O
Ciclo da Vida
Eugène
Delacroix
(Auto-retrato)
O homem domina a Natureza
e é por ela dominado. Só ele lhe resiste e, ao mesmo
tempo, ultrapassa as suas leis e amplia o seu poderio, graças
à sua vontade e à sua atividade. Afirmar, no entanto,
que o mundo foi criado para o homem é algo que está
longe de ser evidente. Tudo o que o homem constrói é,
como ele, efêmero: o tempo derruba os edifícios, atulha
os canais, apaga o saber e até o nome das nações.
(...) Dir-me-ão que as novas gerações recebem
a herança das gerações que as precederam, e
que, por conseqüência, a perfeição ou o
aperfeiçoamento não têm limites. Mas, o homem
está longe de receber intacta a súmula dos conhecimentos
acumulados pelos séculos que o precederam, e, se aperfeiçoa
algumas dessas invenções, no que diz respeito a outras
fica bastante atrás dos seus próprios inventores;
um grande número destas invenções chega mesmo
a se perder, [e outro
se torna obsoleto, como, por exemplo, esconder dinheiro na cueca,
o que não deixa de ser uma invenção, muito
utilizada na contemporaneidade por políticos sem-vergonha!]
Não
preciso sequer sublinhar como certos pretensos melhoramentos foram
nocivos à moral e ao bem-estar. Determinada invenção,
suprimindo ou diminuindo o trabalho e o esforço, enfraqueceu
a dose de paciência necessária para suportar as contrariedades
ou a energia que temos de dar provas para as vencer. Outros progressos,
dando origem a um maior luxo e a um bem-estar aparente, exerceram
uma influência funesta sobre a saúde das gerações
e sobre o seu poder físico, acarretando, igualmente, uma
decadência moral. O homem vai buscar em a Natureza venenos
como o tabaco e o ópio, para deles fazer instrumentos de
prazer grosseiros, sendo castigado com a perda da energia e o embrutecimento.
Nações inteiras vivem hoje como párias, devido
ao uso imoderado destes estimulantes ou dos licores fortes.
Atingindo
um certo ponto de civilização, atenuam-se em particular
as noções de honra e de mérito, [daí,
por exemplo, o dinheiro na cueca]. O enfraquecimento geral,
que é, provavelmente, o resultado do progresso dos prazeres,
arrasta a uma rápida decadência o esquecimento do que
fora a tradição conservadora ou o ponto de honra de
uma nação. É em uma situação como
esta que se torna difícil resistir aos invasores. Há
sempre um povo qualquer –
sedento, por seu turno, de prazeres, pura e simplesmente bárbaro,
ou que conserva, ainda, qualquer mérito ou espírito
de iniciativa –
disposto a se aproveitar dos despojos dos povos degenerados. Esta
catástrofe, facilmente previsível, se torna, por vezes,
uma espécie de rejuvenescimento para o povo conquistado.
É
um pouco o que sucede com a tempestade que purifica o ar depois de
o ter convulsionado; esse turbilhão parece trazer novos germes
ao solo gasto, e, de tudo isto, pode ser que nasça uma nova
civilização. Serão, no entanto, necessários
séculos para que floresçam de novo as doces artes, que
acabarão por abrandar os costumes e os corromper de novo, ritmando
essas ternas alternativas da grandeza e de miséria em que transparece
tanto a fraqueza humana como o poder singular do seu gênio.
Ferdinand
Victor Eugène Delacroix,
in: Diário