Eu
acredito que a poesia tenha sido uma vocação, embora não
tenha sido uma vocação desenvolvida conscientemente ou intencionalmente.
Minha motivação foi esta: tentar resolver, através
de versos, problemas existenciais internos. São problemas de angústia,
incompreensão e inadaptação ao mundo.
Quando nasci, um anjo torto,
desses que vivem na sombra, disse: — Vai, Carlos! Vai ser 'gauche'
na vida!
O
presente é tão grande; não nos afastemos. Não
nos afastemos muito; vamos de mãos dadas.
Saudade
tem algo de auto-acusação e arrependimento.
Os
homens não melhoram e matam-se como percevejos. Os percevejos heróicos
renascem. Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. E,
se os olhos reaprendessem a chorar, seria um segundo dilúvio.
Feri-me
pelas próprias mãos, não pelo amor...
A
melhor medicina contra a saudade é a falta de memória.
Sexo...
Esse minúsculo ponto feminino em torno do qual gira a máquina
do mundo.
As
coisas que amamos,
as pessoas que amamos,
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.
Fácil
é ouvir a música que toca. Difícil é ouvir a
sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas
erradas.
Fácil
é ditar regras. Difícil é segui-las. Ter a noção
exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção
das vidas dos outros.
Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.
Satânico
é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu
desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança
incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente
e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te
aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu,
sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença,
aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos. Até
nos mais íntimos lugares. Eu adormeci. Hoje, quando acordei,
procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão. Deixaste
em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do
que entre nós ocorreu durante a noite. Esta noite recolho-me
mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero
te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas
as forças de minhas mãos. Só descansarei
quando vir sair o sangue quente do teu corpo. Só assim,
livrar-me-ei de ti, pernilongo filho-da-puta!
|
O
bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas, pretas, amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém, meus olhos
não perguntam nada.
As
dificuldades são o aço estrutural que entra na construção
do caráter.
Amor
não é completo se não se sabe coisas que só
o amor pode inventar.
Necessitamos
sempre de ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos
torna sem ambição.
Para
se alcançar um ideal é necessário ter ambição,
e ter ambição é perder de vista o ideal.
Tenho
razão de sentir saudade
tenho razão de te recusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
A
vida se renova na esperança de um dia novo.
Quem
gosta de escrever cartas para os jornais não deve ter namorada.
No
adultério há pelo menos três pessoas que se enganam.
Há
homens e mulheres que fazem do casamento uma oportunidade de adultério.
Tudo
é simples diante de um copo de água.
A amizade é um meio de nos
isolarmos da Humanidade cultivando algumas pessoas.
As academias coroam com igual zelo
o talento e a ausência dele.
O
otimismo é um cheque em branco a ser preenchido pelo pessimista.
Como
as plantas, a amizade não deve ser muito nem pouco regada.
Cada
geração de computadores desmoraliza as antecedentes e seus
criadores.
Amar
sem inquietação é amar sem amor.
Amar
o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As
coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas
as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Adão,
o primeiro espoliado – e no próprio corpo!
O
breve diálogo abaixo realmente aconteceu. Ele se passou entre Drummond
e Maria Thereza Francisca Gomes de Oliveira – que conheço há
quase sessenta anos, e me contou – na Rua Conselheiro Lafaiete, na
qual ambos moravam, bem na esquina com a Rua Júlio de Castilhos,
em
Copacabana, no Posto 6, no Rio de Janeiro.
Thereza:
—
Carlos,
das pessoas que eu conheço, o
Vinicius é quem mais curte a vida.
Drummond:
— Pudera,
Thereza!
Ele não tem qualquer responsabilidade de família!
Thereza:
—
É pau...
É pedra...
Drummond:
—
Hum...
O
amor ensina igualmente a ferir e ser ferido.
O
primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
É
sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
O
progresso dá-nos tanta coisa que não nos sobra nada nem para
pedir, nem para desejar, nem para jogar fora.
Entre
as diversas formas de mendicância, a mais humilhante é a do
amor implorado.
Há
vários motivos para odiar uma pessoa, e um só para amá-la;
este prevalece.
Amor
é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
Herdada, ouvida. Amor começa tarde.
O anônimo tem possibilidades
infinitas de ação -– se os famosos o permitirem.
—
Juro
nunca mais beber — e fez o sinal-da-cruz com os indicadores. Acrescentou:
— Álcool. O mais, ele achou que podia beber. Bebia paisagens,
músicas de Tom Jobim, versos de Mario Quintana. Tomou um pileque
de Segall. Nos fins de semana, embebedava-se de Índia Reclinada,
de Celso Antônio. — Curou-se 100% do vício —
comentavam os amigos. Só ele sabia
que andava mais bêbado que um gambá. Morreu de etilismo abstrato,
no meio de carraspana de pôr-do-sol no Leblon, e seu féretro
ostentava inúmeras coroas de ex-alcóolatras anônimos.
O cofre do banco contém apenas
dinheiro; frustra-se quem pensar que lá encontrará riqueza.
O Brasil é um país
novo que se imagina velho, e um país velho que se supõe novo.
A boca beijada não guarda
a marca do êxtase; ele fica na boca de quem a beijou.
Não se mate.
Carlos, sossegue o amor.
É isso o que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo.
E segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Há
campeões de tudo, inclusive de perda de campeonatos.
O cofre também pode guardar
jóias como verdades envergonhadas.
A
confiança é um ato de fé, e esta dispensa raciocínio.
Cantiga
de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens.
O amor, seja como for,
é o amor.
E
que mais, Vida Eterna, me planejas?
O
que se desatou num só momento
não cabe no infinito; é fuga e vento.
A
vida parou ou foi o automóvel?
Vejo
beijos que se beijam...
Ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa...
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender…
Há
muitas razões para duvidar, e uma só para crer.
Meu
pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho, menino, entre mangueiras,
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais...
E
eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Solidão,
não te mereço,
pois que te consumo em vão.
Sabendo-te embora o preço
calco teu ouro no chão.
Cultivamos nossas dúvidas
como rosas do jardim que não possuímos.
E
cada instante é diferente, e cada homem é diferente, e somos
todos iguais.
Entre
a dor e o nada o que você escolhe?
E
como ficou chato ser moderno. Agora serei eterno.
Há
duas épocas na vida – infância e velhice –
em que a felicidade está numa caixa
de bombons.
Ser feliz sem motivo é a mais
autêntica forma de felicidade.
Há
um certo gosto em pensar sozinho. É ato individual, como nascer e
morrer.
Se
procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação
(duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida.
Só é lutador quem sabe
lutar consigo mesmo.
Amar
o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
A Natureza não faz milagres;
faz revelações.
Ninguém
é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho
ímpar.
O
poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista,
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.
Em
vão percorremos volumes, viajamos
e nos colorimos.
Amor
é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro,
o amor subiu na árvore,
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui, estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca,
às vezes sara amanhã.
O
Brasil está dormindo, coitado.
O
povo bom e simples, suas cores vistosas, pelo campo... Tão Brasil!
Chega
um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
A
ignorância, a cobiça e a má-fé também
elegem seus representantes políticos.
João
amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que
amava Lili, que não amava ninguém. João foi para o
Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria
ficou para tia, Joaquim suicidou-se, e Lili casou com J. Pinto Fernandes,
que não tinha entrado na história.
O
amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande
e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.
É
difícil compreender como no vasto mundo falta espaço para
os pequenos.
Não
é fácil ter paciência diante dos que têm excesso
de paciência.
Há países divertidos
e países sérios com habitantes correspondentes.
Perdoar antes é melhor do
que perdoar depois.
O que se chama povo é tão
abstrato que ele não reconhece a sua imagem.
Nem
todas as coisas incompreensíveis são religiosas.
A rosa não é Rosa;
é projeto de Rosa continuamente renovado.
Tenho apenas duas mãos e o
sentimento do mundo.
São
mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.
Também temos saudade do que
não existiu, e dói bastante.1
A educação para o sofrimento
evitaria senti-lo em relação a casos que não o merecem.
Tempo
disso, tempo daquilo; falta o tempo de nada.
A
minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe
é fraca.
Se
eu gosto de poesia? Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate,
vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida
nisso tudo.
Desejo a vocês
Fruto do mato,
Cheiro de jardim,
Namoro no portão,
Domingo sem chuva,
Segunda sem mau humor,
Sábado com seu amor,
Filme do Carlitos,
Chope com os amigos,
Viver sem inimigos,
Filme na TV,
Ter uma pessoa especial,
– E que ela goste de você –
Ouvir uma palavra amável,
Ver a banda passar,
Noite de lua cheia,
Rever uma velha amizade,
Ter fé em Deus,
Não ter que ouvir não,
Nem nunca, nem jamais,
Nem adeus,
Rir como criança,
Ouvir canto de passarinho,
Sarar de resfriado,
Escrever um poema de amor,
Tomar banho de cachoeira,
Aprender uma nova canção,
Esperar alguém na estação,
Queijo com goiabada,
Uma festa,
Um violão,
Uma seresta,
Recordar um amor antigo,
Ter um ombro sempre amigo,
Bater palmas com alegria,
Uma tarde amena,
Calçar um chinelo velho,
Tocar violão para alguém,
Vinho branco,
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.
Difícil
é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer,
o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.
Enfeite-se com margaridas e ternuras
e escove a alma com flores, com leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração acelerado, saia do quintal de si
mesmo e descubra o próprio jardim.
Eternamente
não é o que dura para sempre, mas, sim, o que dura um segundo
e é capaz de marcar tão fundo, que se faz impossível
de esquecer.
Fácil
é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja
ouvir. Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre
a verdade quando for preciso. E com confiança no que se diz.
O
homem vangloria-se de ter imitado o vôo das aves com uma complicação
técnica que elas dispensam.
Os
homens distinguem-se pelo que fazem; as mulheres pelo que levam os homens
a fazer.
Partido
político é um agrupamento de cidadãos para defesa abstrata
de princípios e elevação concreta de alguns cidadãos.
Perder
tempo em aprender coisas que não interessam priva-nos de descobrir
coisas interessantes.2
Quem
teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de
ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão
para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí, entra
o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com
outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai
ser diferente.
Se
você sabe explicar o que sente, não ama, pois o amor foge de
todas as explicações possíveis.
—
O senhor cultiva epigramas?3
— Não, só a grama do meu jardim.
Cem
máximas que resumissem a Sabedoria Universal tornariam dispensáveis
os livros.
As
obras-primas devem ter sido geradas por acaso; a produção
voluntária não vai além da mediocridade.
Para
a virtude da discrição – ou, de modo geral, para qualquer
virtude –
aparecer em seu fulgor, é necessário
que faltemos à sua prática.
A
cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da
vida está no amor que não damos, nas forças que não
usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos
do sofrimento, perdemos também a felicidade.
Um dia desses, eu separo um tempinho
e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar.
Nossa
dor não advém das coisas vividas; mas, sempre, das coisas
que foram sonhadas e que não se cumpriram.
O
Chão é a cama para o amor urgente;
o amor não espera ir para a cama.
Sobre o tapete no duro piso,
a gente compõe de corpo a corpo a última trama.
E para repousar do amor, vamos para a cama!
Até
a cor do arrependimento desbota com o tempo.
Não
importa onde você parou...
Em que momento da vida você cansou...
O que importa é que sempre é possível recomeçar.
Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo...
É renovar as esperanças na vida e,
o mais importante:
acreditar em você de novo.
O
povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas
as suas duas fontes de sonho.
A
mentira iluminada pela inteligência tem um esplendor que a verdade
não possui.
Acreditar
em nossa própria mentira é o primeiro passo para o estabelecimento
de uma nova verdade.
Nossas
alucinações são alegorias da realidade.
A
conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira, que, por medo
da bagunça, preferimos, normalmente, optar pela arrumação.
Se
eu tivesse que fazer isso,
seria bola pra todo lado!
Clara
manhã, obrigado. O essencial é Viver.
Cuidado
por onde andas, que é sobre os meus sonhos que caminhas.
Uns
tomam éter4;
outros, cocaína. Eu tomo alegria!
Eu
quero a estrela da manhã.
Não
dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas
tempo em mentir. Não te aborreças.
A
liberdade é defendida com discursos e atacada com metralhadoras.
Não
basta sentir a chegada dos dias lindos. É necessário proclamar:
— Os dias ficaram lindos.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca
me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Por
isso, preste atenção nos sinais. Não deixe que as loucuras
do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o Amor.
Mas se desejarmos fortemente o melhor
e,
principalmente, lutarmos pelo melhor...
O melhor vai se instalar em nossa vida.
Porque sou do tamanho daquilo que vejo,
e não do tamanho da minha altura.
Não há vivos; há
os que morreram e os que esperam a vez.
Quem
não tem namorado é alguém que tirou férias não
remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil
das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito
raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima,
nuvem, quindim, brisa ou Filosofia.
Amor nenhum dispensa uma gota de
ácido.
A bunda, que engraçada. Está
sempre sorrindo; nunca é trágica.
No
mármore de tua bunda gravei o meu epitáfio. Agora que nos
separamos, minha morte já não me pertence. Tu a levaste contigo.
(Com o som
ligado, clique no Play
e, enquanto a consulta do cara-de-bunda se desenrola, deixe o mouse
apontado para a animação).
O
Infeliz Cara-de-bunda
Onde estivestes de noite
que de manhã regressais
com o ultramundo nas veias,
entre flores abissais?
Neste
botânico setembro,
que, pelo menos, você plante
com eufórica
emoção ecológica,
num pote de plástico,
uma flor de retórica.
E
agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
E agora, José?
Está
sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E
agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com
a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se
você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho
no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Quando
encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração
parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode
ser a pessoa mais importante da sua vida.
Além
da Terra, além do céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
Vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar
– o verbo pluriamar –
razão de ser e de viver.
—
Que século, meu Deus! — exclamaram
os ratos. E começaram a roer o edifício.
O problema não é inventar.
É ser inventado, hora após hora,
e nunca ficar pronta
nossa edição convincente.
Se
não erro
ao decifrar a voz dos vegetais,
eis que suspira a muda de pau-ferro
no silêncio do ser:
— Eu sei que fui plantada
com música, discurso e tudo mais,
para alguém, no futuro, oferecer,
sem discurso e sem música, o prazer
da derrubada.
Democracia é a forma de Governo
em que o povo imagina estar no poder.
Uma
eleição é feita para corrigir o erro da eleição
anterior, mesmo que o agrave.
Brincar
com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo.
Se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los
sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis,
sem valor para a formação do homem.
Nossa
capacidade de amar é limitada, e o amor é infinito; este é
o drama.
Namorar
é fazer pacto com a felicidade, ainda que rápida, escondida,
fugida ou impossível de durar.
Para você ganhar um
belíssimo Ano Novo cor de arco-íris ou da cor da sua
paz, Ano Novo sem comparação como todo o tempo já
vivido (mal vivido ou talvez sem sentido), para você ganhar
um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser, novo até no coração
das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas
com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra
birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta
recebe mensagens? passa telegramas?).
Não
precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las
na gaveta. Não precisa chorar de arrependido pelas besteiras
consumadas nem parvamente acreditar que por decreto da esperança,
a partir de janeiro, as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações, liberdade
com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo que
mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo. Eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente. É dentro de você
que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.
|
Meu
Deus, por que me abandonaste,
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo,
mundo, vasto mundo;
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo, mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
A
porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis;
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela,
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
Sua ilusão,
Sua miopia.
Para
você, bom Carlos,
que está versejando aí,
em sua Itabira Celestial
Escuse
o mal-arrumado
deste
poemículo meio-à-toa.
É
que sou pouco versado,
e
minha
poesia não é boa.
Quero
começar dizendo
e
quem você viu nhenhendo,
tem
lidado pra desatar o nó.
Contudo,
isto não é geral,
mas
muita coisa melhorou.
O
Bem está a vencer o mal,
e
já há
quem diga: — Eu-sou!
Carlos:
também quero dizer
que
você está a fazer falta!
Mas,
logo que você revier,
certamente
estará em alta.
Certamente
estará em alta,
todavia,
eu não disse o quê.
Sim,
malta de zés-minhocas,
que
têm, em lugar dos talantes,
constrangedoríssimas pirocas!
Oh!,
quousque tandem
infantes?
Mas
muita coisa melhorou,
e
vai melhorar muito mais.
já não sanfonam mais ais!
Rio
de Janeiro, 22 de fevereiro de 2011.