Dietrich
Bonhoeffer (Breslau, 4 de fevereiro de 1906 – Berlim, 9 de abril de
1945) foi um teólogo, pastor luterano, membro da resistência
alemã anti-nazista e membro fundador da Igreja Confessante, ala da
Igreja Evangélica contrária à política nazista,
atividade meritória que acabou por lhe custar a vida por enforcamento,
em 1945, pouco tempo antes da chegada das tropas americanas que conseguiram
libertar a área do país na qual estava preso. Dietrich Bonhoeffer
morreu como havia vivido: um herói da Teologia testemunhando a sua
fé.
Bonhoeffer
acreditava que a responsabilidade própria do cristão não
consiste no procurar manter uma vida de piedade, mas, sim, no empenho por
se demonstra fiel testemunha de Cristo no mundo, através de sua maneira
de viver e das atividades que desempenhe. Dizia que o Deus bíblico
não é para ser encontrado naquilo que estejamos por conhecer,
mas, sim, em tudo quanto já conhecemos. Demonstrou inequivocamente
seu desconforto em presença de piedosos. Para ele, Deus está
no mundo, e, enquanto aqui nos encontrarmos, deverá ser com este
e não outro mundo que teremos de nos preocupar, ou seja, Deus haverá
de ser encontrado por nós naquilo que conhecemos e não no
que não conhecemos. Baseado nesta convicção, Bonhoeffer
disse: Eu descobri,
finalmente, e continuo ainda descobrindo, que é tão-somente
através do viver completo neste mundo que se aprende a crer.
Por
sua maneira de pensar e de agir, Bonhoeffer se envolveu na trama da Abwehr
(serviço de informação do exército alemão,
ativo de 1925 a 1944) para assassinar Hitler. Em março de 1943, foi
preso e acabou sendo enforcado, pouco tempo antes de o próprio Hitler
cometer suicídio. Em
9 de abril de 1945, três semanas antes de as tropas aliadas libertarem
o campo, Bonhoeffer foi enforcado junto com seu irmão Klaus, e os
cunhados Hans von Dohnanyi e Rüdiger Schleicher.
Livros
de Bonhoeffer
publicados no Brasil
Vida
em Comunhão, Editora Sinodal, 1986; Orando
com Salmos, Editora Encontro, 1995; Tentação,
Editora Sinodal, 2003; Resistência
e Submissão: Cartas e Anotações Escritas na Prisão,
Editora Sinodal, 2003; Discipulado,
Editora Sinodal, 2004 (obra mais famosa escrita no período de ascensão
do Nazismo; trata da polêmica acerca da Teologia da Graça);
e Ética,
Editora Sinodal, 2005.
Quando
já estava sendo perseguido pelo Nazismo, Bonhoeffer escreveu um tratado
considerado por muitos uma das maiores obras-primas do Protestantismo, que
denominou simplesmente Ética.
É nesta obra que ele justifica, em parte, seu engajamento na resistência
alemã antinazista e seu envolvimento na luta contra Adolf Hitler,
dizendo: É
melhor fazer um mal do que ser mau. Suas cartas escritas na
prisão são um exemplo de martírio e também um
tesouro para a Teologia Cristã do século XX.
Pensamentos
Bonhoefferianos
A
graça barata é inimiga mortal de nossa Igreja. Hoje, a nossa
luta se trava em torno da graça preciosa, que é um tesouro
oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende tudo que tem (...)
o chamado de Jesus Cristo, ao ouvir do qual o discípulo larga suas
redes e segue (...) o dom pelo qual se tem que orar, a porta a qual se tem
que bater.
A
graça barata é a graça que nos concedemos a nós
mesmos. A graça barata é a pregação do perdão
sem exigir o batismo do arrependimento, sem a disciplina na igreja, sem
comunhão e sem confissão. A graça barata é a
graça sem discipulado, é a graça sem a cruz, é
a graça sem Jesus Cristo.
A
graça barata é a inimiga mortal da nossa igreja. Hoje, estamos
lutando pela graça cara.
A
última e a nova lei é graça a baixo custo, que não
traz nem ajuda nem liberdade.
Jesus
Cristo – e não homem algum ou o Estado – é o nosso
único Salvador.
Certamente,
não é verdade que o êxito justifica a ação
má e os meios condenáveis, mas tampouco é possível
considerarmos o êxito algo eticamente neutro. Não pode haver
dúvida quanto ao fato de que o êxito histórico produz
o chão sobre o qual se continua a viver, e é muito duvidoso
se é eticamente mais responsável querer alguém lutar
qual D. Quixote contra uma época nova ou se dispor a servir a esta
nova época na confissão da própria derrota e com total
voluntariedade. O êxito, afinal, faz a História, e, por cima
das cabeças dos homens que fazem a História, o dirigente da
história transforma sempre o mal em bem. Não passa de um curto-circuito
de certos fanáticos de princípios sem senso histórico
algum e, por isto, irresponsáveis em suas idéias, querer ignorar
totalmente a importância ética do êxito. É oportuno
que, uma vez, sejamos obrigados a discutir seriamente o problema ético
do êxito. Enquanto o êxito coincidir com o bem, podemos ter
o luxo de considerar o êxito como eticamente irrelevante. No momento,
entretanto, em que maus meios levarem ao êxito, surgirá o problema.
Diante de tal situação, reconhecemos que nem a crítica
teórica do mero observador nem a simples mania de querer ter razão,
isto é, a recusa de se adaptar à realidade, nem o oportunismo,
isto é, a renúncia de si mesmo, e a capitulação
perante o êxito farão justiça à tarefa. Nós
não queremos e tampouco devemos ser nem críticos que se julgam
ofendidos nem oportunistas. Teremos de nos considerar co-responsáveis
na formação histórica, de caso em caso e em cada momento,
tanto como vencedores quanto como derrotados. Quem, por nada que acontecer,
permitir que lhe seja tirada a co-responsabilidade no decurso da História,
porque sabe que esta lhe é outorgada por Deus, este achará,
além de toda a crítica estéril assim como de todo o
oportunismo improdutivo, uma relação fecunda para os eventos
históricos. A fala de um declínio heróico diante da
derrota inevitável não apresenta, em princípio, nada
de heróico, porque não arrisca um olhar para o futuro. A questão
última não é como eu, de modo heróico, posso
escapar da situação, mas como a geração vindoura
deverá continuar a existir. Soluções produtivas, mesmo
que temporariamente humilhantes, só podem resultar desta interrogação
historicamente responsável. Em poucas palavras: é muito mais
fácil se manter fiel a uma causa por princípio do que por
responsabilidade correta. A geração jovem terá o mais
seguro instinto para distinguir se a ação está obedecendo
a um mero princípio ou a uma responsabilidade viva, pois, nisto está
em jogo seu próprio futuro.
Don
Quixa lá da Mancha e seu caballo
Rocinante
(Aponte o mouse
para o focinho do Rocinante)
Creio
que nem mesmo nossas faltas e nossos erros são em vão,1
e que, para Deus, não será mais difícil Se arranjar
com eles do que Se arranjar com as nossas supostas obras boas.
Creio
que o Deus de tudo, mesmo do mal, pode e quer fazer surgir o que é
bom. Para isto, Ele precisa de homens que façam o melhor uso de todas
as coisas.
Creio
que Deus não é um mero fato independente de todos os tempos,
mas que Ele espera por orações sinceras e ações
responsáveis, e as responde.
Parvoíce
é um inimigo mais perigoso do bem do que a maldade. Contra o mal
não se pode simplesmente protestar, ele tem de ser derrotado. Pode-se,
em caso de necessidade, impedir o mal com o uso da violência, e o
mal sempre traz em si o gérmen da autodestruição, causando,
ao menos, um mal-estar no homem. Contra a parvoíce somos indefesos.
Nem com protestos nem com violência alcançamos algum resultado!
Não há argumentos: fatos que contradizem o próprio
preconceito nem sequer merecem fé – em tais casos, o ignorante
se torna inclusive crítico – e caso sejam fatos inevitáveis,
serão postos de lado como casos isolados. Ademais, o ignorante, muito
distinto do malvado, está completamente satisfeito consigo mesmo;
sim, ele se torna até perigoso, pois facilmente se sente provocado
e passa à agressão. Por esta razão, recomenda-se mais
cautela perante o ignorante do que ao enfrentar o malvado. Jamais deveremos
tentar persuadir o ignorante com argumentos; é inútil e perigoso.
Para sabermos como enfrentar a parvoíce, teremos de procurar entender
sua natureza. Tanto é certo que a parvoíce não é
essencialmente um defeito intelectual, mas, antes, uma imperfeição
humana. Há pessoas intelectualmente muito vivazes que são
parvas, e outras intelectualmente muito limitadas, as quais, porém,
são tudo menos tolas. Tal descoberta fazemos, para nossa surpresa,
em vista de certas situações. Então, fica-se menos
com a impressão de que a parvoíce é um defeito nato,
do que sob certas circunstâncias os homens são feitos ignorantes,
isto é, se deixam fazer parvos e ignorantes. Observamos, ainda, que
pessoas retraídas e de vida solitária apresentam tal defeito
com menos freqüência do que aquelas que têm inclinações
sociais ou são obrigadas a conviver com outros homens ou grupos de
homens. Assim sendo, a parvoíce parece constituir mais um problema
social do que psicológico. Ela é uma forma peculiar de influência
de circunstâncias históricas sobre o homem – um sintoma
psicológico de determinadas situações externas. Por
um exame mais exato, demonstra-se que qualquer ostentação
de poder mais forte e exterior resulta, em boa parte, de pessoas parvas,
quer se trate de poder político, quer seja de [vanglorioso]
poder religioso. Pois, aparentemente, a coisa toda parece depender de uma
espécie de lei psicossociológica: o
poder de um precisa da tolice do outro. O processo não é,
de maneira alguma, este que determinadas inclinações –
como, por exemplo, intelectuais – de repente enfraquecem ou desaparecem
no homem, mas que, sob a imponente impressão do desenvolvimento de
poder no homem, é roubada sua íntima independência,
e, então, ele desiste – mais ou menos inconscientemente –
de reagir às situações criadas por seu próprio
comportamento. Não nos deixemos iludir com o fato de que o tolo muitas
vezes se mostra teimoso, como se fosse independente. Nota-se, particularmente,
na conversa com ele, que não é com ele pessoalmente que se
fala, mas com 'slogans' e senhas que vieram a dominá-lo. Ele se acha
sob um fascínio, ele está obcecado, abusado em seu próprio
ser, realmente maltratado. Tendo-se tornado instrumento involuntário,
o tolo é capaz de toda a maldade, e, ao mesmo tempo, é incapaz
de reconhecê-la como mal. Nisto, está todo o perigo do abuso
diabólico. Desta forma, homens podem ser destruídos para sempre.
É aqui que se torna bem claro que para vencer a tolice não
basta um ato de instrução, mas, é preciso um ato de
libertação. Teremos de compreender, então, que para
realizar uma libertação interior, na maioria dos casos, será
indispensável ter havido, primeiramente, uma libertação
exterior; antes disto, teremos de desistir de todas as tentativas de persuadir
o tolo. Em tal situação, verifica-se que em vão nos
esforçamos sob estas condições em indagar o que o povo
pensa, e por que esta pergunta, para a pessoa que pensa e age com responsabilidade,
é totalmente dispensável – sempre apenas sob as circunstâncias
dadas. A palavra da Bíblia, de que o temor de Deus é o princípio
da sabedoria (Salmo CXI: 10), afirma que a libertação interior
do homem para uma vida responsável, diante de Deus, é o único
meio para superar a tolice. Ademais, há um consolo nestas reflexões
sobre a parvoíce, porque, de maneira alguma, permitem que julguemos
a maioria dos homens como tolos sob todas as circunstâncias. Será
realmente importante se os poderosos esperarem mais da tolice
ou mais da independência interior e inteligência benévola
dos homens.
Tudo
depende de nós!
Não
somos Cristo, mas, se quisermos ser cristãos, tal importará
que participemos, em ação responsável, da amplitude
do Coração de Cristo, que, em liberdade, escolhe a hora exata
e enfrenta o perigo e se dispõe a um comparecer autêntico,
que não é ditado pelo medo, mas brota do amor libertador e
redentor de Cristo para com todos os que sofrem.
É
melhor fazer um mal do que ser mau.
O
teste de moralidade de uma sociedade é o que ela faz com suas crianças.
É
a natureza e a vantagem das pessoas fortes levantarem as questões
cruciais e formar uma opinião clara sobre elas. Os fracos sempre
têm que decidir entre alternativas que não são suas.
Se
você tomar o trem errado, de nada adiantará andar pelo corredor
do trem no sentido contrário.
Os
bens da justiça, da verdade, da beleza e de todas as grandes realizações
necessitam de tempo, constância e memória, senão degeneram.
Quem não estiver disposto a assumir a responsabilidade pelo passado
e a construir um futuro será esquecido.
O
primeiro serviço que alguém deve ao outro na comunidade é
ouvi-lo. Assim como o amor a Deus começa com o ouvir a sua Palavra,
assim também o amor ao irmão começa com aprender a
escutá-lo. É prova do amor de Deus para conosco que não
apenas nos dá sua Palavra, mas, também, nos empresta o ouvido.
Portanto, realizamos a obra de Deus no irmão quando aprendemos a
ouvi-lo. Cristãos, e especialmente os pregadores, sempre acham que
têm algo a oferecer quando se encontram na companhia de outras pessoas,
como se isto fosse o seu único serviço. Esquecem que ouvir
pode ser um serviço maior do que falar. Muitas pessoas procuram um
ouvido atento, e não o encontram entre os cristãos, porque,
geralmente, estes falam quando deveriam ouvir.
O
Cristianismo
[nomeadamente o de confissão católica] costuma
dar valor infinito ao que é aparentemente inútil e tem infinita
inutilidade.
Como poderá haver seriedade
sem um traço de humor?
É
só porque Ele se tornou como nós que nós poderemos
nos tornar como Ele.
O silêncio em face do mal é
o mal em si; Deus não irá nos inocentar. Não
falar é falar; não agir é agir.
Ficar
em silêncio não significa ficar inativo, mas, sim, respirar
a Vontade de Deus, escutar com atenção e estar pronto para
obedecer.
Não
é necessário que descubramos novas idéias em nossas
meditações. É suficiente, e muito mais importante,
se a Palavra penetra e passa a habitar dentro de nós.
Quando
chegamos a uma estimativa mais clara e sóbria de nossas próprias
limitações e responsabilidades, é que se torna possível
mais genuinamente amar o nosso próximo.
Qualquer
tentativa de escapar do mundo, mais cedo ou mais tarde, será paga
com uma rendição pecaminosa para o mundo.
Você me concedeu muitas bênçãos;
todavia, deixe-me também aceitar o que é difícil de
Sua Mão.
Precisamos nos esforçar para
abandonar os anexos deste mundo.
As
posses terrenas deslumbram os nossos olhos e nos iludem, pois pensamos que
elas poderão proporcionar segurança e livramento para as nossas
ansiedades. No entanto, o tempo todo, realmente, elas são a fonte
de todas as nossas ansiedades.
Se
você quiser conquistar a bondade de Deus, sirva o próximo,
pois é de onde Deus virá até você.
Como
cristãos, somos chamados a tratar nossos inimigos como irmãos
e a solucionar as hostilidades com amor.
A
fome sempre surgirá enquanto as pessoas insistirem em manter o próprio
pão exclusivamente para si mesmas.
Em
um mundo no qual o sucesso é a medida e a justificação
de todas as coisas, a figura de Aquele que foi condenado e crucificado continuará
a ser completamente estranha e esquecida.
Na
causa de Cristo, nada será adquirido com violência e tumulto.
Para que haja paz, deveremos Ousar. E assim, os seguidores de Cristo não
foram chamados apenas para ter paz, mas, efetivamente, para fazer a paz
e superar o mal com o bem.
Ser
livre significa ser livre com o outro, porque o outro está em nós
e ligado a nós. Apenas em relação com o outro seremos
livres.
A
vida de Jesus na Terra ainda não está consumada. Cristo continua
vivendo Sua vida na vida de seus seguidores.
O
que sabemos a respeito do conteúdo do discipulado? Segue-me! Isto
é tudo. Isto, de fato, não constitui um programa de vida,
um ideal pelo qual se deve lutar. Por ser Jesus o único conteúdo
(do discipulado), é que não pode haver qualquer outro. Ao
lado de Jesus, não poderá haver quaisquer conteúdos,
pois Ele é o único conteúdo.
Quando
luta e morte exercem seu selvagem domínio ao nosso redor, então,
somos chamados para levar o testemunho do amor e da paz de Deus, não
só por palavra e pensamento, mas, também, pelas nossas ações.
Leiam Tiago IV: 1! Devemos diariamente perguntar a nós mesmos onde
podemos testemunhar e o que podemos fazer para que o reino de paz e do amor
triunfem. A grande paz que desejamos só poderá frutificar
de novo a partir da paz entre dois ou três. Precisamos pôr um
fim a todo ódio, desentendimento, inveja e inquietação,
onde nós pudermos.
Sentado
no jardim do seminário, tive tempo para pensar e orar no que se refere
à minha situação e a da minha nação,
obtendo algumas luzes sobre a vontade de Deus. Cheguei a conclusão
que cometi um erro em vir para os Estados Unidos. Neste período difícil
da História da minha pátria, devo viver junto com o meu povo.
Não terei o direito de participar da reconstrução da
vida cristã na Alemanha depois da guerra, se não tiver compartilhado
com meu povo as provas deste período. Os cristãos alemães
terão que enfrentar a terrível alternativa de desejarem a
derrota de sua pátria para a salvação da civilização
cristã ou de desejarem a vitória de sua pátria e, conseqüentemente,
a destruição de nossa civilização. Eu sei a
escolha que devo fazer, porém, não posso fazê-la e me
manter ao mesmo tempo em segurança.
Chão
debaixo dos pés. Chão debaixo dos pés, para poder viver
e para poder morrer.
Caso
não recuperemos a coragem de restabelecer o senso pelas humanas distâncias
e lutar por elas, pereceremos na anarquia dos valores humanos. A insolência
que se evidencia no menosprezo de todas as distâncias humanas, ao
mesmo tempo constitui característica da plebe, assim como a insegurança
íntima, o regatear e cortejar o favor do insolente, o rebaixar-se
aos modos da plebe é caminho à decadência própria.
No momento em que já não se sabe mais o que se deve aos outros,
quando se apaga o senso de qualidade e a capacidade de manter distância,
o caos estará à porta. Lá, onde toleramos por mero
comodismo material que a insolência se aproxime, já nos teremos
rendido a nós mesmos, e a correnteza da enchente terá rompido
o dique onde seria o nosso lugar, de modo que teremos culpa pelo todo ameaçado.
Em outros tempos, talvez tenha sido a missão da cristandade dar testemunho
da igualdade dos homens; hoje, todavia, exatamente o Cristianismo terá
de defender o respeito às distâncias humanas e a qualidade
do homem, e isto apaixonadamente. A interpretação errônea,
como se o Cristianismo, desta forma, tratasse de causa própria, nos
obrigará a agüentar a suspeita de opinião associal. Tais
são as censuras permanentes da plebe contra toda a ordem. Quem, nesta
hora, se mantiver brando e inseguro não entende o que está
em jogo, e, provavelmente, as censuras o atingirão com justiça.
Achamo-nos em meio a um processo de degeneração em todas as
classes sociais, e, ao mesmo tempo, parece surgir a hora de nascer um novo
comportamento nobre que tenda a unir um círculo de homens de todas
as camadas sociais tradicionais. Nobreza subsiste e resulta de sacrifício,
de coragem e de um conhecimento claro daquilo que se deve a si mesmo e ao
outro, por uma exigência natural de respeito, como convém,
bem como por uma manutenção do respeito para cima, tanto quanto
para baixo. A questão é, em toda linha, conseguir-se a recuperação
das experiências de qualidade, tão abaladas; sim, importa restaurar
a ordem sobre a base da qualidade. Qualidade é o arquiinimigo de
todo o tipo de degeneração das classes sociais. Socialmente,
isto significa a renúncia à caça de posições,
o rompimento com o culto de estrelas de cinema e de teatro, do esporte e
do jornalismo, o olhar livre para o alto e para baixo, especialmente no
que diz respeito à escolha das amizades mais chegadas, à alegria,
à vida íntima e à coragem para a vida pública.
Culturalmente, isto equivale à experiência qualitativa do retorno
do jornal e do rádio para o livro, da vida ociosa para a quietude,
da distração para a concentração, da sensação
para a reflexão, do esnobismo para a modéstia, da intemperança
para a sobriedade. Quantidades disputam espaço uma com a outra; entretanto,
qualidades se completam.
Sobre
o sofrimento: Maravilhosa transformação. As mãos
fortes e ativas estão amarradas. Impotente e solitário, vês
o fim de tua ação. Não obstante, respiras aliviado,
e colocas o que é justo, tranqüilo e confiante em mãos
mais fortes, e te dás por satisfeito. Só por um momento, tocaste
feliz a liberdade, entregando-a, então, a Deus, para gloriosa consumação.
Sobre
a morte: Pois vem, festa máxima no caminho para a eterna
liberdade. A morte destrói as fatigantes correntes e as muralhas
do nosso corpo passageiro e da nossa alma cega, para que, finalmente, vislumbremos
o que nos é negado ver aqui. Liberdade, procuramos-te longamente
em disciplina, ação e sofrimento. Morrendo, te reconhecemos
e contemplamos, agora, na face de Deus.
É
muitíssimo mais fácil sofrer na obediência a alguma
ordem humana do que sofrer na liberdade de uma ação responsável.
É muitíssimo mais fácil sofrer em comunidade do que
na solidão. É muitíssimo mais fácil sofrer em
público e sob honras do que às escondidas e em desonra. É
muitíssimo mais fácil sofrer pelo sacrifício da vida
material do que pelo espírito. Cristo sofreu na solidão, isolado
e em vergonha, tanto na carne quanto no Espírito, e, desde então,
muitos cristãos sofrem com Ele o mesmo.
Deve-se
contar com que a maioria dos homens somente fiquem mais prudentes com as
experiências que sentem na própria carne. Assim se explica
primeiramente a surpreendente incapacidade da maioria para uma ação
preventiva de qualquer tipo – pois, geralmente acredita-se na possibilidade
de se poder escapar ao perigo, até que seja tarde demais; em segundo
lugar, assusta a insensibilidade diante do padecimento alheio. Só
em proporção com o crescente medo da proximidade ameaçadora
da desgraça cria-se a compaixão. Há muito a eleger
para a justificação desta atitude, do ponto de vista ético:
não se querer por a mão em assuntos que cabem ao destino resolver;
autêntica vocação e força para a ação
apenas podem resultar da situação séria que surge na
vida de cada um. Afinal, não somos responsáveis por toda a
injustiça e todo o sofrimento no mundo, e menos ainda somos juízes
do mundo. Do ponto de vista psicológico, a total carência de
fantasia, de sensibilidade e do estado interior de constante alerta são
compensados por uma sólida indiferença, por uma resistência
imperturbável de trabalho e por uma grande capacidade para o sofrimento.
Se olharmos tudo isto com o olhar cristão, entretanto, não
nos podemos iludir a respeito da fragilidade de todas estas justificativas,
pois nos parece que o que realmente falta é a amplitude de um Coração
bem formado. Cristo se manteve distante do sofrimento até que chegasse
sua hora. Então, Ele o enfrentou com liberdade, atacou-o e venceu-o
sem hesitação. Conforme diz a Escritura, Cristo suportou todos
os sofrimentos de todos os homens na sua carne como sofrimento próprio
– eis uma idéia incrivelmente sublime – e Cristo os suportou
na liberdade plena. Não podemos, certamente, nos comparar com Cristo,
nem somos vocacionados para salvar o mundo por nossa própria ação
ou sofrimento. Não devemos querer nos sobrecarregar com o impossível
e com ele nos torturar, já que não o poderemos suportar, pois,
não somos senhores, mas apenas instrumentos ou ferramentas na mão
do Senhor da História. De fato, só conseguimos sofrer os padecimentos
de nosso semelhante em medidas bem limitadas. Não somos Cristo, mas,
se quisermos ser verdadeiros cristãos, tal importaria que participássemos
da amplitude do Coração de Cristo em ação responsável,
que, em liberdade, apanha a hora exata, enfrenta o perigo e se dispõe
a um comparecer autêntico, que não é ditado pelo medo,
mas brota do amor libertador e redentor de Cristo para com todos os que
sofrem. Mera expectativa passiva e assistência indiferente não
são atitudes cristãs. O cristão não pode esperar
até que seja alertado pelas experiências na própria
carne, mas desperta com as experiências do sofrimento dos irmãos,
pelos quais Cristo padeceu, e isto o impele à ação
e à compaixão.
Alguém
pode escrever algumas coisas de forma mais natural e vívida em uma
carta do que em livros, e nas cartas eu freqüentemente tenho melhores
idéias do que quando estou escrevendo para mim mesmo.2
Sendo
o tempo o bem mais precioso, porque é irrecuperável, entre
todos os bens dos quais dispomos, inquieta-nos, ao recordarmos o passado,
a idéia de tempo eventualmente perdido. Considera-se perdido o tempo
em que não vivemos como homens, tempo em que não obtivemos
experiências, que não aprendemos, que não realizamos,
que nem desfrutamos nem sofremos nada. Tempo perdido é tempo vazio
que não foi preenchido. Bem, tal não se pode dizer dos anos
passados, de maneira alguma. Perdemos muito, algo mesmo de valor incomparável,
mas o tempo não foi perdido. É verdade que conhecimentos e
experiências adquiridas, dos quais só se ganha consciência
posteriormente, são abstrações do verdadeiro, da existência
vivida mesmo. Mas, assim como o poder esquecer equivale a uma graça,
também a memória, a repetição de ensinamentos
recebidos, faz parte da vida responsável.
A
grande mascarada do maligno pôs todos os conceitos éticos em
confusão estonteante. É realmente desconcertante que o mal
possa tomar a forma da luz, da ação beneficente, da necessidade
histórica, da justiça social; para o cristão, que vive
da Bíblia, todavia, isto é a confirmação da
ilimitada malvadez do maligno.3
Evidentemente, é o falhar dos 'sensatos' que, na melhor intenção
e no ingênuo desconhecimento da realidade, pensam poder endireitar
o vigamento que cedeu com um pouco de juízo. Na sua fraca capacidade
de visão, querem fazer justiça a todos os lados e serão,
destarte, esmagados pelo tremendo choque de forças opostas, sem que
possam conseguir o mínimo. Decepcionados com a insensatez do mundo,
eles se vêem condenados à frustração, e, por
fim, se retiram resignados ou ainda caem indefesos nas garras do mais forte.
Mais comovente ainda é o fracasso do fanatismo ético. O fanático
pretende enfrentar o poderio do mal com a pureza de um princípio.
Assim como um touro se lança contra a capa vermelha em vez de atingir
o toureiro, ele também cansa e é vencido. Ele se perde no
secundário e termina apanhado pela cilada do mais sabido. Desamparado,
se debate o homem de consciência diante do dilema da prepotência
da situação que lhe exige decisão. A extensão
dos conflitos, que o obriga a escolher sem que ache conselho nem amparo,
a não ser na própria consciência, o esmaga. Os inúmeros
honrados e tentadores disfarces, sob os quais o mal dele se aproxima, trazem
à sua consciência medo e insegurança, até que
a ele baste afinal, em vez de conservar uma consciência boa, tê-la
salva, isto é, até que minta à sua própria consciência
a fim de não despertar, pois, jamais pode o homem, cujo único
amparo constitui a consciência, entender que uma consciência
má possa ser mais salutar e mais forte do que uma consciência
enganada. Desta desconcertante quantidade de possíveis decisões,
só o caminho seguro do dever parece poder nos guiar a salvo. Aqui
se entende o mandado como o mais seguro, e a responsabilidade pela ordem
cabe ao mandante e não ao que a executa.4
Na limitação do que é
do nosso dever jamais chegamos ao risco da ação resultante
da responsabilidade pessoal, a única que pode atingir o mal no centro,
e o vencer. O homem do dever, afinal de contas, terá de cumprir sua
obrigação até com o diabo. Aquele, todavia, que admite
uma ação necessária, mesmo que pese sobre a sua consciência
e que prejudique o seu nome, e aquele que está pronto a se sacrificar
por um princípio estéril, por uma a uma sabedoria irrelevante
e medíocre e por um radicalismo tenebroso, que tenha cuidado para
que não o comprometa a sua liberdade. Ele é capaz de ceder
ao ruim para impedir o pior, e, assim, perderá a capacidade de reconhecer
que exatamente o pior, que ele pretende evitar, poderia ser o melhor. Aqui
está a origem das tragédias.
Na fuga da discussão pública, este ou aquele alcançam
o asilo de uma virtualidade particular. Mas, então, terão
de fechar olhos e boca à injustiça ao seu redor. Apenas à
custa de uma ilusão podem se conservar puros da maculação
por um agir irresponsável. Tudo o que fizerem não os deixarão
em paz quanto àquilo que deixaram de fazer e se omitiram. Nesta inquietude,
acabarão se arruinando, a não ser que se tornem os mais hipócritas
de todos os fariseus. Quem haverá de perseverar? Somente aqueles
para quem sua própria razão, seu princípio, sua consciência,
sua liberdade e sua virtude não significarem a medida última,
estando prontos a sacrificar tudo isto, quando na fé e apenas presos
a Deus, e se sabem chamados para a ação obediente e responsável.
Sim, responsáveis, cujas vidas nada mais significam do que a resposta
à pergunta e ao chamado de Deus. Onde estarão os responsáveis?
A essência do otimismo é
que não leva em conta o presente, sendo uma fonte da inspiração,
da vitalidade e da esperança que os outros abdicaram. O otimismo
permite que uma pessoa mantenha sua cabeça erguida, para reivindicar
o futuro para si mesma e não abandoná-lo.
Como
se justifica, afinal, a queixa com respeito à falta de 'civil courage'?
Nestes anos, assistimos a muita bravura e abnegação, mas quase
em lugar algum achamos 'civil courage', nem em nós mesmos. Seria
uma psicologia demasiadamente ingênua querermos atribuir tal carência
apenas à covardia pessoal. No fundo, há razões bem
diferentes. Nós, alemães, tivemos de aprender em uma história
muito longa a necessidade e o poder da obediência. Vimos o sentido
da grandeza da nossa vida na subordinação de todos os desejos
e pensamentos pessoais, sob os encargos que nos couberam. Nossos olhares
eram dirigidos para cima, não em temores de escravos, mas na livre
confiança de que no encargo compreendem uma profissão, e,
na profissão, uma vocação. Afinal, preferir seguir
a ordem de 'cima' a obedecer ao próprio critério, é
resultado da voluntariedade que nasce da desconfiança justificável
para com o próprio Coração. Quem há que possa
negar ao alemão que na obediência, em missão e na profissão
sempre realizou o extremo de bravura e risco de morte? Sua liberdade, entretanto,
o alemão conservou nisso – e onde se tem falado mais apaixonadamente
de liberdade no mundo do que na Alemanha desde Lutero até a Filosofia
do Idealismo? – que tentou se libertar da teimosia a serviço
do todo. Profissão e liberdade valeram-lhe por dois lados da mesma
causa. Mas, com isto, desconheceu o mundo; ele não calculou que sua
disposição à subordinação, ao risco da
própria vida na missão assumida, pudesse ser motivo de abuso
para o mal. Caso tal acontecesse, até o cumprimento da profissão
tornar-se-ia duvidoso, e todos os princípios morais fundamentais
haveriam de começar a vacilar. Descobriu-se, então, que aos
alemães ainda faltava um decisivo reconhecimento de base: o da necessidade
da ação livre e responsável, mesmo contra a profissão
e contra a missão. Em seu lugar, surgiu, de um lado, a inescrupulosidade
irresponsável e, do outro, o torturante escrúpulo que impedia
toda ação. 'Civil courage' só pode resultar do livre
senso de responsabilidade do homem livre. Somente hoje os alemães
começam a descobrir o que quer dizer livre responsabilidade. Ela
se baseia sobre um Deus que exige o livre risco da fé em uma ação
responsável, e que, aquele, que nisto se torne pecador, garante perdão
e conforto.
Muito
grande é o perigo de nos deixarmos impelir ao desprezo dos homens.
Certamente sabemos que não temos direito a isto, e que tal atitude
há de criar relações muito estéreis com os nossos
semelhantes. Os pensamentos que nos podem prevenir contra esta tentação
seriam os seguintes: com o desprezo dos homens, entregamo-nos exatamente
ao erro capital de nossos adversários; aquele que despreza outro
jamais poderá torná-lo útil e diferente. Aliás,
nada daquilo que no outro desprezamos, nos é totalmente estranho.
Quantas vezes acontece que do outro esperamos muito mais do que nós
mesmos estamos dispostos a executar. Por que será que até
aqui temos pensado com tão pouca objetividade sobre a sua sujeição
à tentação e à fraqueza? Temos de aprender a
olhar os homens menos de acordo com o que fazem ou deixam de fazer, do que
em atenção ao que sofrem. A única relação
fecunda com os homens – e particularmente com os fracos – é
a do amor, isto é, a vontade de viver com eles em comunidade. Deus
mesmo não desprezou o homem; ao contrário, por causa do homem,
Deus se tornou homem.
Conta
entre as experiências mais estupendas e ao mesmo tempo irrefutáveis
que o mal comprova sua tolice e inutilidade, e isto freqüentemente
em prazo surpreendentemente curto. Com isto não se afirma que a toda
ação má se segue de imediato o castigo, mas certo é
que em princípio a transgressão dos Mandamentos de Deus, no
suposto interesse da sobrevivência terrena, resulta exatamente em
conseqüências que prejudicam este interesse. Esta nossa experiência
pode ser interpretada de maneira diversa. Em todo caso, parece ser certo
que o convívio dos homens resultam leis que são mais fortes
do que tudo que pretenda se sobrepujar a elas. Por esta razão, não
seria apenas injusto, mas também imprudente, desprezar estas leis.
Daí se nos torna compreensível porque a ética aristotélico-tomista
elevou a prudência à categoria de virtude cardeal. Não
procede o que um certo modo de pensar neoprotestante na ética quis
insinuar: que prudência e tolice, do ponto de vista ético,
sejam indiferentes. O prudente reconhece na plenitude do concreto e nas
possibilidades nele contidas ao mesmo tempo os limites intransponíveis,
resultantes para toda a ação das leis permanentes ao convívio
humano. É neste reconhecimento que o prudente faz o bem, ou seja:
o homem bom age prudentemente. Acontece que não há uma ação
de importância histórica que não transgrida os limites
desta lei. Decisiva é, porém, a diferença entre duas
atitudes. Uma que encara tal transgressão das leis estabelecidas,
de princípio, como uma anulação, como se fosse um direito
de tipo peculiar; a outra que bem conserva a consciência desta transgressão
como culpa inevitável e justifica-se apenas com o propósito
do imediato restabelecimento e respeito da lei e dos limites. Não
seria necessariamente hipocrisia se fosse apresentado como objetivo da ação
política o restabelecimento do direito, e não simplesmente
a sua sobrevivência. No mundo, o arranjo é que o respeito fundamental
das leis últimas e dos direitos da vida ao mesmo tempo é mais
útil à sobrevivência, e que estas leis só admitem
uma transgressão curta, única e em caso isolado, enquanto
elas eliminam, mais cedo ou mais tarde e com violência irresistível,
aquele que pretende transformar a necessidade em princípio e, destarte,
estabelecer uma lei própria. A justiça imanente da história
somente recompensa e pune a ação, enquanto a justiça
eterna de Deus prova e julga os Corações.
O
tempo é a coisa mais valiosa que temos porque é irrevogável.
O
tempo é irrevogável.
Não
cultuo o herói, mas a intimidade com Cristo.
Devemos
estar prontos para ser interrompidos por Deus.
Dificilmente
é poupada a alguma pessoa a experiência da traição.
A figura do Judas, que antigamente nos poderia parecer incompreensível,
não mais nos é estranha. O ar de tal maneira se acha envenenado
pela desconfiança, que quase perecemos sob sua pressão. Onde,
entretanto, conseguimos romper a camada da desconfiança, pudemos
colher a experiência de uma confiança nunca antes imaginada.
Aprendemos lá, onde confiamos, a entregar nossa cabeça nas
mãos do outro; contra todas as múltiplas interpretações,
as quais nossa vida e nossa ação tiveram de se sujeitar, aprendemos
a confiar ilimitadamente. Sabemos, agora, que unicamente com tal confiança,
que sem dúvida alguma não deixa de ser um risco – mas
um risco alegremente aceito – se vive e se trabalha verdadeiramente.
Sabemos que semear ou estimular a desconfiança é uma das atitudes
mais irresponsáveis, e que, ao contrário, deveríamos,
quanto possível, fortalecer e promover confiança entre os
homens. A confiança continuará a ser uma das maiores e mais
raras dádivas a trazer felicidade ao convívio humano, e, certamente,
só poderá surgir sobre o fundo escuro de uma suspeita necessária.
Aprendemos a não nos entregar, por nada, ao ordinário, mas,
a nos submetermos incondicionalmente àquele que merece fé.
Quem
sou? Este ou aquele? Um agora e outro depois? Ou ambos de uma vez? Hipócrita
perante os demais e, diante de mim mesmo, um débil acabado? Ou há,
dentro de mim, algo como um exército derrotado, que foge desordenadamente
da vitória já alcancada?5
A
vida é uma oportunidade, aproveite-a…
A vida é beleza, admire-a…
A vida é felicidade, deguste-a…
A vida é um sonho, torne-o realidade…
A vida é um desafio, enfrente-o…
A vida é um dever, cumpra-o…
A vida é um jogo, jogue-o…
A vida é preciosa, cuide dela…
A vida é uma riqueza, conserve-a…
A vida é amor, goze-o…
A vida é um mistério, descubra-o…
A vida é promessa, cumpra-a…
A vida é tristeza, supere-a…
A vida é um hino, cante-o…
A vida é uma luta, aceite-a…
A vida é aventura, arrisque-a…
A vida é alegria, mereça-a…
A vida é Vida, defenda-a…
Até
aqui, nos parecia constituir um dos direitos inalienáveis da vida
humana poder traçar os planos para a existência, tanto na vida
profissional quanto na pessoal. Isto acabou. Sob o imperativo das circunstâncias,
chegamos a uma situação em que devemos desistir de 'nos inquietar
pelo dia de amanhã' (S. Mateus VI: 34), havendo uma grande diferença
se isto acontece em virtude da livre resposta da fé, como a caracteriza
o Sermão da Montanha ou sob pressão do respectivo momento.
Para a maioria dos homens significa a renúncia forçada de
todo o planejamento, a submissão resignada, irresponsável
e leviana ao momento, enquanto uns poucos ainda continuam sonhando com um
futuro mais bonito, tentando assim superar a tristeza do presente. Ambas
as reações, para nós, são impossíveis.
Só nos resta o caminho estreito que, às vezes, mal se descobre,
e teremos de tomá-lo diariamente como se fosse o último. Mesmo
assim, devemos viver na fé e responsavelmente, de tal modo como se
nos esperasse ainda um glorioso futuro. 'Ainda se comprarão casas,
campos e vinhas nesta Terra' (Jeremias XXXII:15) – assim proclamou
o Profeta Jeremias, em vivo contraste com seus presságios ameaçadores,
na véspera da destruição da Cidade Santa, o que constituíra,
diante da situação desesperadora, um sinal divino e a garantia
de um grande porvir. Pensar e agir com vistas à nova geração,
e nesta atitude estar pronto para prosseguir sem medo nem preocupação,
todos os dias, eis o comportamento que se nos impõe. Certamente,
não será fácil suportar tudo isto, mas é necessário,
e precisamos ter coragem.
Na Igreja, temos um único
altar, o altar do Altíssimo, diante do qual todas as criaturas devem
dobrar os joelhos.
Na vida, dificilmente percebemos
que mais recebemos do que damos. A vida não pode ser rica sem gratidão.
É tão fácil superestimar a importância das nossas
próprias realizações em comparação com
o que devemos auxiliar os outros.
Não
há sentido na viagem cujo destino é desconhecido para o viajante.
Neste
mundo, só vivendo completamente é que se aprende a ter fé.
Quero dizer: viver sem reservas os deveres da vida, os problemas, os sucessos
e os fracassos.
Um
deus que tentamos provar sua existência é um ídolo.
Não insista nos seus direitos,
não culpe os outros, não julgue ou condene os outros, não
tente encontrar falhas nos outros, mas aceite os outros como são,
e, do fundo do seu Coração, perdoe os outros todos os dias.
O Discipulado não é
uma oferta que o homem faz a Cristo.
Devemos
sempre estar de prontidão para a responsabilidade.
É
mais prudente se mostrar pessimista. Assim as desilusões são
esquecidas e não temos de nos envergonhar diante dos homens. Por
esta razão, o otimismo é visto com desaprovação
pelos prudentes. Otimismo, entretanto, não é essencialmente
uma opinião sobre a presente situação, mas representa
uma força vital, uma energia esperançosa, onde outros resignam,
uma resistência de manter erguida a cabeça, quando tudo parece
querer fracassar, uma força que jamais entrega o futuro ao adversário,
mas o reclama para si. Sem dúvida alguma, existe um otimismo covarde,
estúpido, tolo que não pode colher aprovação
de ninguém. O otimismo, entretanto, que equivale a uma vontade para
o futuro, ninguém deverá menosprezar, mesmo que erre centenas
de vezes. Eis que é a saúde da vida, que o doente não
deve contaminar. Homens há que julgam ser condenável –
cristãos, inclusive, existem – que consideram ser ímpio
esperarmos um futuro terreno melhor e nos prepararmos para ele. Acreditam
eles no caos, na desordem e na catástrofe como na falta de sentido
dos acontecimentos presentes, e, assim, se recolhem para a resignação
e a pia fuga ao mundo, tentando escapar à responsabilidade com a
continuação da vida, com a reconstrução e com
as gerações a vir. Pode ser que o Dia do Juízo seja
amanhã! Pois bem, então será de bom grado que desistamos
do trabalho em favor de um futuro melhor, mas, antes não.6
Nós
vemos a cruz, mas cremos na ressurreição. Nós vemos
morte, mas cremos na vida eterna. Nós trilhamos sofrimento e separação,
mas cremos na eterna alegria e na comunhão.
Devemos aprender a considerar as
pessoas menos à luz do que elas fazem ou deixam de fazer, e mais
à luz do que elas sofrem.
Normalmente,
oramos pelas coisas grandes, e esquecemos de dar graças pelas coisas
comuns e pequenas sempre presentes.7
Quando
tudo já estiver dito e tudo já estiver feito, a vida de fé
deverá continuara a ser uma luta interminável do espírito,
com todas as armas disponíveis, contra a carne.
Julgar
os outros nos faz cegos; só o amor é esclarecedor. Ao julgar
os outros, ficamos cegos para o nosso próprio mal.
O próprio Jesus não
tentou converter os dois ladrões na cruz; Ele esperou, até
que um deles se virou para Ele.
O
teste final de uma sociedade moral é o tipo de mundo que ela deixará
para os seus filhos.
Pensar
na morte se tornou, nos últimos anos, bem mais familiar. Ficamos
mesmo admirados com o sangue frio com o qual recebemos notícias da
morte de companheiros de infância. Nem mais conseguimos odiar a morte,
pois nela já descobrimos alguns traços de bondade, e quase
nos reconciliamos com ela. Dentro de nós sentimos que já lhe
pertencemos, e que cada novo dia não passa de um milagre. Não
seria direito dizermos que gostamos de morrer – mesmo que a ninguém
seja desconhecido aquele cansaço, contra o qual devemos nos defender
com todas as forças –para tanto somos curiosos demais ou se
o dissermos com mais seriedade: gostaríamos ainda de saber alguma
coisa no sentido de nossa vida tão confusa. Nem, tampouco, desejamos
dar à morte um ar de heroísmo, pois a vida nos é preciosa
demais, e mesmo cara. Tanto mais nos recusamos a ver o sentido da vida no
perigo, pois ainda não nos achamos suficientemente desesperados,
e conhecemos muito bem as coisas boas da vida. Ao mesmo tempo, sabemos do
medo pela vida e os efeitos destruidores de uma constante ameaça
à vida. Nós ainda amamos a vida, mas creio que a morte não
mais nos possa surpreender. Nem mais temos coragem de admitir o íntimo
desejo de que a morte não nos apanhe por acaso, repentinamente, longe
do essencial, mas na plenitude da vida e na inteireza de nosso sacrifício,
porque as experiências da guerra nos desanimam. Não as circunstâncias
externas, mas nós mesmos transformaremos a morte naquilo que ela
deve ser: morte por voluntária aquiescência.
A
música ajuda a dissolver as perplexidades e purifica o caráter
e a sensibilidade, e, em todos nós, na inquietação
e na e tristeza, mantém a alegria de viver.
Ser
um cristão é menos cautelosamente evitar o pecado do que,
corajosa e ativamente, fazer a Vontade de Deus.
Quando
Cristo chama um homem, ele deverá ir e Morrer.
Nós não devemos ser
simplesmente bandagens para as feridas das vítimas sob a roda da
injustiça. Devemos lutar contra a roda em si.
Temos
sido testemunhas mudas de atos criminosos, fomos lavados com muitas águas,
aprendemos as artes do disfarce e da oração ambígua,
por experiência ficamos desconfiados contra os homens, e, muitas vezes,
ficamos lhes devendo a verdade e a palavra franca, cansamos sob os conflitos
insuportáveis, e, quiçá, nos tornamos cínicos
até – somos ainda aproveitáveis? Verdade é que
não necessitaremos de gênios, nem de cínicos, nem de
desprezadores dos homens, nem de sabidos táticos, mas, sim, de simples,
modestos e retos homens. Será que nossa íntima resistência
contra tudo o que nos foi imposto se mostrará forte, e nossa sinceridade
contra nós mesmos impiedosa o bastante para que achemos novamente
o caminho para a simplicidade e retidão?
O
maior erro que você pode cometer na vida é estar sempre com
medo de cometer um erro.
Não
Importa...
Não
importa ter uma religião;
importa,
muito, ser Religioso.
Não
importa uma genuflexão;
importa,
sim, não ser aduloso.
Não
importa se é Verdade;
importa,
muito, jamais mentir.
Não
importa sentir Saudade;
Enfim,
não importa nada viver;
geralmente,
a vida será mâyâ.
Precisamos
aprender a Morrer.
Talvez,
um dia, Nirmânâkâya!8