CASTILHISMO

 

 

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Introdução e Objetivos do Texto

  

A presente monografia objetiva, sucintamente, revisitar o Castilhismo — filosofia política de inspiração positivista que repelia completamente o pensamento liberal e impunha um regime moralizador baseado nas virtudes republicanas e na idéia de moralização dos indivíduos sob a tutela do Estado. O Castilhismo foi uma ordem republicana que regeu a vida do Rio Grande do Sul por mais de três décadas. (Para uma visão complementar deste ensaio, consulte o Anexo I.)

Em uma primeira edição, este trabalho foi encetado com o fito de dar cumprimento a uma das exigências da disciplina História da Filosofia no Brasil II, em 1986, do Doutorado em Filosofia da Universidade Gama Filho, ministrada sob a orientação do Professor Francisco Martins de Souza, e que hoje estou divulgando no Website Pax Profundis com alguns acréscimos e modificações.

Na elaboração deste trabalho, originariamente, foram seguidos os passos do Professor Ricardo Vélez Rodríguez, autor da obra Castilhismo: Uma Filosofia da República. Entretanto, adverte-se que, provavelmente, alguns erros ou equívocos poderão ser observados; mas, se algum mérito houver na compilação e na tentativa de análise dos assuntos que se seguirão, certamente deverá ser creditado ao meu esforço em tentar compreender e acompanhar os fundamentos de uma filosofia política que, por muitos anos, norteou o Partido Republicano Rio-Grandense e que inspirou políticos de renome, influência e prestígio nacionais. Só se poderá compreender o que hoje está acontecendo no Brasil se o examinarmos historicamente, e o Castilhismo é uma parte da moderna história brasileira. Rodríguez admite que: Sem o Castilhismo não entenderíamos o Brasil republicano. Porque sem ele não entenderíamos a obra do estadista que consolidou a unidade da Nação, sobrepondo o Estado aos clãs que tinham privatizado o poder na República Velha. Sem o Castilhismo não entenderíamos, outrossim, a feição autoritária e modernizadora que o Brasil tomou a partir de 30 e que reeditou no ciclo militar, entre 64 e 85.

Para concluir esta breve introdução, cito um parágrafo da lavra de Ricardo Vélez Rodrígez retirado do ensaio Atualidade do Castilhismo na Política Brasileira:

 

O Castilhismo foi um sucesso na experiência republicana brasileira. Isso, a meu ver, porque deitou raízes na tradição pombalina, que deu ensejo às reformas modernizadoras ocorridas ao longo do Império. Não esqueçamos que foram de inspiração cientificista-pombalina as primeiras medidas desenvolvidas para dotar o País, no início do século XIX, das instituições de ensino superior. De inspiração pombalina foi também a idéia estratégica de ocupar a hinterlândia do Planalto Central com uma nova Capital, que se comunicasse por raios que sairiam diretamente dela até as demais regiões. De formação pombalina foi, outrossim, a nossa elite que fez a independência de Portugal em 1822. Cientificistas foram as reformas ensejadas por Paranhos em 1874. É claro que ao lado da herança pombalina havia, na estrutura do Estado, as instituições liberais da representação e do Poder Moderador, inseridas na nossa vida política por influência dos doutrinários franceses, que inspiraram aos denominados por Oliveira Vianna de “homens de mil”, aqueles que rodearam incondicionalmente dom Pedro II, numa espécie de círculo impenetrável de fidelidade ao monarca e ao modelo constitucional por ele posto em prática. A tradição cientificista do despotismo ilustrado ver-se-ia mitigada, no século XIX, pelas instituições liberais do Império.

 

 

Sumário



I – Dados Históricos e Biográficos de Júlio Prates de Castilhos

II – Mérito dos Estadistas Segundo Júlio Prates de Castilhos

III – O Bem Público

IV – Tutela Moralizadora do Estado

V – Considerações Finais

VI – Epílogo

Bibliografia

 

 

 

I – Dados Históricos e Biográficos
de Júlio Prates de Castilhos

 

Júlio de Castilhos, advogado que atuou mais como jornalista e político, nasceu no Rio Grande do Sul, na fazenda da Reserva, em 29 de junho de 1860, tendo recebido sua primeira formação em Porto Alegre. Em 1877 ingressou na Academia de Direito de São Paulo, tendo sido contemporâneo de vultos famosos, como Teófilo Dias, Eduardo Prado, Manoel Inácio Carvalho de Mendonça e Valentim Magalhães Junior.

Nesse período, no Rio de Janeiro, estabelece-se a fundação da Sociedade Positivista, e começam a surgir as primeiras publicações de Miguel Lemos, Teixeira Mendes e Pereira Barreto, apóstolos da Igreja Positivista e iniciadores do Positivismo Ilustrado brasileiro, ilustração essa que Roque Spencer Maciel de Barros definiu como o movimento de idéias iniciado nos dois decênios imediatamente anteriores à República para afirmar que a modernização do Brasil dependia da adesão sem reservas do pensamento científico e do abandono das disputas teológicas e metafísicas. Desta forma, era entendido que a reforma dos espíritos era a condição essencial para que as mudanças se pudessem efetivar no plano material.

Com 21 anos, em 1881, Júlio de Castilhos completou o curso de Direito, regressando a Porto Alegre. Rodríguez, ao analisar a personalidade de Castilhos, chama a atenção para dois aspectos singulares: personalidade autoritária e pertinaz fidelidade ao programa traçado de antemão. Seus próprios parentes reconheciam nele um temperamento introvertido, dominante e enérgico, ao mesmo tempo que marcadamente solitário. Desde jovem posicionou-se francamente contra a monarquia, que no entender de Rodríguez, fundava-se no fato de esta ... não se ajustar ao esquema autoritário de sociedade que já, então, o empolgava. Tal temperamento inflexível custou-lhe caro. O autoritarismo e a peculiaridade de não fazer a mínima concessão no campo dos princípios (o que, em um certo sentido, é uma nobre qualidade), acabariam por separá-lo dos velhos correligionários e amigos. Romperam com o Castilhismo, Demétrio Ribeiro, Barros Cassal, Pedro Moacyr, Mena Barreto, Assis Brasil e Alcides Lima, já que, por um motivo ou por outro, não puderam resistir à impermeabilidade do positivista gaúcho. Muito lutou Miguel Lemos para tentar despersuadir, por exemplo, Demétrio Ribeiro da separação de Castilhos e de seu afastamento dos princípios positivistas. A dissidência que se estabeleceu entre o antigo Ministro da Agricultura do Governo Provisório e Castilhos e a grave agitação política reinante no Rio Grande do Sul deram ensejo à famosa carta-política que Miguel Lemos escreveu a Ribeiro. A carta é um apelo ao patriotismo de Ribeiro e uma análise da posição que este acabara por assumir em face de recente promulgação da Constituição de 14 de Julho de 1891 do Rio Grande do Sul. A carta, segundo consta, nunca mereceu resposta por parte de Ribeiro. Esse foi apenas um exemplo do que construiu Castilhos no campo das relações humanas. Seus biógrafos asseveram que por ele ninguém passou incolor: ou o amaram, e até o fanatizaram, ou o odiaram e dele se tornaram inimigos ou, pelo menos, adversários ferrenhos.

Castilhos demonstrou desde cedo – mais precisamente desde o tempo de estudante com seus escritos em A Evolução – uma evidente inclinação para as doutrinas positivistas e uma profunda admiração pela obra de Comte, e acabou por receber o reconhecimento de Miguel Lemos, que foi o Fundador e Diretor da Igreja e do Apostolado Positivista do Brasil. A prova mais formal da inspiração positivista de Castilhos é, indubitavelmente, a Constituição de 14 de julho de 1891 do Rio Grande do Sul. Outro aspecto peculiar da personalidade de Castilhos foi sua posição radical no que concerne à questão abolicionista. Em 28 de julho de 1884 fez publicar nas páginas de A Federação:

 

Sua Majestade não deve hesitar.

Se é patriota, se julga de seu dever apagar a mácula que o crime infame de alguns antepassados nos legou, se deseja a felicidade da Pátria, se nutre uma nobre ambição de glória, lance S. M. no abandono a causa perdida de um grupo de interessados e coloque-se ao lado do País, solidário com ele.

É certo que esta solução põe em perigo a Monarquia, que perderá o apoio daqueles que têm sido o seu sustentáculo.

Mas, que prefere S. M.: comprometer o seu tempo, por reivindicar para a liberdade uma raça imoralmente escravizada, ou pô-la em perigo para não prejudicar os senhores de escravos?

Não há que vacilar na escolha: a honra da Pátria e a glória de libertador deverão inspirar o Sr. D. Pedro II.

 

Em 1886, ao se levantar uma polêmica entre o Ministro da Guerra e os oficiais Cunha Mattos e Saldanha Marinho, que culminou com a proibição do Ministro da Guerra de os militares se pronunciarem na imprensa, Castilhos aproveitou o espaço oferecido pela situação e esforçou-se para ... ampliar o círculo de militares aderentes à idéia republicana, constituindo-se, nesse particular, um dos mais proeminentes insufladores da questão militar.

De abril de 1888 até agosto de 1889, por causa de sua situação econômica delicada, retirou-se, em companhia da família, para sua estância de Vila Rica, na fazenda A Reserva. Lá, em março de 1889, presidiu a uma reunião dos chefes do Partido Republicano onde foi produzido um manifesto datado de 21 de março de 1889 e assinado por vários próceres do partido, inclusive por Júlio de Castilhos. O manifesto, originado pela aproximação do Terceiro Reinado, pelo desgaste da monarquia e pela flagrante antipatia pelo Conde D’Eu, dizia:

 

Reconhecendo a necessidade de organizar a oposição em qualquer terreno ao futuro reinado, que ameaça nossa Pátria com desgraças de toda ordem, e a necessidade de preparar elementos para, no momento oportuno, garantir o sucesso da Revolução, declaramos que temos nomeado nossos amigos José Gomes Pinheiro Machado, Júlio de Castilhos, Ernesto Alves, Fernando Abbot, Assis Brasil, Ramiro Barcellos e Demétrio Ribeiro para que se consigam aqueles fins, empregando livremente os meios que escolherem.

Nós juramos não nos deter diante de dificuldade alguma, a não ser o sacrifício inútil de nossos concidadãos.

Excluída essa hipótese, só haveremos de parar diante da vitória ou da morte.

 

O teor do manifesto, francamente elitista e radical, repele qualquer solução conciliatória, atitude tipicamente autoritária na qual o poder pretende ser alcançado a qualquer sorte e a qualquer preço.

Em 15 de novembro de 1889 foi proclamada a República e Deodoro reconheceu os serviços prestados por Castilhos à causa republicana, nomeando-o para o cargo de Secretário do Governo Estadual. Dentre as várias inovações administrativas inspiradas pelo recém-empossado Secretário, várias delas aparecem no Ato Adicional de 21 de dezembro de 1889, que ao estabelecer modificações na lei orçamentária de 1890, pretende moralizar o serviço público alterando o sistema tributário, criando um serviço de estatística e reduzindo o pessoal da própria Secretaria recém-criada. Observa-se a permanente preocupação positivista de viver às claras. Em 11 de fevereiro de 1890, Castilhos tomou posse como Primeiro Vice-Governador, depois de ter aberto mão da nomeação do cargo de Governador, por Decreto do dia 9 de fevereiro. Por indicação de Castilhos toma posse o General Júlio Anacleto Falcão de Frota.

O autoritarismo de Castilhos manifestou-se uma vez mais quando, em 1890, ofereceu apoio a Deodoro em nome do Partido, mas sem consultar as bases, para a Presidência da República. Novamente, tal atitude custou-lhe muito caro. Novas dissidências. A mais importante, como recorda Rodríguez, partiu do popular advogado Barros Cassal, que se recusou a participar da chapa eleitoral composta por Castilhos. Outra foi a de Demétrio Ribeiro já anteriormente referida. A forma arbitrária como impunha ao partido a candidatura de Deodoro acabou por lhe causar mais uma lesão. Anteriormente, alguns dissidentes unidos aos liberais formaram contra os castilhistas a União Nacional.

Da participação do positivista gaúcho na Assembléia Constituinte da República de 1891, sobressaíram três aspectos primordiais: primeiro, a defesa do federalismo radical; segundo, a defesa do sistema unicameral e a extinção do Senado; e terceiro, o combate a várias restrições, como os direitos civis e políticos dos religiosos. Teve ainda participação e lutou contra o convênio de tarifas celebrado entre o Brasil e os EEUU que isentava vários artigos norte-americanos de direitos de importação, bem como reduzia em 25% os mesmos direitos relativamente a diversos outros artigos provenientes daquele mesmo País. Castilhos lutou, ainda, pela liberdade de adoção, pela liberdade de todas as profissões, pela eleição direta do Presidente e do Vice-Presidente da República, pelo voto do analfabeto e dos membros de ordens religiosas e pelo alistamento dos estudantes de cursos superiores com mais de dezoito anos. Em algumas dessas lutas venceu; em outras saiu perdedor, como foi o caso da proposição de instituir o sistema unicameral, com a extinção do Senado, e a proposta de dissolução da Constituinte, depois da votação da Magna Carta.

A Constituição Política do Rio Grande do Sul, que deveria vir do consenso da comissão tríplice estabelecida para elaborá-la (Castilhos, Ramiro Barcellos e Assis Brasil), veio, em verdade, segundo depoimento do próprio Assis Brasil, exclusivamente da pena de Castilhos. Ele foi o seu único autor e seu único responsável. Elaborou-a entre fevereiro e abril de 1891 e representou ... o coroamento da primeira etapa de sua vida política. Reflete, assim, completamente, os ideais políticos de Castilhos. São pontos essenciais da Constituição Castilhista:

 

(a) O presidente, supremo diretor governamental e administrativo do Estado, exerceria a presidência por cinco anos, não podendo ser reeleito para o período seguinte, a menos que recebesse o sufrágio de setenta e cinco por cento do eleitorado. (art. 9º);

(b) O presidente tinha a atribuição de nomear seu substituto legal. (art. 10º);

(c) Todos são iguais perante a lei. (art. 71, §4º);

(d) Não admitia os privilégios dos diplomas escolásticos ou acadêmicos, e estabelecia o livre exercício de todas as profissões de ordem moral, intelectual e industrial. (art. 71, §5º);

(e) O provimento dos cargos médios será feito em virtude de acesso por antigüidade e, excepcionalmente, por mérito. (Art. 71, §6º);

(f) Assegurava a liberdade religiosa, mas não admitia qualquer relação de dependência ou aliança de nenhum culto ou igreja com o governo do Estado. (Art. 71, § 7º e § 11º);

(g) Abolia todos os privilégios funerários. (Art. 71, §9º);

(h) Estabelecia a liberdade de imprensa. (Art. 71, § 16);

(i) Ficam abolidas as loterias, não sendo lícito ao Estado transformar o vício em fonte de receita. (Art. 71, §18);

 

Também na Constituição de Júlio de Castilhos não havia Parlamento e a Assembléia era apenas orçamentária, cumprindo votar os créditos financeiros e examinar a aplicação das rendas públicas. Segundo Bello, esta Constituição positivista será (...) o grande pretexto das revoluções e (...) permanente motivo de apaixonadas lutas partidárias.

Como observa Rodríguez, nota-se flagrantemente da parte de Castilhos ... um exacerbado preconceito contra o governo representativo, cuja mais recente expressão na vida política brasileira tinha sido o Parlamento do Império. Os pontos altos da Constituição Castilhista, defendidos por Miguel Lemos em carta a Demétrio Ribeiro, ficam assim obscurecidos pelo teor autoritário de sua substância institucional. E, não faria sentido que ela não os contemplasse, sendo Castilhos um ardoroso adepto de Augusto Comte. Mas, o que a história demonstrou, e assim pode-se afirmar com Rodríguez, é que ... o autoritarismo Castilhista nada fez senão agravar as tensões no Rio Grande, de modo semelhante aos impasses econômicos e políticos criados pelo autoritarismo do Governo Provisório e de Floriano...

Entretanto, com pequeníssimas modificações, a Constituição foi promulgada em 14 de julho e, na mesma data seu autor foi eleito primeiro Presidente Constitucional do Estado. Assumiu o poder em 15 de julho de 1891 com firme propósito de proceder como um magistrado, governando sem ódios e procurando ser imparcial e tolerante. Escolheu seus auxiliares preferindo a sisudez e a prudência à altanaria corajosa de partidários exaltados, que terminaram por praticar diversas violências e arbitrariedades, particularmente contra os adversários.

Tal fato, mais o golpe de estado perpetrado pelo Marechal Deodoro em 3 de novembro de 1891 (recorde-se que Castilhos apoiou Deodoro), a perda de poder aquisitivo e o conseqüente agravamento das condições sócio-econômicas do povo gaúcho, e, ainda, o profundo autoritarismo de Castilhos constituíram o substrato ideal para a fermentação política em que atuaram os opositores do Castilhismo. O resultado foi sua deposição do governo em 2 de dezembro de 1891. O poder passa, assim, ao General Domingos Barreto Leite, que, de Castilhos recebe, pejorativamente a alcunha de governicho.

Todavia, Barreto Leite não consegue articular devidamente a administração estadual nem conter a divisão que se estabelece entre os republicanos dissidentes e os liberais que compunham seu governo. Com o enfraquecimento flagrante do seu grupo político não tem outra alternativa, e passou a chefia do Governo a Barros Cassal, no dia 3 de março de 1892.

Porém, em 17 de junho, Júlio de Castilhos – que tinha o apoio de Floriano – retoma o poder, e conforme havia se comprometido, passa o governo ao Vice-Presidente por ele escolhido, Victorino Monteiro, viajando, em seguida, para o Rio a fim de obter o pleno apoio do Governo Central para o Governo de seu Estado.

Como escreveu Rodríguez, nesta nova fase da política rio-grandense a repressão aos inimigos do regime castilhista foi violenta. O marechal de ferro, que nutria profunda simpatia por Castilhos, apoiou incondicionalmente a política sulista, pois vislumbrou a possibilidade de lá consolidar o tipo de regime republicano por ele almejado. Assim é que Castilhos reassume o poder em 25 de janeiro de 1893 para o período de 1892 a 1898.

Nos primeiros dias do governo de Castilhos iniciou-se uma forte oposição que acabou por produzir um documento – o Manifesto dos Comandantes Federalistas de março de 1893 – cujos trechos mais importantes foram compilados por Rodríguez:


... o objetivo dos revolucionários rio-grandenses não é a restauração monárquica; é libertar o Rio Grande da tirania...

... queremos a restauração da lei, do direito, da justiça, da segurança à liberdade, aos bens e à vida de todos os cidadãos...

... infelizmente parece que o Marechal Floriano não quer no Rio Grande o governo da opinião e sim o governo que se escude na força material...

... se sucumbirmos na luta, restar-nos-á o consolo supremo de termos defendido com o sacrifício da própria vida o penhor sagrado que nos foi legado pelos nossos antepassados – o amor à liberdade...

 

Enfim, a reivindicação básica dos federalistas era a implantação de um governo representativo que não estivesse constituído somente na força material. O manifesto, portanto, resumia-se no amor à liberdade, que, segundo Locke, é ... o fundamento de tudo quanto o homem pode ter na Terra.

Menos de um mês depois da posse de Castilhos, exatamente em 22 de fevereiro de 1893 (Castilhos havia assumido a presidência do Rio Grande em 25 de janeiro de 1893), cai Don Pedrito nas mãos dos insurgentes. Este fato propicia a intervenção federal – a pedido de Castilhos – que junto com as tropas castilhistas, batem-se contra os federalistas.

A sucessão de Castilhos foi por ele definida, recaindo sua escolha em um republicano de primeira hora: Borges de Medeiros, dedicado adepto do Positivismo comtiano e que, segundo Votaire Schilling, encarnava em seu temperamento a frieza das engrenagens partidárias montadas pelo Castilhismo e a certeza da doutrina positivista.

Júlio Prates de Castilhos faleceu em 24 de outubro de 1903, aos 43 anos, vítima de uma afecção da garganta – faringitis granulosa – que progrediu para um câncer de garganta.

Finalmente, cabe transcrever a opinião de Rodríguez sobre a vida de Castilhos, que em verdade representava nitidamente o ideal positivista, do qual ele, no Brasil, foi um de seus máximos representantes:

 

Há um fato marcante ao longo de toda a vida de Castilhos, em contraste com seu autoritarismo: jamais procurou a pompa externa. Apesar de Floriano tê-lo distinguido com o título de General-de-Brigada, devido aos seus 'eminentes serviços à República', nunca aceitou as honras militares. Uma vez cumprido o qüinqüênio de governo, tampouco quis exercer a advocacia, pois considerava imoral litigar perante juízes por ele nomeados. Castilhos vivia modestamente, sem luxo, e procurou dar à administração esse caráter de austeridade e de respeito pelo tesouro público, que marcaria também a administração de Borges de Medeiros. Tal 'modus essendi' é conseqüência direta da preocupação fundamental pelo 'bem público', interpretado no contexto do espírito moralista que o inspirou.

 

Vinte anos depois de sua morte, poderosa influência exercia Castilhos sobre os combatentes republicanos. Como escreveu Ferreira Filho, nos momentos de exaltação, os primeiros vivas eram sempre para o seu nome, e todos (...) se proclamavam castilhistas, antes de tudo.

 

 

II – Mérito dos Estadistas Segundo Júlio Prates de Castilhos

 

Para o positivista gaúcho, a condição basilar do estadista é a mais imaculada lisura nos atos de governo, oriunda de uma imaculada pureza de intenções, traduzida por um desinteresse inquestionável pelos bens materiais.

Por ocasião da morte de Castilhos, Getúlio Vargas, então com vinte anos, traduziu em 31 de outubro de 1903, em inflamado discurso fúnebre, todo o entusiasmo despertado pelo líder gaúcho recentemente desaparecido, e que permite avaliar o quanto ele realmente pautou sua vida dentro dos limites da mais rigorosa moralidade, ainda que a base dessa mesma moralidade tenha sido autoritariamente inspirada no Positivismo de Comte.

 

Júlio de Castilhos, para o Rio Grande, é um santo. É santo porque é puro, e puro porque é grande, é grande porque é sábio, é sábio porque quando o Brasil inteiro se debate na noite trevosa da dúvida e da incerteza, (...) o Rio Grande é o timoneiro da Pátria e o santelmo brilhante espargindo luz para o futuro.

Tudo isso devemos ao cérebro genial desse homem.

Os seus correligionários devem-lhe a orientação política. Os seus coetâneos o exemplo da perseverança na luta por um ideal; a mocidade deve-lhe o exemplo de pureza e honradez de caráter.

 

Para Castilhos, a política deveria se constituir exclusivamente de um meio de servir à coletividade. Dois são os pré-requisitos por ele assinalados: desinteresse pessoal e pureza de intenções. Rodríguez sintetiza assim o pensamento castilhista:

 

... o governante deve ter como primeira característica a absoluta pureza de intenções, que equivale à total ausência, nele, dos sórdidos interesses materiais. Somente assim poderá se dar, em quem dirige a sociedade, a capacidade para perceber cientificamente qual é o sentido da racionalidade social, que se revela, como já o tinha salientado Comte, unicamente, perante as mentes livres dos prejuízos teológicos e metafísicos.


Exemplificam essa orientação filosófica e política Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e Getúlio Vargas. Particularmente, no caso de Vargas, um dos aspectos moralistas de sua atuação política foi sua preocupação com a legislação trabalhista, ou seja, incorporação da classe proletária à sociedade. A pureza de intenções demonstrou Vargas, como primeiro grande estadista brasileiro, no seu testamento político no qual, como observa Rodríguez, leva-o a ... sacralizar sua missão de governante, e a declarar que chega até imolar a sua vida, a fim de conservar sua pureza de intenções. Particularmente não concordo e não apóio que um governante (ou quem quer que seja), para sacralizar sua missão (qualquer que seja a missão), mate em sacrifício a própria vida.

 


III – O Bem Público

 

O bem público, no conceito de Júlio de Castilhos só poderia se encontrar onde se achasse a essência mesma da sociedade ideal, que ele entendia em termos de 'reinado da virtude'. Esse bem público só poderia ser alcançado por um governo de confiança, força e responsabilidade, tríplice condição para o sucesso de qualquer empreendimento público, quer no âmbito administrativo, quer no político. Sua divisa era o lema de Augusto Comte: conservar melhorando. E, nesse sentido, o Estado deveria prosperar em vários campos: poupança interna, obras, desenvolvimento comercial e industrial, amortização da dívida pública, estabilidade de crédito do governo etc. Consiste, como lembra Rodríguez, primacialmente, na crescente e substantiva educação moral e cívica do povo, cuja meta, é o fortalecimento do Estado.

A meta, portanto, da legislação castilhista era a implantação de um regime virtuoso visando o bem público, estando a segurança do Estado acima do direito individual. Para atingir tal meta, a legislação castilhista, por exemplo, criou o imposto territorial e estabeleceu mecanismos de desapropriação de terras devolutas. Também incluía a plena assimilação dos imigrantes pelo Estado. Também procurou Castilhos (e seus seguidores) aperfeiçoar os mecanismos de arrecadação tributária com vistas à segurança e ao elastecimento do Tesouro Público.

Rodríguez resume outros aspectos fundamentais em que se apoiava a legislação castilhista, quais sejam: instituição do voto a descoberto, aversão pelo governo representativo, organização da justiça e, dentro desta, a criação do ministério público, a elaboração do Código de Processo Penas e a organização policial do Estado, assim como restrições impostas à liberdade de pensamento e expressão.

 

 

IV – Tutela Moralizadora do Estado

 

 

 

 

No positivismo, e portanto no Castilhismo que nele foi buscar inspiração e sustentação filosófica, o princípio norteador é o de que a Humanidade e a sociedade marcham para uma estruturação racional. O tempo das teologias e das metafísicas havia acabado, e a Humanidade e a sociedade já estavam no alvorecer da era positiva. Na verdade, o Positivismo apóia-se em quinze princípios universais e, para que se atinja a convicção acima, faz-se mister observá-los:

 

Leis da Positividade

 

Da VerdadeFormar a hipótese mais simples, mais simpática e mais estética de acordo com os dados adquiridos.

Do Destino Conceber como imutáveis as leis quaisquer que regem os seres pelos acontecimentos, conquanto só a ordem abstrata permita apreciá-las.

Da LiberdadeQuaisquer modificações da ordem universal limitam-se sempre à intensidade dos fenômenos, cujo arranjo permanece inalterável.

 

Leis Estáticas do Entendimento

 

Da ObjetividadeSubordinar as construções subjetivas aos materiais objetivos (Aristóteles, Leibnitz e Kantz).

Da Razão As imagens interiores são sempre menos vivas e menos nítidas do que as impressões exteriores.

Da Unidade A imagem normal deve ser preponderante sobre as que a agitação cerebral faz simultaneamente surgir.

 

Leis Dinâmicas do Entendimento

 

Da InteligênciaToda concepção humana passa por três estados, fictício, abstrato e positivo, mas com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes.

Da AtividadeA atividade é primeiro conquistadora, em seguida defensiva, e enfim industrial.

Do sentimentoA sociabilidade é primeiro doméstica, depois cívica e enfim universal, conforme a natureza peculiar a cada um dos três instintos simpáticos (apego, veneração e bondade).

 

Leis da Existência

 

Da EstabilidadeTodo estado, estático ou dinâmico, tende a persistir espontaneamente sem nenhuma alteração, resistindo às perturbações exteriores.

Da Harmonia Um sistema qualquer mantém sua constituição ativa ou passiva, quando seus elementos experimentam mutações simultâneas, conquanto que sejam exatamente comuns.

Do Conflito Existe por toda parte uma equivalência necessária entre a reação e a ação, se a intensidade de ambas for medida conforme a natureza de cada conflito.

 

Leis das Variações

 

Do ProgressoSubordinar por toda parte a teoria do movimento à da existência, concebendo todo o progresso como o desenvolvimento da ordem correspondente, cujas condições quaisquer regem as mutações que constituem a evolução.

Da OrdemTodo classamento positivo procede segundo a generalidade crescente ou decrescente, tanto subjetiva como objetiva.

Da Continuidade Todo intermediário deve ser subordinado aos dois extremos cuja ligação opera.


Foi nesse contexto que se inscreveu a ação política de Júlio de Castilhos. Além disso, toda a doutrina política castilhista considerava fundamental para o pleno evolver da sociedade que o regime político fosse conduzido por um governante esclarecido, que ao assumir a chefia do governo tem condições de modificar o caráter do grupo social, apesar de este ter levado séculos para se constituir. A finalidade do governante é, portanto, a moralização da Humanidade e a purificação da sociedade, e o Estado tem a função de tutelar as mesmas, orientando-as para a execução do bem público a que já se aludiu. Em tudo isso, de permeio, para que se estabeleça o equilíbrio entre os diversos grupos sociais deve ser perseguida a harmonia entre a autoridade constituída e a liberdade dos cidadãos. Para que isso ocorra, a caminho é a tutela moralizadora do Estado.

A tutela do Estado vai mais além. Pensavam os castilhistas – e adotaram esse pensamento quando foi conveniente e necessário – que, quando a situação interna do Estado ficava ameaçada, quando se punha em perigo a segurança pública, todos os códigos deveriam ser fechados para se aplicar, ato contínuo, uma lei mais elevada, vale dizer, mais forte, mais autoritária, mais protetiva do bem comum, que promovesse a salvação e a conservação coletivas. Era, portanto, considerado perfeitamente moral e lícito o uso de leis extraordinárias para garantir a ordem e o progresso da sociedade ameaçada. O que não era possível era a asfixia do governo frente a convulsões internas. E nessas situações tudo acabava por depender do julgamento transparente da situação pelo governante esclarecido, de sua pureza de intenções e de seu patriotismo.

Ao se consultar a Constituição Castilhista, observa-se, e Rodríguez é de mesma opinião, que o núcleo autoritário da mesma, concentra-se nos artigos 7º, 8º, 9º, 10º e 11º. Entretanto, ao se consultá-la por inteiro, observa-se que tal carta deu suporte e consagrou a ditadura científica, dando ao presidente uma tal soma de poder público, que o transfigurava, praticamente, em um ditador, cujas atribuições variavam de governar sem dialogar ou prestar contas à opinião pública à escolha e nomeação de seu substituto legal, o Vice-Presidente, segundo a cartilha da hereditariedade sociocrática defendida pelo Positivismo, sociocracia positivista essa que já vinha de muito longe e não foi uma novidade inventada pelo Positivismo. Ela era, por exemplo, engendrada durante a ditadura dos Césares Romanos, que escolhiam livremente seus sucessores, escolha esta sempre sancionada pelo exército que dava sustentação ao poder imperial. Isto, de uma maneira geral, sempre ocorreu nos regimes fortes (ditaduras autoritárias ou totalitárias, de direita ou de esquerda).

Sobre a questão dos governos ditatoriais republicanos, Oliveira escreve:


Sob o aspecto político, as diversas ditaduras devem tornar-se verdadeiramente republicanas, pelo estabelecimento da mais completa liberdade espiritual e industrial, garantindo a manifestação de quaisquer idéias, abolindo todos os privilégios (inclusive os profissionais), suprimindo todo orçamento teórico (eclesiástico, universitário e acadêmico), e fornecendo apenas a instrução primária, sempre livre, leiga e gratuita. Mantendo a ordem material no meio da desordem espiritual, os governos concorrerão, sem proteger nem perseguir nenhuma doutrina, para que a mais conveniente prevaleça espontaneamente. Assim, o sistema monocrático preparará o advento do triunvirato próprio ao regímen industrial quando o governo deverá caber a três banqueiros, ligados um à agricultura, outro à indústria e outro ao comércio.

 

Enfim, a Constituição Castilhista propiciava completamente uma hipertrofia do executivo, como também desvalorizava o sistema representativo. Havia um desprezo flagrante e confessado pelo sistema representativo. No entender dos castilhistas, o governo que se apóia em uma assembléia é necessariamente caótico e corresponde a uma fase já superada da evolução política dos povos. Era, portanto, um código político profundamente conservador, procurando conciliar autoridade e liberdade. Rodríguez resume seu entendimento sobre os aspectos conservadores da carta castilhista:

 

Traços conservadores que sobressaem na restante legislação castilhista estão constituídos pelas leis que regulavam a política colonizadora, cuja finalidade básica era alcançar uma plena adaptação dos colonos, a fim de preservar a segurança do Estado; pela legislação trabalhista, cuja preocupação era preservar a ordem social através da incorporação do proletariado à sociedade; pela organização policial do Estado, cuja finalidade primordial consistia em assegurar a autoridade do Presidente e a ordem estabelecida; e, finalmente, pela organização judiciária, na qual se destacava o 'Código de Processo Penal' como elemento inspirado na tradição.

 

 

 

 


V – Considerações Finais

 

O Castilhismo, como ficou evidenciado, é uma filosofia política de caráter marcantemente conservador, moralista e tutelar. Redundou, por isso, em governos autoritários, não-representativos, inspirados nas idéias de Comte, e que realizaram na prática o que o Sistema de Política Positivista estabeleceu em teoria. Entretanto, foram além na execução das proposições teóricas do comtismo, destes se diferenciando por marcarem suas respectivas administrações com uma presença estatal profundamente mais dominadora, ao mesmo tempo em que estabeleceram todo um sistema jurídico, político e econômico com o fim de manter e sustentar tal estado de coisas. Nesse sentido, mostraram-se mais tendentes ao totalitarismo do que o próprio sistema autoritário de Comte; todavia, tal apreciação não permite que se caracterize a filosofia castilhista nem seus governos como totalitários, mas como autoritários.

Enfim, o Castilhismo, como observou Rodríguez, veio preencher uma lacuna histórica, eis que as elites políticas do País, tendo derrubado a monarquia, não deram solução ao problema fundamental por ela colocado: a questão da representação. A aplicação da tutela moralizadora sobre o indivíduo e sobre a sociedade, argumento para perpetuação no poder do grupo que se encontrava no poder, proporcionou um flagrante impedimento de crescimento interior e a própria afirmação do indivíduo. Nesse sentido, endossa-se o sentimento de Rodríguez, quando afirma que, com o Castilhismo, deu-se um passo atrás no esclarecimento alcançado pela consciência brasileira, durante o império, acera da liberdade e da representação.

Como pensamento final, devo dizer que, misticamente, é inadmissível qualquer forma de governo que seja estruturada em bases autoritárias ou totalitárias. As ditaduras e a hereditariedade sociocrática são funestíssimas, o poder não deve ficar nas mãos de uma pequena elite autocrática e o homem não é um servo compulsório do Estado. Em um trabalho que publiquei recentemente, concluí e adito: liberdade espiritual e ditadura são antagônicas, não-convergentes e opostas em aspirações e realizações. Onde há liberdade espiritual não há ditadura, e onde se instala a ditadura a primeira supressão aparece exatamente na liberdade espiritual. No que possam pesar as nobres intenções em regenerar a Humanidade por intermédio de uma ditadura republicana e a dignidade de Júlio de Castilhos, a doutrina mostrou-se falha e não se sustentou onde foi aplicada. Onde tal sistema de governo tem prevalecido temporariamente, os países comprometeram-se interna e externamente, houve retrogradação social e o homem, na sua individualidade, amesquinhou-se. Por isso, o evolver individual e a manutenção da paz social, do progresso e da ordem (inter)nacionais devem ter como base a mais ampla tolerância dentro da mais estrita independência. Por que a insistência recorrente?

 

VI – Epílogo

 

 

 

 

Rio de Janeiro, 9 de julho de 2006.

 



Bibliografia

 

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LAGARRIGUE, Jorge. A ditadura republicana segundo Augusto Comte. Tradução de J. Mariano de Oliveira. Porto Alegre: Escola Técnica Parobé, 1957.

LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.

LOGOS - ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Volume IV. Lisboa, São Paulo: Verbo, 1991.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 1965.

MORAES FILHO, Alfredo de. Humanidade: a deusa do futuro. Rio de Janeiro: Gráfica e Editora do Livro Ltda., 1982.

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_______. A educação e a instrução no Positivismo. Rio de Janeiro: Dilmar Artes Gráficas Ltda, 1985.

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RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. Castilhismo: uma filosofia da república. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980.

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http://www.eticaefilosofia.ufjf.br/7_2_velez.html

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/rs3.htm

http://pt.wikipedia.org/
wiki/J%C3%BAlio_de_Castilhos_(pol%C3%ADtico)

Fundo musical:

Polquinha

Fonte:

http://saojoaodospatos.br.tripod.com/midis.htm

 

Anexo I

 

A Segunda Morte de Júlio de Castilhos

Mário Maestri

Fonte: http://www.unidadepopular.org/maestri5.htm

 

 

O Sentido Social do Castilhismo

 

Em 24 de outubro, há um século, Júlio de Castilhos morria durante operação de câncer na garganta, realizada em sua residência, em Porto Alegre. Tinha, então, 43 anos. O transcurso do primeiro centenário da morte do fundador da ordem republicana que regeu a vida do Rio Grande do Sul por mais de três décadas apenas exacerbou a critica dos últimos anos contra ele e a ordem que ajudou a fundar.

Obras literárias, ensaios historiográficos, matérias jornalísticas etc. com pretensões revisionistas centram-se, ultimamente, sobretudo na denúncia do caráter ditatorial do Estado republicano sulino, comandado por Júlio de Castilhos e, após sua morte, em 1903, por Borges de Medeiros, até 1928, e na apologia direta e indireta dos políticos e movimentos das elites que se opuseram frontalmente a eles.

A ascensão do castilhismo-borgismo não significou o assalto do Estado por homens sedentos de poder, como propõem explicações simplistas de cunho liberal, conservador e idealista. Não representou, igualmente, a consolidação de um bloco político revolucionário, como sugeriram interpretações apologéticas daqueles sucessos.

 

Golpe Republicano

 

Nos fins do Império, a economia sulina mergulhara na estagnação devido ao esgotamento do padrão econômico tradicional centrado na exportação de charque e de couros para as demais províncias brasileiras e o exterior. Entretanto, esta estagnação não era geral.

Na segunda metade do século 19, a agricultura camponesa e capitalista, o comércio, o artesanato, a manufatura, a produção fabril da Serra, do Litoral e da Depressão Central em expansão haviam arrebatado a hegemonia econômica ao latifúndio meridional, que controlava, porém, ferreamente a política da Província através do Partido Liberal

Antes de 1889, os republicanos defendiam projeto reformista-conservador para o Rio Grande através de diversificação da produção assentada no mercado regional que garantisse crescentemente a autonomia sulina. Porém, eles foram mantidos no ostracismo pelo regime eleitoral censitário e elitista do Império.

O golpe republicano de 15 de novembro pôs abaixo a monarquia e o governo liberal recém-eleito, permitindo que os republicanos rio-grandenses ingressassem e se mantivessem no governo sulino, apoiados pelo governo central, temeroso de revanchismo dos liberais-monáquicos, muito fortes no Sul.

Com o poder regional crescentemente nas suas mãos, os republicanos sul-rio-grandenses interpretaram as forças sociais proprietárias em ascensão nas últimas décadas da monarquia – comerciantes, criadores serranos, exportadores, financistas, industrialistas, plantadores, proprietários coloniais etc. – conquistando novo e forte conteúdo político e social. Em geral, esses segmentos não possuíam representação política orgânica.

 

Novo Bloco Social

 

Em Júlio de Castilhos e sua época [3ª ed. Porto Alegre: UFRGS, 1996] o historiador Sérgio da Costa Franco, pioneiro na definição do sentido profundo da ordem republicana sulina, lembra que apesar da chegada dos castilhistas ao poder não ter significado mudança radical da classe dominante por segmentos subalternizados, ensejou clara promoção de grupos sociais que estavam até então à margem do poder.

Os setores proprietários emergentes apoiaram as políticas aduaneira e tributária e os importantes investimentos efetuados pelos republicanos na ampliação dos meios de comunicação – ferroviários, rodoviários, fluviais, lacustres e portuários. Essas e outras medidas mobilizavam-se pela extensão dos espaços de produção, circulação e realização capitalista no Estado.

Foi também significativa a adesão de setores urbanos médios interessados na proposta de qualificação e de expansão da intervenção do Estado. O resultado do confronto em curso não era igualmente indiferente às classes trabalhadoras. A vitória do projeto modernizador republicano, ainda que conservador, permitia maior espaço relativo de realização econômica e de intervenção política e social para as classes subalternas.

A expansão econômica do setentrião em relação ao meridião sulino determinara que, enquanto a população da primeira região crescia sem interrupção, a da segunda mantinha-se em estagnação tendencial. O regime eleitoral republicano permitiu que o Norte, mais populoso, vergasse o Sul despovoado, em pleitos em que a trapaça era regra e jamais a exceção.

 

Essência e Consciência

 

A historiografia sulina explicou tradicionalmente o centralismo e o autoritarismo castilhista-borgista como decorrências da adesão ao credo comtiano. Ao contrário, é necessário definir os interesses sociais e econômicos que levaram à adoção dessa filosofia como expressão cultural do republicanismo rio-grandense.

A proposta de equilíbrio orçamentário, um dos dogmas da doutrina administrativa comtiana, correspondia às necessidades de produção mercantil simples que se ampliava através da extensão de sua área de atuação, permitida por crescimento do mercado regional e nacional garantido sobretudo pela melhoria dos meios de transportes.

O Positivismo interpretava o novo bloco social. Entretanto, quando o apoio à expansão da produção capitalista regional exigiu intervenção do Estado na economia, o governo violou sem pruridos aquele axioma comtiano e contraiu forte dívida pública para encampar a rede ferroviária e portuária regionais exploradas por capitais estrangeiros.

O autoritarismo castilhista-borgista não foi uma idiossincrasia filosófica ou individual. A monocracia comtiana permitiu que a nova ordem afastasse do poder os interesses oligárquicos, impulsionando as transformações de cunho capitalista, sem interromper a subalternização dos trabalhadores. A longa permanência do PRR deveu-se sobretudo à coesão das forças sociais que apoiavam seu projeto, e não simplesmente à repressão.

Os republicanos dissidentes e os liberais-federalistas conquistaram o poder regional em novembro de 1991, quando da queda do marechal Deodoro da Fonseca, sendo facilmente defenestrados do governo pelos castilhistas, em junho de 1892. A fragilidade do Governicho, igualmente autoritário, comprova a perda de dinamismo dos segmentos sociais liberal-pastoris.

 

Guerra Fratricida

 

Em 1893-5, a inusitada violência da Guerra Federalista travada entre os blocos republicano em ascensão e o liberal-federalista em declínio – dez mil mortos em população regional de um milhão de habitantes – expressou a importância dos interesses econômicos, sociais e políticos em jogo e não surto de barbarismo mal-explicado.

O castilhismo-borgismo não possuía antagonismos estruturais com a produção latifundiária, à qual propôs opções modernizadoras. Porém, a nova orientação republicana feria profundamente interesses estruturais do latifúndio pastoril, representados pelos federalistas, refundação republicana do velho partido liberal rio-grandense.

Os federalistas opunham-se radicalmente ao protecionismo republicano da produção regional, viabilizado pela repressão ao contrabando do Prata. O contrabando deprimia as rendas do Estado e a produção sulina, sobretudo serrana, restringindo o mercado regional, mas barateava os meios de subsistência dos trabalhadores envolvidos na produção pastoril-charqueadora.

Os interesses do meridião sulino desinteressavam-se do mercado regional, pois vendiam o charque e os couros no exterior do Rio Grande. Os federalistas denunciavam a reorientação dos investimentos em obras infra-estruturais, em educação etc. como desvio das rendas públicas de seu destino natural, ou seja, a satisfação dos interesses pastoris-charqueadores.

O novo Estado republicano contraditava igualmente interesses pastoris ao taxar a propriedade da terra e sua transmissão, ao limitar a apropriação latifundiária das terras públicas do norte do Rio Grande, destinando-as à imigração colonial etc.

 

O Projeto Federalista

 

Em 1893-5, os republicanos acusaram os chefes federalistas de restauradores e separatistas. É mais correto propor que as simpatias monarquistas fossem fortes entre eles, sobretudo porque, após a morte de Pedro II, os federalistas compreenderam a grande dificuldade de um retorno à monarquia.

O fato de republicanos dissidentes encontrarem-se entre as filas maragatas limitava igualmente as tendências monarquistas federalistas. À medida que o PRR expressou um bloco social em contradição com a grande produção pastoril, republicanos históricos, positivistas ou não, ligados direta ou indiretamente ao latifúndio, aderiram à oposição.

Não seria antipática aos chefes federalistas a separação da Campanha e uma eventual adesão ao Uruguai. Essas visões jamais se materializaram em projetos concretos. Os federalistas mobilizaram-se por uma democratização elitista da ordem política sulina que lhes permitisse, ao menos, interromper as transformações em curso.

Entretanto, uma vitória federalista em 1893-5 colocaria possivelmente em discussão a união do Rio Grande ao resto do Brasil, já que seria muito difícil a acomodação do parlamentarismo e do centralismo, defendida pelos maragatos, com o presidencialismo e o federalismo, implementado pelos republicanos, dominantes nacionalmente.

A economia pastoril da Campanha, articulada com o norte do Uruguai, prescindia do setentrião. Os federalistas podiam estender seu controle até as Missões, mas a Serra, a Depressão Central, o Planalto Médio e o Alto Uruguai jamais aceitariam seu domínio. Uma linha invisível passava por Uruguaiana, Alegrete, Santa Maria, Rio Pardo e Porto Alegre dividindo o Rio Grande em duas regiões antagônicas.

 

Arcaico e Moderno

 

Em 1893-5, a defesa dos projetos econômico-sociais federalistas e republicanos divergentes expressou-se também em organização militar diversa. Formadas por fazendeiros, peões e agregados, as tropas maragatas estavam precariamente armadas, dependendo das cavalhadas para a locomoção. Sua unidade básica era o fogão, ou seja, cinco a oito homens – a força de trabalho de uma fazenda – que se alimentavam, acampavam e combatiam solidários.

Ao contrário, os republicanos possuíam tropas militares modernas, bem armadas, formadas parcialmente por soldados, suboficiais e oficiais profissionais que utilizavam as ferrovias para se locomoverem, e conheciam divisão e especialização de funções – infantaria, cavalaria, artilharia, intendência etc. No campo de batalha, defrontavam-se o passado e o futuro.

Do resultado da Revolução Federalista dependeu a orientação da história gaúcha. Se vencessem os federalistas, a colonização seria interrompida, o contrabando, liberalizado e as rendas estatais entregues aos interesses pastoris. A vitória dos pica-paus impediu que o Rio Grande se transformasse, no melhor dos casos, em um Uruguai falando português ou, no pior, em um imenso Bagé!

Os castilhistas-borgistas compreendiam-se como defensores do Estado republicano e do federalismo regional conquistados com a derrota da monarquia, em 1889, e de seus representantes, em 1893. Viam-se como intérpretes da ciência, do progresso e da civilização contra os resquícios do obscurantismo monárquico e escravista.

Os republicanos fundaram o moderno Estado gaúcho, ampliaram a produção, circulação e realização de mercadorias, limitaram as supervivências pré-capitalistas da produção latifundiária que se apoiava na renda da terra e que possuía ampla esfera de produção natural e praticava formas não-capitalistas de assalariamento.

 

Tarefa Democrática

 

O grande limite da modernização castilhista-borgista foi sua negativa de pôr fim ao latifúndio, tarefa imprescindível ao desenvolvimento da produção agrícola, manufatureira e industrial, que esbarrava no acanhado mercado e na baixa taxa de acumulação pastoril.

A expropriação do latifúndio era programa que se encontrava além dos mais avançados sonhos modernizadores republicanos. A sua realização necessitava mobilização dos trabalhadores do campo de desdobramentos inaceitáveis aos senhores do poder. A democratização republicana da terra restringiu-se ao apoio à expansão da propriedade colonial.

A ditadura da ordem castilhista-borgista abateu-se igualmente sobre as classes trabalhadoras sulinas das cidades e do campo, às quais fortaleceu objetivamente. Frágeis, dispersas e inexperientes, elas não conseguiram expressar em forma clara e permanente um projeto político autônomo, permitindo que a oposição à nova ordem republicana fosse feita sobretudo pelo passado, e não pelo futuro

 

Neo-maragatos

 

A incessante campanha ideológica liberal-conservadora dos últimos anos desenvolve-se sobretudo através da apologia dos líderes federalistas e libertadores – Gaspar Silveira Martins, Gumercindo Saraiva, Assis Brasil etc. – e da execração dos próceres republicanos – Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros etc.

Essa operação ideológica tem seu melhor exemplo no ensaio, de grande sucesso, de Décio Freitas sobre Júlio de Castilhos – O homem que Inventou a Ditadura no Brasil [Porto Alegre: Sulina, 1998] – no qual Gaspar Silveira Martins surge como verdadeiro herói do passado sulino e Castilhos como vilão democraticida.

A defesa das velhas lideranças liberais-latifundiárias da República Velha e a critiquice incondicional ao castilhismo-borgismo combatem indiretamente o direito e a obrigação do Estado de intervir em favor do desenvolvimento social e da proposta de produção e consumo voltado para o mercado interno.

A campanha contra o castilhismo-borgismo constitui elogio indireto das políticas neo-liberais de achincalhamento do Estado e da privatização e internacionalização da economia e da sociedade que nos últimos anos rapinaram e destruíram bens e serviços públicos construídos e organizados quando da primeira gestão republicana do Rio Grande.

Ao voltar à liça, desfraldando as velhas bandeiras do Liberalismo e da grande propriedade, os maragatos do novo milênio constrangem-se apenas em envergar aquele que foi a mais querida marca material de seus ancestrais sociais e ideológicos, já que ela constitui hoje o símbolo de tudo que abominam e daqueles que mais combatem – o orgulhoso lenço vermelho que, negando-se a aceitar qualquer derrota, retorna sempre bizarro ao combate.