A
política cultural que se limita a facilitar o consumo de bens culturais
tende a ser inibitória de atividades criativas e a impor barreiras
à inovação.
Os
três maiores gênios brasileiros, na minha opinião, foram
Aleijadinho, Machado de Assis e Villa-Lobos, e só foram gênios
porque foram profundamente brasileiros.
Só
um economista imagina que um problema de Economia é estritamente
econômico.
O esforço para compreender
o atraso brasileiro levou-me a pensar na especificidade do subdesenvolvimento.
Convenci-me, desde então, de que o subdesenvolvimento é a
resultante de um processo de dependência, e que para compreender este
fenômeno era necessário estudar a estrutura do sistema global:
identificar as invariâncias no quadro de sua história. O desejo
de compreender o meu próprio País absorveu a parte principal
de minhas energias intelectuais no quarto de século transcorrido
desde que escrevi a minha tese sobre a Economia colonial brasileira.
O
nosso País se singulariza pela disponibilidade de recursos. O Brasil
é um dos poucos países que dispõem de nível
de renda 'per capita' e de grau de urbanização suficientes
para, em prazo relativamente curto, erradicar a fome e a miséria.
Nosso problema maior – o da pobreza – tem solução
se adotarmos uma política adequada. Vontade e ação
política: é disto que precisamos.
A
primeira [idéia],
é a de que a arbitrariedade e a violência tendem a dominar
no mundo dos homens. A segunda é a de que a luta contra este estado
de coisas exige algo mais do que simples esquemas racionais. A terceira
é a de que esta luta é como um rio que passa: traz sempre
águas novas, ninguém a ganha propriamente e nenhuma derrota
é definitiva.
Das
influências intelectuais que sobre mim se exerceram, desde o ginásio,
identifico três. Em primeiro lugar, a positivista, com a primazia
da razão, a idéia de que todo conhecimento em sua forma superior
se apresenta como conhecimento científico. Meu ateísmo, que
cristalizara desde os treze anos, encontrou aí uma fonte de justificação
e um motivo de orgulho. A segunda linha de influência vem de Marx,
como subproduto de meu interesse pela História. Foi lendo a História
do Socialismo e das lutas sociais de Max Beer que me dei conta, pela primeira
vez, de que a busca de um sentido para a História era uma atividade
intelectual perfeitamente válida. A terceira linha de influência
é a da Sociologia norte-americana, em particular da teoria antropológica
da cultura, com a qual tomei contato pela primeira vez, aos dezessete anos,
lendo Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre.
O
grande impedimento para que se implante uma ordem democrática entre
nós é a orientação do Estado, que socializa
prejuízos e privatiza lucros.
Fixou-se
assim, no meu espírito, a idéia que o homem pode atuar racionalmente
sobre a História... Aqueles que alcançam este ponto, isto
é, que pensam que o homem pode conduzir a História, quase
sempre já estão preparados para dar o passo seguinte, ou seja,
pensar que ele deve fazê-lo. O problema que se coloca, então,
é o de saber como fazê-lo.
O
subdesenvolvimento é um processo histórico autônomo.
Não é uma etapa pela qual passaram as Economias que já
alcançaram grau superior de desenvolvimento. É uma forma perversa
de crescimento.
Com
o crescimento econômico, eleva-se a renda da população.
Com a modernização, adotam-se novas formas de vida, imitadas
de outras sociedades que, estas sim, beneficiam-se de autêntica elevação
da produtividade física. Mas, só o desenvolvimento propriamente
dito é capaz de fazer do homem um elemento de transformação,
passível de agir tanto sobre a sociedade como sobre si mesmo, e de
realizar suas potencialidades. Daí que a reflexão sobre o
desenvolvimento traga em si mesma uma teoria do ser humano, uma antropologia
filosófica.
O
verdadeiro desenvolvimento só ocorre quando beneficia o conjunto
da sociedade, o que não se viu no Brasil.
O
maior entrelaçamento dos mercados e o subseqüente enfraquecimento
dos sistemas estatais de poder, que enquadram as atividades econômicas,
estão gerando importantes mudanças estruturais, que se traduzem,
em todos os países, por crescente concentração da renda
e formas de exclusão social. Há quem considere adversas as
tensões daí resultantes, mas elas também podem ser
vistas como precondição de uma nova forma de crescimento econômico
cujos contornos ainda não estão definidos. O certo é
que neste começo de século o crescimento econômico engendra
necessariamente um novo estilo de organização da sociedade,
e este acarreta forte concentração de poder.
O
processo atual de globalização a que assistimos no momento
desarticula a ação sincrônica das forças que
no passado garantiram o dinamismo dos sistemas econômicos nacionais.
Quanto mais as empresas se globalizam, ou seja, quanto mais escapam da ação
reguladora do Estado, mais tendem a se apoiar nos mercados externos para
crescer. Ao mesmo tempo, as iniciativas dos empresários tendem a
fugir do controle das instâncias políticas. Voltamos assim
ao modelo do Capitalismo original, da primeira metade do século XIX,
cuja dinâmica se baseava nas exportações e nos investimentos
no estrangeiro.
Os
desajustamentos causados pela exclusão social de parcelas crescentes
da população surgem como o mais grave problema em sociedades
pobres e ricas. Estes desajustamentos não decorrem apenas da orientação
do progresso tecnológico, pois também refletem a incorporação
indireta ao sistema produtivo da mão-de-obra mal remunerada dos países
de industrialização retardada. Organizar a produção
em escala planetária leva necessariamente à uma grande concentração
de renda, contrapartida do processo de exclusão social.
No
curso da história as ciências têm evoluído graças
àqueles indivíduos que, em dado momento, foram capazes de
pensar por conta própria e ultrapassar certos limites. Com a Economia
– ciência social que deve visar prioritariamente o bem-estar
dos seres humanos – não é diferente. Ela requer dos
que a elegeram imaginação e coragem para se arriscar em caminhos
por vezes incertos. Para isto, não basta se munir de instrumentos
eficazes. Há que se atuar de forma consistente no plano político,
assumir a responsabilidade de interferir no processo histórico, orientar-se
por compromissos éticos.
Equivoca-se
quem pretende que já não existe espaço para a utopia.
Este é o desafio maior que enfrenta a nova geração.
Sir
Thomas More – Utopia
Quando,
finalmente, aos 26 anos de idade, comecei a estudar Economia de maneira
sistemática, minha visão do mundo já estava definida.
Assim, a Economia não chegaria a ser mais que um instrumental, que
me permitia com maior eficácia tratar problemas que vinham da observação
da História ou da vida dos homens em Sociedade. Pouca influência
teve a Economia, portanto, na conformação do meu espírito.
Nunca pude compreender a existência de um problema 'estritamente econômico'.
Por exemplo, a inflação nunca foi, em meu espírito,
outra coisa senão a manifestação de conflitos de certo
tipo entre grupos sociais. Da mesma forma, uma empresa nunca foi outra coisa
senão a materialização do desejo e do Poder de um ou
vários agentes sociais, em uma de suas múltiplas formas.
O
crescimento econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação
dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização;
já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente.
Dispor de recursos para investir está longe de ser condição
suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da população.
Mas quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições
de vida desta população, o crescimento se metamorfoseia em
desenvolvimento. Ora, esta metamorfose não se dá espontaneamente.
Ela é fruto da realização de um projeto, expressão
de uma vontade política. As estruturas dos países que lideram
o processo de desenvolvimento econômico e social não resultaram
de uma evolução automática, inercial, mas de opção
política orientada para formar uma sociedade apta a assumir um papel
dinâmico neste processo.
Forçar
um país que ainda não atendeu às necessidades mínimas
de grande parte da população a paralisar os setores mais modernos
de sua Economia, a congelar investimentos em áreas básicas
como saúde e educação para que se cumpram metas de
ajustamento da balança de pagamentos impostas por beneficiários
de altas taxas de juros é algo que escapa a qualquer racionalidade.
A
experiência nos ensinou amplamente que, se não se atacam de
frente os problemas fundamentais, o esforço de acumulação
tende a reproduzir, agravado, o mau-desenvolvimento... Duas frentes seriam,
no meu entender, capazes de suscitar uma autêntica mudança
qualitativa no desenvolvimento do País: a reforma agrária
e uma industrialização que facilite o acesso às tecnologias
de vanguarda.
O
desenvolvimento não é apenas um processo de acumulação
e de aumento de produtividade macroeconômica, mas, principalmente,
o caminho de acesso a formas sociais mais aptas a estimular a criatividade
humana e responder às aspirações da coletividade.
O
verdadeiro objetivo da reforma agrária é liberar os agricultores
para que se transformem em atores dinâmicos no plano econômico.
As reformas agrárias que desembocaram na coletivização
das terras fracassaram do ponto de vista econômico, pois as estruturas
agrárias tradicionais engendram a passividade, razão pela
qual subutilizam o potencial produtivo do mundo rural, e a grande empresa
agrícola moderna pressupõe um alto nível de capitalização,
e só apresenta óbvias vantagens no plano operacional em setores
circunscritos da atividade agrícola. No caso brasileiro, a estrutura
agrária é o principal fator que causa a extremada concentração
da renda. Não tanto porque a renda seja mais concentrada no setor
agrícola do que no conjunto das atividades produtivas, mas porque,
não havendo no campo praticamente nenhuma possibilidade de melhoria
das condições de vida, a população rural tende
a se deslocar para as zonas urbanas, aí congestionando a oferta de
mão-de-obra não especializada.
Não
existe desenvolvimento sem acumulação e avanço técnico.
Seu impulso dinâmico vem da harmonia interna do sistema produtivo
em seu conjunto, o que só se torna possível com a industrialização.
O problema crucial é definir o tipo de industrialização
capaz de gerar o verdadeiro desenvolvimento.
É
tanto maior a responsabilidade dos homens de pensamento quanto mais intenso
é o processo de transformação da sociedade em que vivem.
Nessas sociedades, em rápida mudança, é que se torna
possível a tomada de consciência dos grandes problemas sociais.
Transformar
a estabilidade de meio em fim é colocar como princípio básico
de convivência social a imutabilidade na distribuição
da renda.
O
laissez-faire1
significa, simplesmente, a perpetuação da miséria.
Necessitamos
realizar um grande esforço para rever aquilo que ensinamos nas universidades
sobre a teoria dos investimentos. Em nenhum setor da Teoria Econômica
o preconceito do laissez-faire nos tem sido tão prejudicial como
neste.
Para
que possamos auferir os autênticos benefícios dos capitais
estrangeiros – aqueles derivados do influxo da tecnologia em permanente
renovação – necessitamos de uma política disciplinadora
da entrada destes capitais. Permitir o seu influxo desordenado será
seguramente privar o País, no futuro, das reais vantagens da cooperação
destes capitais em setores de tecnologia menos acessível.
Considero
que o passo mais importante a dar no aperfeiçoamento de nossa política
econômica consiste em disciplinar, com muito rigor, o investimento
público. Esta disciplina pressupõe cuidadosa análise
das tendências e potencialidades da Economia nacional. A iniciativa
privada exercendo as suas expectativas em um campo assim iluminado pelos
programas a mais longo prazo dos investimentos infra-estruturais poderia
aumentar amplamente sua eficácia.
Em
um futuro que, imagino, não será muito remoto, parecerá
simples devaneio de intelectual ocioso a referência ao que está
ocorrendo na América Latina, neste final de era marcado pelo fundamentalismo
mercantil.
Como
explicar que uma Economia com a vitalidade da brasileira, que nos primeiros
três quartos do século XX, beneficiou-se de um ritmo de crescimento
superado apenas pelo do Japão, tenha se conformado com uma taxa de
descrescimento no decorrer deste último decênio?
Há
quase meio século, não houve correspondência entre crescimento
econômico e desenvolvimento no Brasil, e, portanto, o País
seria um caso conspícuo de mau-desenvolvimento.
Nunca
pude compreender a existência de um problema estritamente econômico.
Por exemplo, a inflação nunca foi, em meu espírito,
outra coisa senão a manifestação de conflitos de certo
tipo entre grupos sociais.
No
Brasil, a luta pelo federalismo está ligada às aspirações
de desenvolvimento das distintas áreas do território que o
forma. Não se coloca entre nós o problema de choques de nacionalidades,
de conflitos culturais ligados a disparidades étnicas ou religiosas.
Mas, sim, o da dependência econômica de certas regiões
com respeito a outras, de dessimetria nas relações entre as
regiões, de transferência unilateral de recursos encobertas
em políticas de preços administrados.
Na
diversidade das regiões estão as raízes de nossa riqueza
cultural. Mas a preservação desta riqueza exige que o desenvolvimento
material se difunda por todo território nacional.
Para
mim, o Marxismo foi sempre uma visão da história; nunca acreditei
muito na Economia de Marx. Mas ele avançou muito na fronteira do
conhecimento entre a Economia e a Ciência Política.
A
qualidade, evidentemente, é uma coisa subjetiva, é um julgamento
de valor; não é nada que se possa medir propriamente. Só
os fantasistas imaginam que possam fazer uma matemática da qualidade.
Eu sou economista e sei perfeitamente quais são as limitações
do que se mede com os instrumentos de medida, mas a qualidade é tudo
que é essencial para o homem. Qualidade são os fins, são
os valores últimos.
A
riqueza nacional é um estoque e a renda nacional é um fluxo.
Então, quando nós olhamos a cultura como herança do
passado, nós a vemos como um estoque. Quando nós vemos a cultura
como criatividade, nós a vemos como um fluxo. Agora, como ligar as
duas coisas? Mesmo em Economia, uma das coisas mais difíceis é
fazer uma ligação entre um estoque – que é uma
coisa estática – e uma coisa dinâmica. Mas, o que nós
não temos nenhuma dúvida é de que na criatividade é
que está o valor da cultura, e que só nos interessa guardar
o passado se ele nos alimenta para recriar o futuro, se ele é um
alimento real, não como sendo uma coisa morta.
Ao
ser perguntado se a nossa elite é subdesenvolvida, Celso Furtado
respondeu: Eu diria que é aculturada. Esta aculturação
significa dominação.
O
Brasil enriqueceu, desenvolveu-se, mas mantém sua subordinação
aos grandes centros, às decisões negociadas fora do País.
Verdadeiras
mudanças não podem vir senão da renovação
dos quadros políticos, com o aumento de sua representatividade e
a rejeição, para um desvão da história, das
velhas oligarquias.
O
mundo está mudando muito depressa. Antes, pensava-se que o ideal
era ter uma Economia que não dependesse de ninguém. Hoje,
o que se vê são os países cada vez mais interdependentes.
No passado, os governantes podiam controlar o dinheiro que entrava e saia
de seus países. Hoje, as fronteiras entre as nações
já não podem servir de empecilho à movimentação
do Capital.
O
mundo está vivendo profundas e extraordinárias transformações.
Enquanto isso, o pessoal continua se ocupando de coisas do passado, que
deveriam estar resolvidas há muito tempo, como, por exemplo, essa
luta insana para controlar a corrupção.
O
Governo, na sociedade moderna, existe para administrar
conflitos. Para isto, tem que organizar políticas claras e ter uma
liderança firme. Saber administrar conflitos é o grande desafio
dos nossos governantes.
Não
podemos esquecer que o Brasil passou vinte anos sem vida política.
Isto provocou uma degradação muito grande da classe política.
Temos duas ou mais gerações sem nenhuma experiência
nesta área. Todas as pessoas que botaram a cabeça de fora,
durante a ditadura militar, foram cortadas. Os políticos não
estão à altura dos problemas complexos que o mundo nos apresenta.
Convulsões
sociais acontecem por duas razões: a do desespero e a que coloca
em risco a estrutura de poder.
É
muito comum, no Brasil, imaginar que o conceito de modernidade permite a
universalidade. Entretanto, não podemos simplesmente reproduzir os
outros... Para ser do Primeiro Mundo, não bastam palavras. Exige-se
um esforço muito grande. Não podemos negar a nossa História
e a nossa realidade. Somos um País com taras profundas.
O
Brasil tem 100 milhões de miseráveis. Sito pessoas vivendo
com um padrão abaixo do razoável. Temos de dar prioridade
ao problema da fome.
Não
existe nenhuma sociedade moderna que dispense o Estado. Dispor de um Estado
eficiente é essencial para se viver no mundo de hoje. Não
podemos desacreditar o Estado diante da opinião pública. Temos
é de criticar o que ele faz de errado. Mas nunca desacreditá-lo...
Temos de defender o Estado como algo essencial do patrimônio nacional...
O Estado não é só para as minorias.
O
Estado moderno tem de ser apenas regulamentador. Exatamente como é
nos países desenvolvidos. O Estado moderno não é feito
para produzir aço.
Eu
diria que a metade da nossa dívida externa foi criada artificialmente.
A
ditadura foi uma escola negativa para a classe política: cortava
a cabeça dos melhores.
O
primeiro desafio da sociedade brasileira atual é dar prioridade ao
problema social e não ao problema econômico. Os problemas econômicos
são aqueles que os economistas sabem equacionar razoavelmente, se
bem que tropecem com a idéia de que são problemas macro ou
micro, e, às vezes, raciocinem no plano micro e inferem soluções
no plano macro, o que faz com que seja tão difícil sair de
certas situações. Mas não creio que seja somente por
isto. O Brasil investiu muito e criou um sistema industrial dos mais poderosos
do mundo, sendo hoje uma Economia que pesa no sistema de decisões.
Por outro lado, tem graves limitações. A capacidade de se
autodirigir – de criar o seu próprio destino – é
muito limitada, e isto tem a ver com o social e não com o econômico.
Se o Brasil partir da identificação dos problemas sociais,
conseguirá criar um tipo novo de opinião pública.
Não
basta falar em projeto nacional; é preciso saber aonde se quer chegar.
Um verdadeiro projeto nacional tem de partir do social, mobilizar as forças
sociais, identificar os problemas que afligem a população,
e, em primeiro lugar, o sofrimento desses milhões de pessoas que
passam fome. Este é o maior drama da sociedade brasileira, que se
tentou ocultar por tanto tempo, até o dia em que se descobriu que
50 milhões de brasileiros não ganham o suficiente para matar
a fome. Vamos percebendo que o Brasil é um País de construção
inacabada.
É
grande a distância entre o que se faz na universidade e o que se faz
na sociedade.
Não
se trata de ser diferente da ordem global; trata-se de ser racional. A ordem
global é uma coisa; a ordem de cada país é outra. Queiramos
ou não, haverá uma ordem para cada país. Mas como será
administrada? Internamente ou segundo a programação estabelecida
lá fora? Todos os países têm seus próprios problemas,
a começar pelos Estados Unidos, como demonstra o cuidado que têm
em proteger suas indústrias. O Brasil tem, como os outros, características
próprias. É um País com uma grande massa de subemprego,
um enorme potencial de recursos naturais não-utilizados, um Estado
com certa tradição de exercer o poder. Dadas essas circunstâncias,
estes fatos concretos, cabe-nos definir um rumo para o nosso País.
Não
se pode imaginar que o mundo caminhe senão no sentido de desenvolver
formas de cooperação. Mas esta cooperação deve,
em primeiro lugar, se dar no âmbito das Nações Unidas.
Mas, até hoje, esta organização é muito conflitiva;
há grandes interesses contraditórios dentro dela. É
evidente que muitos países não querem ceder a autonomia de
decisão que têm hoje. O próprio Brasil resiste. Mas,
ao mesmo tempo, quer avançar em certas áreas que seriam importantes.
Tem-se esta situação curiosa de cada país precisando
avançar e recuar, isto é, de fazer concessões. Qual
será a evolução a longo prazo? Mais provavelmente vamos
prosseguir na administração de algo imperfeito, que é
o sistema de mercado controlado. Portanto, temos de aceitar a idéia
de participar desta organização, mas com poder de decisão,
para preservar nossa própria autonomia.
A
era do dólar como moeda está ameaçada. É possível
que os americanos se corrijam, que compreendam isso e estabeleçam
um outro sistema de relações internacionais. Eles têm
muito poder. Mas reconhecemos que quem cresce, mesmo na Economia internacional,
é a China. A China foi que mais cresceu nos últimos anos,
e, hoje, é de longe o maior centro de atração de capitais
internacionais. Outro país que também tem muita importância
é a Índia. Então, o poder está se distribuindo,
o que é um bom sinal. Há um mistério: o Japão,
uma Economia enorme, mas sem dinamismo. É que durante muito tempo
se beneficiou, para crescer, de um espaço vazio que havia no sudeste
da Ásia. Aí foi fácil crescer e expandir enormemente
seu comércio internacional. Mas, hoje, os países daquela região
estão meio saturados do investimento japonês. O Japão
não tem mais onde colocar o dinheiro. Há vários anos
vem crescendo pouco; nem parece mais a Economia japonesa do passado.
O
Brasil continua sendo uma constelação de regiões de
distintos níveis de desenvolvimento, com uma grande heterogeneidade
social e graves problemas sociais que preocupam a todos os brasileiros.
Não
se pode admitir que um país possa se urbanizar tão rapidamente
criando apenas subemprego urbano... É necessário criar empregos
que permitam uma inserção social plena.
A
simples modernização dos hábitos de consumo, mediante
a importação de veículos de luxo e artigos do gênero,
pode significar o enriquecimento de uma elite local, mas está longe
de ser um autêntico desenvolvimento... Não há avanço
automático para o estágio do desenvolvimento. É preciso
fazer um grande esforço de transformação e enfrentar
os problemas estruturais.
Alguns
países podem ter crescimento econômico, a partir dos produtos
primários. Terão aumento de renda, o qual poderá ser
apropriado por uma minoria, por uma elite que adota, então, padrões
de consumo e formas de viver típicas dos países mais ricos,
e totalmente incompatíveis com o nível de renda do próprio
país. Esse país crescerá economicamente, mas não
se transformará; ao contrário, se deformará.
O
subdesenvolvimento cria um sistema de distribuição de renda
perverso, que sacrifica os grupos de renda baixa, pois é inerente
à Economia capitalista a tendência à concentração
social da renda. O processo competitivo da Economia de mercado exige a seleção
dos mais fortes, e os que vão passando na frente concentram a renda.
Esta tendência pode ser corrigida pela ação das forças
sociais organizadas, que levam o Estado capitalista a adotar uma política
social. Na Europa, onde se criaram grandes sindicatos, a sociedade civil
se modificou, evoluiu, e a própria luta social passou a ser um elemento
dinâmico. Se a Europa avançou tanto, não foi só
porque cresceu economicamente, mas porque redistribuiu a renda, o que foi
possível graças às pressões dos poderosos sindicatos.
O problema é que nas economias subdesenvolvidas a ação
destas forças sociais é de muito menor eficácia. Aqui,
a tendência à agravação das desigualdades somente
se reduz em fases de forte crescimento do intercâmbio internacional.
Daí o fator político ser tão relevante nos países
do Terceiro Mundo.
Se
um país acumulou tamanho atraso, como é o caso do Brasil,
não pode sair desta situação pelo mercado. Este não
é suficiente, pois não fará as transformações
estruturais necessárias. O mercado concentra renda, e é preciso
desconcentrar. O país submetido por longo tempo a um processo de
concentração de renda, como está acontecendo no Brasil,
adquire uma rigidez estrutural muito grande. É difícil impor
as reformas. Veja o debate atual sobre as reformas sociais. A classe dominante
quer defender de todas as maneiras os seus privilégios. Há
uma resistência enorme para ceder. A concentração de
renda é, no fundo, uma contrapartida das lutas sociais. A lógica
do Capitalismo é a de concentrar renda, mas ele próprio engendra
forças sociais que vão pressioná-lo para desconcentrar.
E seu desenvolvimento surgiu da interação destas forças,
de um lado o progresso tecnológico criando desemprego, de outro os
movimentos sociais pressionando para criar emprego. Foi assim nos países
onde o Capitalismo se desenvolveu em sua plenitude: as lutas sociais permitiram
a desconcentração da renda. Em cada ciclo econômico,
em cada movimento social, os salários se corrigiam, os salários
médios cresciam – cresciam tanto quanto a produtividade. Concentra,
desconcentra: são as crises cíclicas que redistribuem a renda,
que permitem a retomada do crescimento; é o Capitalismo andando,
navegando, indo de crise em crise, mas, em geral, crescendo. Contudo, em
um País subdesenvolvido, que acumula o atraso, isto não ocorre:
a sociedade não é capaz de reagir suficientemente para modificar
o quadro. No Brasil, não se tem este dinamismo do sistema capitalista
porque os movimentos sociais são fracos. A elevação
dos salários é o que há de mais difícil em um
país como o Brasil. Isto é uma deformação social,
que, no fundo, é o espelho do subdesenvolvimento.
Não existe globalização
quando se trata da necessidade de repensar o mundo.
A
meu ver, a política de distribuição de renda é
a única forma de fazer com que o mercado interno se traduza em poder
de compra para a população.
Veja
como a coisa é perversa: ao concentrar a renda, você cria uma
minoria de alto nível de vida, que tem acesso a um mercado privilegiado.
Este mercado privilegiado é de objetos de luxo, mas é pequeno,
e não leva muito longe. Portanto, o mercado interno é que
tem de se transformar em mercado de massa. E para haver um mercado de massa,
é preciso que a renda seja redistribuída. É uma luta
que integra, por um lado, a questão de privilegiar o mercado interno
e, por outro, a de privilegiar a desconcentração da renda.
Qualquer política econômica, para ser eficaz, tem de levar
em conta o consumo de massa, essencialmente, popular. Pode parecer demagogia,
mas a verdade é esta: o Brasil tem todos os meios para sair rapidamente
da situação em que está e avançar por muitos
anos. Veja os dados da distribuição de renda na Índia,
que publiquei em meu livro mais recente. O povo na Índia tem mais
ou menos o nível de vida do povo no Brasil, mas a classe rica na
Índia pesa muito menos, sendo dez vezes menos rica do que a brasileira.
O Brasil poderia ter uma forma de distribuição de renda distinta,
sem deixar de ser capitalista. Tenho a impressão de que hoje em dia
dispomos dos meios para resolver este problema. Os dados estatísticos
disponíveis atualmente confirmam a tese que havíamos formulado
desde os anos de 1950, segundo a qual a dinâmica da Economia brasileira
leva inexoravelmente à concentração da renda. A raiz
deste problema está no comportamento das elites que se empenham em
reproduzir os padrões de consumo dos grupos de altas rendas dos países
mais ricos. Nos períodos de fraco crescimento, este problema se agrava
muito e cresce a responsabilidade do poder público. Então,
o primeiro objetivo deveria ser o de recuperar o nível da taxa de
poupança de meio século atrás.
A
concentração de renda representa um custo em divisas para
a Economia brasileira, pois pode agravar essa tendência ao desequilíbrio
externo, que, por sua vez, leva a um permanente endividamento. A concentração
de renda corresponde, digamos, à necessidade de se fabricarem automóveis
de luxo. Estes, por sua vez, têm um custo em divisas muito elevado,
pois vários de seus componentes são importados. Assim, boa
parte do setor industrial se deforma para produzir artigos de luxo, e esta
transformação é duplamente perversa, pois os produtos
de alto conteúdo de divisas agravam a tendência do País
à escassez de divisas. De um lado, piora a concentração
da renda, de outro, piora o desequilíbrio externo.
A
tendência a se endividar parece, de fato, uma condenação,
mas está ligada à concentração da renda. Quando
a renda cresce, cresce mais que proporcionalmente a demanda de importações;
os grupos de alta renda exigem produtos mais nobres, importados, querem
as últimas novidades.
A população deseja
gastar em divisas, deseja viajar para a Europa, os Estados Unidos, deseja
consumir produtos modernos. São gastos nobres. Mas quantos brasileiros
podem realizar esses desejos? O gasto em divisas representa uma sangria
do fator mais escasso no Brasil: os dólares. Se não tivermos
divisas para pagar, teremos de pedir emprestado, aumentando a dívida
ainda mais. Por isto, eu digo que precisamos de uma política de equilíbrio
da balança de pagamento distinta da atual.
O
brasileiro tende a reproduzir padrões de consumo que vêm de
fora, baseando-se na noção de que o produto importado é
melhor. A classe de renda alta tem poder aquisitivo para comprar os produtos
mais caros do mundo. Mas são poucos os que estão nesta situação.
Assim, se você permite que a Economia opere sozinha, isto é,
de acordo com as regras do livre-mercado e sem políticas discriminatórias,
ela engendra uma demanda por importações de bens e serviços
muito maior do que a capacidade de exportar do País. Daí o
desequilíbrio permanente da balança de pagamentos, que culmina
na dívida externa, nas privatizações, na atração
de capitais de curto prazo. Em condições adversas, um país
dependente do endividamento externo apela para a importação
do capital de curto prazo para fechar o seu balanço de pagamentos.
Mas esta iniciativa faz com que a dívida do Governo cresça.
Daí a necessidade de termos uma política permanente para evitar
a sangria de divisas, fator tão caro no Brasil. Hoje, estas políticas
só são adotadas quando ocorre uma crise no balanço
de pagamentos que afete a confiança dos investidores.
O
Fundo Monetário Internacional (FMI) é um fantasma usado por
nações poderosas para que as nações indefesas
não tenham uma política própria.
O
crescimento não é condição suficiente para superar
o subdesenvolvimento. Só se consegue isto mediante reformas estruturais
importantes.
Hoje,
ninguém mais confia em financiamento internacional, senão
em condições muito bem estudadas, pois como já não
há controle de câmbio e das taxas de juros, tudo é mais
incerto, e não se sabe quem responderá pelas conseqüências.
O endividamento externo útil
e operacional deve atuar no curto prazo para resolver problemas de calamidade
pública. Fora disso, todo endividamento deve ser feito em função
da capacidade de pagamento deste capital, que é o serviço
da dívida externa. Ao tomar dinheiro emprestado, você deve
saber que tem que pagá-lo com moeda estrangeira, ou seja, com as
suas escassas divisas. Então, é preciso muito cuidado.
O
Brasil criou uma elite capaz, investiu na classe média alta, mas
investiu muito pouco no povo. Temos, então, esta massa desvalida,
sem o mínimo necessário para exercer a sua cidadania.
Para
os novos cientistas sociais, eu digo, primeiramente: paciência. Paciência
para completar a construção deste País. Por isto, a
mensagem que deixo para os novos cientistas sociais é a seguinte:
em seus trabalhos como pesquisadores não hesitem em formular hipóteses
arrojadas. Assumam riscos. Sem isto, o conservadorismo que nos cerca por
todos os lados deglutirá a todos.
A
luz que tem de iluminar tudo é a idéia de que queremos uma
sociedade em que o homem tenha trabalho e possibilidade de abrir o seu caminho
por conta própria.
Charles
Chaplin