentir como se estivesse plena de tudo. Recebe em Teus braços meu pecado de pensar.

 

Tenho várias caras. Uma é quase bonita; outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.

 

Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e, às vezes, receber amor em troca.

 

Só o que está morto não muda! Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!

 

Viver em sociedade é um desafio porque, às vezes, ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não-ser... Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objetiva, que todos ao nosso redor conhecem, e a subjetiva... Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos quem somos, não saberemos dizer ao certo! Agora, de uma coisa eu tenho certeza: sempre devemos ser autênticos. As pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser... Aqui reside o eterno conflito da aparência versus essência. E você... O que pensa disto?

 

Que desafio, hein? Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la...

 

Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas me equilibro como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e Deus.

 

À duração da minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.

 

Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes! E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos, e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

 

Sou uma filha da Natureza:
quero pegar, sentir, tocar, ser.
E tudo isso já faz parte de um todo,
de um mistério.
Sou uma só... Sou um ser.
E deixo que você seja. Isto lhe assusta?
Creio que sim. Mas vale a pena.
Mesmo que doa. Dói só no começo.

 

Só se sente nos ouvidos o próprio Coração...
Pois, nós não fomos feitos
senão para o pequeno silêncio.

 

Tudo, no mundo, começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula, e nasceu a vida. Mas, antes da pré-história havia a pré-história da pré-história, e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o Universo jamais começou.

 

Não me dêem fórmulas certas porque eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim porque vou seguir meu Coração! Não me façam ser o que não sou. Não me convidem a ser igual. Sinceramente, sou diferente!

 

 

 

Rifa-se Um Coração

 


Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste
em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração
que, na realidade,
está um pouco usado,
meio calejado,
muito machucado,
e que teima em alimentar
sonhos e, cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente,
que nunca desiste
de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração
que acha que Tim Maia
estava certo quando escreveu...
'... não quero dinheiro,
eu quero amor sincero,
é isso que eu espero...'
Um idealista...
Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece,
e mantém sempre viva a
esperança de ser feliz,
sendo simples e natural.
Um coração insensato
que comanda o racional,
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando
relações e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração
que insiste em cometer
sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome
de causas e de paixões.
Sai do sério e, às vezes, revê suas posições,
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado.
Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional
que abre sorrisos tão largos, que quase dá
pra engolir as orelhas,
mas que também arranca lágrimas
e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado
ou mesmo utilizado
por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado
indicado apenas para
quem quer viver intensamente;
contra-indicado
para os que apenas pretendem
passar pela vida matando o tempo,
defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras
e deixa louco o seu usuário.
Um coração,
que quando parar de bater,
ouvirá o seu usuário dizer
para São Pedro
na hora da prestação de contas:
'O Senhor pode conferir.
Eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e
se recusa a envelhecer.'
Rifa-se um coração
ou mesmo troca-se por
outro que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate
tanto o ser que o abriga.
Um coração
que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras
que ainda não foi adotado,
provavelmente, por se recusar
a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio,
sem raça, sem 'pedigree'.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento,
até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar;
mas, vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence
seu usuário a publicar seus segredos
e a ter a petulância
de se aventurar como poeta.



 

 

 

 

Epilogando
(Eu penso desta maneira)

 

 

 

Não existe a perplexidade de ser;

existe, sim, a certeza de não-ser.

É a busca que constrói a Estrada

 

 

Tristes, iludidos, os que crêem!

Tolos, iliteratos, os que descrêem!

Quem alcançará o céu do mérito?

Em todos está inscrito o pretérito.

 

 

Perdão, se insisto em repetir;

repito porque preciso fazer sentir.

 

 

Há uma certa frivolidade em confiar

que alguém possa punir ou perdoar.

 

 

 

 

 

 

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.marinamara.com.br/

http://www.pensador.info/autor/Clarice_Lispector/6/

http://www.pensador.info/autor/Clarice_Lispector/5/

http://www.pensador.info/autor/Clarice_Lispector/4/

http://www.pensador.info/autor/Clarice_Lispector/2/

http://www.pensador.info/autor/Clarice_Lispector/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Clarice_Lispector

http://pt.wikiquote.org/wiki/Clarice_Lispector

 

Fundo musical:

A Noite do Meu Bem (Dolores Duran)

Fonte:

http://www.midinet.com.br/alfa/a/01mid.asp