Carlos Castaneda

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Objetivo do Texto

 

 

 

Este breve e despretensioso estudo teve por finalidade garimpar aqui e ali alguns pensamentos e ensinamentos de Carlos Castaneda, que deu a conhecer ao mundo a Toltequidade (náhuatl toltecayotl, a Toltequidade é o legado ideológico das culturas pré-colombianas mesoamericanas, ou seja, arte para viver), que está muito relacionada com a história de Quetzalcoatl (rei que depois foi adorado como Deus, e, mais adiante, seria um dos deuses principais dos Astecas), e o Nagualismo.

 

Outra vez devo advertir: concordar ou discordar dialeticamente do pensamento de um autor é um privilégio de nossa liberdade, do qual ninguém deve abrir mão. Agora, descartar ou desqualificar liminarmente uma reflexão é, no mínimo, um preconceito. Tenha isto em mente ao ler os fragmentos que selecionei.

 

Seja como for, qualquer místico ou espiritualista encontrará muitos pontos coincidentes, concordantes, entre o que aprendeu em sua fraternidade ou religião e as idéias transmitidas por Castaneda. Então, darei duas dicas: mais abaixo, ao ler os fragmentos, troque, por exemplo, a palavra feitiçaria por domínio da vida, e a palavra Guerreiro por Iniciado. Enfim, como disse Don Juan, temos um predador que veio das profundezas do Cosmos e que se apoderou das nossas vidas. Os seres humanos são os seus prisioneiros. O predador é o nosso senhor e mestre. Ele tornou-nos dóceis, indefesos. Se quisermos protestar, ele suprime os nossos protestos. Se quisermos agir independentemente, ele exige que não o façamos… Eu pergunto: até quando continuaremos prisioneiros, seja do predador de Don Juan, seja de nós mesmos? Quando nos libertaremos? Todavia, a liberdade jamais será encontrada do lado de fora, nas Igrejas, nas Sinagogas, nas Mesquitas, nos Barracões, nas Roças, nos Templos, nas Lojas... Miguel Torga nos ensina: Liberdade, que estais em mim, santificado seja o vosso nome.

 

 

 

Guerreiros Toltecas

Guerreiros Toltecas
(Estátuas dos Atlantes, Tula, México)

 

 

 

 

Breve Biografia

 

 

 

Carlos Castaneda

Carlos Castaneda

 

 

Carlos Castaneda ou Carlos Aranha Castaneda (25 de dezembro de 1925 – 27 de abril de 1998) foi um escritor e antropólogo formado pela Universidade da Califórnia (UCLA). Notabilizou-se após a publicação, em 1968, de sua dissertação de mestrado intitulada The Teachings of Don Juan (a Yaqui Way of Knowledge), lançado no Brasil como A Erva do Diabo. Através de uma série de livros que publicou a partir de 1968, Castaneda deu a conhecer ao mundo a Toltequidade (tradução de náhuatl toltecayotl, legado ideológico da cosmovisão das culturas pré-colombianas mesoamericanas, ou seja, arte para viver) e o Nagualismo. A Toltequidade, nome genérico dado ao conhecimento tolteca (mestre construtor), se baseia em uma série de princípios que foram recolhidos no Huehuetlahtolli po – Livro das Antigas Palavras que compila ensinamentos tradicionais conservados pela tradição oral e outros documentos. Os principais seriam os seguintes:

Tenham grande cuidado ao buscar a amizade de Aquele que está em todas as partes e é invisível e impalpável. Mantenham a paz com todos; por nada do mundo humilhem outra pessoa. Não percam o tempo que nos foi outorgado neste mundo, nem de dia nem de noite, porque o tempo é sumamente necessário.

Deste modo, vos convertereis em Toltecas: se adquirirdes o hábito e o costume de consultá-Lo em tudo com vosso próprio Coração.

Não é pela existência coletiva que Nosso Senhor nos conserva sobre a Terra. Que possamos chegar a viver por nosso mérito e pelo Teu!

Estou te liberando da Terra, da obscuridade, da sordidez e do que é mortal. Estou te desatando da condição de símio. Sou o Grande Libertador. Adiante, Iniciado. Esforça-te! (Ritual dos Bacabs).

 

Sua obra consiste em onze livros autobiográficos no qual relata as supostas experiências decorrentes de sua associação com o bruxo conhecido por Don Juan Matus, índio da tribo Yaqui do deserto de Sonora, no México. Um 12° livro chamado Magical Passes (Passes Mágicos) foi lançado, mas destoa do conjunto da obra, se aproximando mais de um manual prático de aplicação de exercícios corporais.

 

A Erva do Diabo se tornou um best-seller entre os jovens do movimento hippie e da contracultura, que rapidamente elegeram Castaneda um guru da nova era e formaram legiões de admiradores que queriam, por conta própria, reviver as experiências descritas no livro.

 

Uma controvérsia se formou em torno de sua figura tanto por parte de admiradores, que queriam encontrar Don Juan pessoalmente e de alguma forma fazer parte do processo de aprendizado, quanto de céticos, que queriam encontrar motivos para desacreditá-lo academicamente, argumentando que o testemunho fornecido em seus escritos era ficcional e apontando a escassez de fontes documentais sobre sua pesquisa de campo junto ao mestre indígena.

 

Em 1973, no auge de sua fama, a conhecida revista norte-americana Time publicou uma extensa matéria de capa sobre o autor. Esta só foi conseguida depois de muita insistência junto aos agentes literários de Castaneda que, inclusive, posou para fotos em ângulos parciais, o que sempre evitava a todo custo. A abrangente matéria notabilizou-se por publicar o resultado de uma suposta investigação envolvendo a biografia de Castaneda antes da fama, e tinha, entre seus objetivos implícitos e explícitos, o propósito de retratá-lo como um mentiroso. A reportagem alega que Castaneda era peruano, nascido na cidade andina de Cajamarca, cuja origem remonta ao império inca. A reportagem cita amigos da terra natal e mesmo uma irmã de Castaneda falando sobre traços da personalidade de Castaneda, como alguém dono de imaginação fértil e entregue ao vício do jogo. Segundo ela, Castaneda seria filho de um relojoeiro e teria nascido no ano de 1925. Aos 24 anos, em 1951, teria decidido imigrar para os EUA após a traumática morte da mãe. No livro de entrevistas Conversando com Carlos Castaneda, da jornalista Carmina Fort, Castaneda, décadas depois, lamenta a decisão da Time de publicar estes dados, que teriam sido inseridos porque ela precisava de uma história. O autor ironiza o esforço da matéria em situar sua ascendência junto a índios sul-americanos.

 

Segundo o próprio Castaneda, ele teria nascido no Brasil, em 1935, no extinto município de Juqueri, hoje Mairiporã, acidentalmente, no meio de uma família conhecida. Um parente – pelo lado paterno – era o famoso diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, presidente da ONU e embaixador em Washington por duas vezes. Após a morte de sua mãe, quando tinha 6 anos, sua criação ficou a cargo dos avós maternos, pequenos proprietários rurais de uma granja. Episódios da sua infância no interior de São Paulo são descritos primeiramente em Viagem a Ixtlan e com mais detalhes em seu último livro, O Lado Ativo do Infinito.

 

O jovem Castaneda foi enviado para um importante colégio de Buenos Aires, o Nicolas Avellaneda, onde permaneceu até os 15 anos estudando e onde provavelmente aprendeu o espanhol, que mais tarde viria exercitar no México. Tornando-se um problema para a família pelo seu comportamento revoltoso, Oswaldo Aranha, seu tio famoso e patriarca da família, teria intercedido para que ele arrumasse um lar adotivo em Los Angeles, Califórnia, em 1951. Depois de se formar na Hollywood High School, tentou cursar Belas Artes em Milão, na Itália, mas abandonou o curso por falta de afinidade, voltando, então, para os EUA e matriculando-se no curso de Psicologia Social da UCLA, escolha que seria alterada posteriormente ao mudar o curso para Antropologia.

 

Como relata em entrevista para Sam Keen, pensando em ir para o curso de Antropologia, buscava a publicação de um paper para dar início à carreira acadêmica. Havia lido e escrito um pequeno ensaio sobre o livro de Aldous Huxley, As Portas da Percepção, que havia celebrizado no mundo ocidental os efeitos psicotrópicos da mescalina, alcalóide alucinógeno presente em grandes quantidades no botão do cacto de peiote, que era usado de forma ritual por vários povos indígenas americanos. Pesquisou o tema das plantas medicinais em livros como o de Weston La Barre, O Ritual do Peiote, e partiu para o trabalho de campo. Foi então para o estado de Arizona, onde conheceu o índio brujo conhecido como Don Juan. Este viria a ser seu guia, e é personagem central nos livros autobiográficos que escreveu. O encontro com o índio foi um episódio marcante, que é recontado várias vezes na sua obra. Em uma estação rodoviária, indicado por um colega da faculdade, Castaneda aproximou-se e apresentou-se como especialista em peiote, convidando o índio a lhe conceder entrevista. Como não sabia virtualmente nada a respeito do cacto, segundo relata, Don Juan teria captado sua mentira e devolvido-a com um olhar. Este olhar foi bastante significativo, pois Castaneda, normalmente um homem falante e extrovertido, ficou sem ação e tímido ao ser perscrutado. Nas explanações posteriores, diz que Don Juan o havia capturado com o olhar mostrando-lhe o nagual, pois havia visto que Castaneda poderia ser o homem que ele procurava para lhe passar seu conhecimento. Depois de mais alguns encontros, Don Juan lhe anuncia sua decisão e decide levá-lo a experimentar as plantas medicinais que Castaneda tanto pedia.

 

Aos poucos o jovem ocidental e acadêmico foi sendo posto ao encontro de experiências cognitivas que desafiavam o poder de explicação de sua razão, sendo forçado finalmente a mudar toda a sua concepção de mundo em prol das novas explicações que o mestre lhe fornecia e que ia compreendendo, gradualmente. Como explica no sexto livro, O Presente da Águia, o sistema de interpretações e crenças que se dispôs a estudar terminou por engalfinhá-lo, ao se revelar tão ou mais complexo que o sistema ocidental de interpretações do mundo. Este é um ponto chave da obra, antes inédito na Antropologia e uma das fontes das acusações difamadoras que foi recebendo aos poucos. Pela primeira vez, um estudioso e intelectual ocidental admitia a inoperância das suas ferramentas teóricas para classificar o objeto de estudo. O jovem ocidental viu-se forçado a admitir sua fraqueza e sua vida desordenada e vazia, e um indígena aparecia como um caçador e um Guerreiro, dono de um propósito inabalável e capaz de manipular e influenciar profundamente sua percepção e visão de mundo.

 

Em junho de 1998, foi divulgada, muito discretamente, a notícia da morte de Carlos Castaneda, ocorrida supostamente dois meses antes, em função de um câncer.

 

 


 

Pensamentos Castanedianos

 

 

 

Carlos Castaneda

Carlos Castaneda

 

 

 

Importante é o que nós somos; não o que éramos.

 

Eu não estava sequer preparado para fazer as mudanças na minha vida que a minha associação com Don Juan requisitou.

 

Se você pesquisar a história da conquista espanhola, no México, encontrará que os inquisidores católicos tentaram acabar com a feitiçaria porque a consideraram como uma coisa do demônio. Ela tem estado por aí há muitos milhares de anos. A maioria das técnicas que Don Juan me ensinou é muito antiga.

 

Existe muito mais no Universo do que normalmente confessamos conhecer. Nossas expectativas usuais acerca da realidade são criadas por um consenso social. Nos ensinam como ver e perceber o mundo. O truque da socialização consiste em nos convencer de que as descrições que estamos de acordo definem os limites do mundo real. O que chamamos de realidade é apenas um modo de ver o mundo; um modo que é sustentado pelo consenso social.

 

Nós temos que aprender a caminhar; mas, uma vez que aprendemos, ficamos sujeitos à sintaxe da linguagem e ao modo de percepção que ela contém.

 

Para quebrar a certeza do mundo que sempre lhe foi ensinado, você deve aprender uma nova descrição do mundo – feitiçaria e, então, manter a velha e a nova juntas. Então, você percebe que nenhuma das duas é final. No momento que você desliza entre as descrições, você pára o mundo e vê. Você sente o assombro, o verdadeiro

 

Eu nunca tomei LSD, mas o que entendi dos ensinamentos de Don Juan é que os psicotrópicos são usados para interromper o fluxo das interpretações ordinárias, para aumentar as contradições dentro das interpretações e para romper as certezas. Mas somente as drogas não possibilitam você parar o mundo. Por isto, Don Juan teve de me ensinar feitiçaria.

 

Na sociedade européia, o mundo é construído em grande parte pelo que os olhos informam à mente. Na feitiçaria, o corpo todo é usado como percepiente (sic). Como europeus, vemos o mundo ao redor de nós e falamos sobre ele. Nós estamos aqui e o mundo está lá. Os nossos olhos alimentam a razão e não temos conhecimento direto das coisas. De acordo com a feitiçaria, esta sobrecarga dos olhos é desnecessária.

 

A feitiçaria tem uma teoria diferente de personificação. O problema da feitiçaria é o de harmonizar e arrumar seu corpo para ser um bom receptor. Os europeus lidam com seus corpos como se eles fossem um objeto. Nós os enchemos de álcool, comida ruim e inquietações. Se alguma coisa está errada, nós pensamos que germes de fora invadiram o corpo, e, então, importamos algum medicamento para curá-lo. A doença não é parte de nós. Don Juan não acreditava nisto. Para ele, a doença é a desarmonia entre um homem e seu mundo. O corpo é consciente e deve ser tratado impecavelmente.

 

Nós sempre vemos o desconhecido nos termos do conhecido.

 

Nós podemos nos tornar capazes de falar com qualquer animal.

 

 

 

 

 

Uma noite, sonhei que havia uma cobra no sótão da casa onde eu vivia quando era criança. Peguei um pau e tentei matá-la. De manhã, falei sobre o sonho a um amigo e ele me disse que não era uma coisa boa matar cobras, mesmo se elas estivessem no sótão em um sonho. Ele me sugeriu que na próxima vez que aparecesse uma cobra em um sonho, eu deveria alimentá-la ou fazer alguma coisa para atrair sua amizade. Cerca de uma hora depois, eu estava dirigindo meu patinete motorizado em uma estrada pouco usada, e lá, esperando por mim, estava uma cobra de quatro pés, estirada no seu banho de Sol. Eu a contornei e ela não se mexeu. Depois de nos olharmos por um tempo, eu pensei que deveria fazer algum gesto para mostrar que estava arrependido de ter matado seu irmão, em meu sonho. Eu cheguei perto e toquei sua cauda. Ela se enrolou mostrando que eu havia invadido sua intimidade. Então, eu voltei e fiquei apenas olhando. Cinco minutos depois, lá se foi ela para trás dos arbustos... Um homem pode aprender a chamar as serpentes. Mas você precisa estar em excelente forma, calmo, controlado, com um humor amigável, sem nenhuma dúvida ou assuntos pendentes.

 

O truque, nos sonhos, é sustentar as imagens tempo o bastante para que possamos examiná-las cuidadosamente. Para adquirir este controle, você deve escolher uma coisa antes e aprender a encontrá-la nos seus sonhos. Don Juan sugeriu que eu usasse minhas mãos como ponto fixo, e alternasse entre elas e as imagens. Após alguns meses, eu aprendi a usar minhas mãos e parar o sonho. Fiquei tão fascinado com esta técnica que espero ansioso pela hora de dormir.

 

Um homem de conhecimento deve acumular poder pessoal. Mas isto não é suficiente para parar o mundo. É necessário algum abandono. Você precisa parar a conversa que está ocorrendo internamente e se render ao mundo exterior.

 

No momento, minha maior técnica está em romper as rotinas. Eu sempre fui uma pessoa muito rotineira. Eu comia e dormia sempre nos mesmos horários. Em 1965, comecei a mudar meus hábitos. Eu escrevia nas horas quietas da noite e dormia quando sentia necessidade. Agora, eu desmantelei tanto meus hábitos usuais que posso me tornar imprevisível e surpreendente até mesmo para mim... É um desafio viver sem rotinas em um mundo rotineiro. Mas é possível.

 

Não há necessidade de transcender o mundo. Tudo o que você precisa saber está aqui defronte nós, se prestarmos atenção. Se você entrar em um estado de realidade extraordinária, como faz quando usa plantas psicotrópicas, está apenas usando a força que precisa para ver o caráter milagroso da realidade ordinária. Para mim, o modo se viver, o caminho do Coração, não é introspectivo ou de transcendência mística, mas a presença no mundo. Este mundo é o campo de caçada do Guerreiro.

 

As plantas, assim como os animais, sempre afetam você. Don Juan dizia que se você não pedisse desculpas para as plantas por colhê-las, você provavelmente ficaria doente ou sofreria um acidente.

 

Nós temos uma associação com toda forma de vida. Alguma coisa se altera toda vez que machucamos a vida vegetal ou animal. Nós tiramos a vida para sobreviver, mas devemos querer abrir mão de nossa própria vida sem ressentimentos quando chegar nossa vez. Nós somos tão importantes e nos levamos tão a sério que esquecemos que o mundo é um grande mistério que pode nos ensinar, se escutarmos.

 

Don Juan vive em um tempo mágico e ocasionalmente volta para o tempo normal. Eu vivo no tempo normal e ocasionalmente entro no tempo mágico.

 

Don Juan usou plantas psicotrópicas no período intermediário do meu aprendizado porque eu era muito estúpido, sofisticado e arrogante. Eu me agarrava à minha descrição do mundo como se ela fosse a única verdade. Os psicotrópicos criaram um vácuo no meu sistema de interpretações. Eles destruíram minha certeza dogmática. Mas eu paguei um enorme preço. Quando a cola que segurava meu mundo unido foi dissolvida, meu corpo estava fraco e eu demorei meses para me recuperar. Eu fiquei ansioso e funcionava em um nível muito baixo.

 

Para escapulir dentro e fora de diferentes mundos você deve permanecer discreto. Quanto mais você for conhecido e identificado, mais sua liberdade vai ser reduzida. Quando as pessoas tiverem idéias definitivas sobre quem é você e como você vai agir, você não poderá mais se mexer. Uma das primeiras coisas que Don Juan me ensinou foi que eu tinha que apagar minha história pessoal. Se, aos poucos, você criar uma névoa em torno de si, então, você não vai ser tomado como garantia e você tem mais espaço para se mexer. É por causa disso que eu impeço gravações de áudio e fotografias quando dou palestras.

 

Para mim, as idéias de ser um Guerreiro e um homem de conhecimento, com a esperança de eventualmente parar o mundo e ver, têm sido as mais adequadas. Elas têm me dado paz e confiança na minha capacidade de controlar minha vida. Na época que encontrei Don Juan, eu tinha muito pouco poder pessoal. Minha vida havia sido muito errática. Eu percorri um longo caminho desde o local do meu nascimento, no Brasil. Exteriormente, eu era agressivo e arrogante, mas interiormente era indeciso e incerto acerca de mim. Estava sempre forjando desculpas para mim mesmo. Don Juan uma vez me acusou de ser uma criança profissional porque eu estava cheio de auto-piedade. Eu me sentia como uma folha ao vento. Como acontece com a maioria dos intelectuais, minhas costas estavam contra o muro. Eu não tinha lugar para ir. Eu não podia perceber nenhuma forma de vida que realmente me excitasse. Eu pensei que tudo o que poderia fazer era uma acomodação amadurecida para uma vida de tédio ou encontrar formas mais complexas de entretenimento como usar drogas psicodélicas, maconha e ter aventuras sexuais. Tudo isto era aumentado pelo meu hábito de ser introspectivo. Eu estava sempre olhando para dentro de mim e falando comigo mesmo. O diálogo interno raramente parava.

 

Uma das interpretações da feitiçaria é: a morte está à sua esquerda. A morte é um juiz imparcial que lhe dirá a verdade e lhe dará conselhos precisos. Afinal, a morte não está com pressa. Ela lhe pegará em um dia, em uma semana ou em 50 anos. Não faz diferença para ela. No momento que você pensa que eventualmente deve morrer está reduzindo o lado direito... Quando seu corpo está adequadamente sintonizado com o mundo e você vira os olhos para a esquerda, você pode testemunhar um evento extraordinário: a presença sombria da morte... Quando a morte permanece à sua esquerda, você deve criar o mundo a partir de uma série de decisões.

 

Se não há como saber se eu tenho apenas mais minuto de vida, devo agir como se cada instante fosse o último. Cada ato é a última batalha do Guerreiro. Então, tudo deve ser feito impecavelmente. Nada pode ser deixado pendente. Esta idéia foi muito libertadora para mim. Eu estou aqui falando com você e talvez nunca volte para Los Angeles. Mas não importa, porque eu cuidei de tudo antes de vir para cá.

 

Não existem decisões grandes ou pequenas, apenas decisões que devem ser tomadas agora. E não há tempo para dúvidas ou remorsos. Se eu passar o meu tempo lamentando o que fiz ontem, eu evito as decisões que tenho de tomar hoje.

 

O caminho do Guerreiro é um modo de vida poderoso e vigoroso.

 

Um gesto é um ato deliberado que é responsável pelo poder que advém de tomar uma decisão. Por exemplo: se um Guerreiro encontra uma cobra que está dormente e fria, ele pode se esforçar por levar a cobra para um lugar quente sem ser mordido. O Guerreiro pode decidir fazer um gesto sem nenhum motivo. Mas ele vai fazê-lo perfeitamente.

 

O que eu quero fazer, e talvez consiga executar, é superar o controle da minha razão. Minha mente tem estado no controle a minha vida toda, e ela preferiria me matar a abandonar este controle. Em um dado ponto de meu aprendizado, eu fiquei profundamente deprimido. Eu estava cheio de medo, obscuridade e pensamentos sobre suicídio. Então, Don Juan me alertou que este é um dos truques da razão para manter o controle. Ele disse que minha razão estava fazendo meu corpo sentir o que eu não havia sentido na vida. Uma vez que minha mente travou esta última batalha e perdeu, a razão começou a assumir o local apropriado de ser apenas uma ferramenta.

 

Aprendi que as duas realidades poderiam ser dividas no que Don Juan denominava 'tonal' (consciente) e 'nagual' (que não se fala). Na realidade do consenso social, o bruxo, o homem de conhecimento, é um perfeito 'tonal' – um homem do seu tempo, atual, que usa o mundo da melhor forma possível. Nós usamos história como uma forma de recapturar o mundo passado e planejar para o futuro. Para o bruxo, passado é passado e não existe história pessoal nem coletiva... Como Don Juan, procuro viver como feiticeiro.

 

Não dou ênfase na importância de minha pessoa. Este é um ponto crucial dos ensinamentos que recebi de Don Juan. Raramente converso com alguém, e quando converso é face a face. Nada de gravadores ou de fotografias, que trariam peso sobre a minha pessoa. Além de ferir uma das premissas básicas da feitiçaria e da bruxaria, eu estaria tolhendo minha própria liberdade. Quando enfatizo a minha pessoa, estou me tachando a mim mesmo, estou colocando nas minhas costas um peso que vai além das minhas possibilidades de carregá-lo. Colocar tal peso nas costas é dar uma enorme importância à minha própria pessoa. Durante os ensinamentos, Don Juan fazia esboços na areia do deserto com o dedão do pé e preenchia os círculos com verbosidade. Ele dizia que 'cargase a uno mismo' conduz a pessoa a um senso 'importancia personal' que combinados não permitem 'acciones' por parte da pessoa. Quanto mais peso as pessoas acumulam, mais importantes elas se sentem, e menos ações elas executam.

 

O bruxo cumpre tarefas que são colocadas em lugar do peso sobre si mesmo e da importância pessoal... O bruxo cumpre as tarefas que lhe dão satisfação. Ele as cumpre sem esperar por reconhecimento da sociedade ou coisa que o valha, o que seria o 'carregar-se a si mesmo' exercitado pelo erudito, com o objetivo de obter importância pessoal, o que não é meu caso.

 

Eu cumpro minhas tarefas tão fluidamente que elas não me afetam em termos de auto-importância, mas, sim, em termos de como vivo minha vida. Conheço dúzias de 'professores' que se colocam em uma torre de marfim de conhecimento. Eles sabem tudo, e comandam o espetáculo para as galerias; quanto mais aclamados ou quanto mais reconhecimento eles recebem, mais auto-importantes se sentem. Mas esta mesma auto-importância se torna peso, a cruz a ser carregada, e eles, como pessoas, não são nada. O trabalho as afeta em termos de auto-importância, mas não em termos de vida pessoal. A mim o trabalho afeta em termos de vida pessoal, mas não de auto-importância. Don Juan me alertou e aconselhou que nunca me tornasse um pavão, que é o resultado à ênfase da importância pessoal. Quanto menos a pessoa pensa e 'pseudo-age' em termos de auto-importância ela se torna mais completa. E quanto mais auto-importante se sente, mais incompleta se torna. O ser incompleto nasce da incessante procura por reconhecimento social.

 

O bruxo vive a vida por si e para si e não para as galerias. Ele não se deixa influenciar pelas reações de consenso social, pois não age em termos de auto-importância. Ele sabe 'parar o mundo', ou melhor, ele tem a capacidade de 'não fazer'.

 

O objetivo final do bruxo é se tornar um 'homem de conhecimento', mas antes ele tem que aprender a viver como um Guerreiro-pirata. Ele tem que ser um impecável caçador à procura de coragem e de disciplina. O Guerreiro-pirata age por si mesmo, e assume a responsabilidade por suas ações. No processo de me tornar Guerreiro-pirata, eu encontrei poder pessoal, isto é, o poder da coragem e da disciplina. Don Juan me ensinou a enxergar, a ver o mundo ao invés de simplesmente olhar. Ele me ensinou a interpretar o mundo não pelo que se apresenta na superfície, mas pela essência. Entretanto, antes poder enxergar e interpretar o mundo como um Guerreiro-pirata, como um bruxo, tive que aprender como 'não fazer', tive que aprender como 'parar o mundo'. Como você pode notar, é quase que uma taxinomia de tarefas. Para se ter o entendimento de 'não fazer' é necessário explicar o significado de 'fazer'. 'Fazer' é o consenso que torna o mundo existente. O mundo da nossa realidade é realidade porque estamos envolvidos no 'fazer' desta realidade. As pessoas nascem com uma auréola de força, poder, que se desenvolve e se entrelaça com o consenso dominante. As pessoas olham o mundo da forma como lhe foi ditada, com os olhos do consenso dominante. Por outro lado, 'não fazer' é possível quando uma auréola extra de poder se desenvolve para formar a existência da realidade de um outro mundo. O Guerreiro-pirata não escapa do 'fazer' do mundo, mas luta dentro desta realidade – a realidade do consenso dominante, o que o auxilia na criação da auréola extra de poder. O ato de 'não fazer' conduz ao 'parar o mundo', que é o primeiro passo para 'enxergar'. O mundo da realidade ordinária, do dia-a-dia, nos parece do jeito que é por causa do consenso social. 'Parar o mundo' significa interromper a corrente comum de interpretação do mundo, do consenso dominante ou, em outras palavras, parar o consenso é enxergar o mundo como bruxo, em uma realidade não-ordinária. 'Parar o mundo' é viver em um espaço temporal mágico, enquanto que viver na realidade do consenso é viver em um espaço temporal ordinário.

 

Eu cheguei a fumar quatro maços de cigarros por dia, até que Don Juan sugeriu que eu usasse a minha compulsão para parar de fumar. Eu deveria ficar envolvido no 'não fazer' de fumar. Para isso, eu teria que observar o fazer de fumar. Comecei então a observar o 'fazer' de levantar pela manhã e procurar imediatamente meus cigarros; o 'fazer' de colocá-los no bolso; o 'fazer' de apalpar o bolso da minha camisa com minha mão esquerda para ter certeza de que os cigarros lá estavam. O lugar do cigarro, o fumar de dois deles no caminho da universidade, e assim por diante, constituíam o meu 'fazer' de fumar. Como eu, você pode observar o que constitui o seu 'fazer' de fumar. Uma medida sistemática de fazer leva a pessoa a não executar os detalhes do ato de fumar. Para 'parar o mundo' de fumar a pessoa tem que aprender a compulsivamente dizer não para o 'fazer' de fumar. Este exemplo é grosseiramente uma aplicação dos ensinamentos, pois eu parei de fumar logo nos primeiros contatos com Don Juan, mas somente consegui 'parar o mundo' da realidade ordinária depois de dez anos. A partir deste ponto, Don Juan deixou de usar plantas alucinógenas como parte dos ensinamentos.

 

Don Juan usou psicotrópicos e plantas alucinógenas como um auxílio aos ensinamentos. Uma vez atingido o objetivo, estes veículos se tornaram desnecessários. As drogas são maléficas para o corpo, e não têm nenhum defeito além de uma certa qualidade que o bruxo necessita.

 

O mundo, como nós o vemos, é apenas uma descrição, e cada item da descrição é uma unidade, o que eu chamo de 'gloss' (aparência externa). Uma árvore é um 'gloss', um quarto ou uma sala são 'glosses'. Nós colocamos significado ao 'gloss'-quarto como sento a reunião de pequenos 'glosses' – cama, cadeira, camiseira, armário. A realidade do consenso é formada por uma corrente infinita de 'glosses', os quais, por sua vez, são formados e interligados por pequenos 'glosses'. Esta corrente forma, na nossa realidade, um sentido comum, isto é, esta corrente de 'glosses' tem que fluir em uma direção preconcebida que nós chamamos consenso ou sentido comum. Para quebrar ou interromper a corrente, o bruxo usa drogas que criam um espaço vazio na corrente, implantando uma nova direção, a direção do sentido comum ou do bom senso da realidade não-ordinária (realidade da bruxaria). Sentido comum e bom senso estão diretamente ligados ao nosso corpo. Com o uso de drogas, há uma interrupção no bom senso e abertura de uma nova direção, e essa nova direção só pode ser encontrada com um guia (bruxo), pois, de outra forma, o uso de tais drogas é sem valor. O homem, geralmente, tem a idéia de gozar a vida através dos vícios. Um viciado é uma criança profissional. Interromper a corrente de 'glosses', parar o mundo, com o uso de drogas só pelo prazer de interromper, só pode causar dano, além de ser uma brincadeira cujo preço é caro. Uma vez que o corpo aprendeu a interromper a corrente, não há mais necessidade de auxílio para tal interrupção. A pessoa interrompe pela própria vontade.

 

O sucesso de Don Juan como psicoterapeuta é impressionante. Ele me fez cônscio de que eu era uma criança profissional, que eu estava colocando muito peso sobre mim mesmo, enfatizando minha importância de pessoa, e não transformando em ações minhas fantasias. Ele me ensinou a viver para o agora, a encarar a minha morte como um fato inevitável e existente em minha vida. O conceito de morte deve ser encarado como uma realidade. Don Juan me ensinou que, se eu me considerasse como morto, nenhuma das minhas ações teria importância pessoal, e, com isso, eu poderia mudar, ou mudanças poderiam ser feitas e tarefas seriam cumpridas. O fato inevitável da morte é muito mórbido para o homem ocidental, e, em conseqüência, o Ocidente procura interação social com o objetivo de ajustamento ao 'bom senso'.

 

O bruxo quebra a corrente do bom senso por vontade própria. Não é uma coisa acidental. Nas primeiras experiências, tenho quase certeza que sem um guia teria perdido o contato com a realidade do consenso; em outras palavras, eu não seria capaz de encontrar o caminho de volta à essa realidade. O guia orienta o aprendiz a sair da realidade do consenso e a entrar na estranha realidade da bruxaria, bem como sair daquela estranha realidade e voltar à realidade do consenso. Este exercício é repetido até que o aprendiz adquira o domínio da sua própria vontade. Para o psicótico, o exercício sobre a direção de um psicólogo clínico ou de um psiquiatra se resume a retornar à realidade do consenso e a permanecer conformado. O bruxo, além de guia, é o modelo de 'homem do conhecimento'. Para Don Juan, qualquer mudança somente é possível se a pessoa praticar seus próprios ensinamentos. Novamente a filosofia 'eu faço o que eu digo' prevalece.

 

Os sonhos, para um bruxo, não são simbólicos, mas frutos do controle que adquire através dos ensinamentos. Ele dorme sonhando sonhos produtivos, como que uma continuação do dia-a-dia, ao invés de sonhar sonhos ordinários comuns e sem controle. Aos poucos, uma pessoa consegue se disciplinar, a ponto de, sonhando, ser capaz de ver a sua própria imagem dormindo a sonhar. O caso extremo deste controle pode ser exemplificado pelo que Don Genaro afirma ser capaz: materialização de uma duplicada da sua própria pessoa. Com o controle dos sonhos, a pessoa pode aumentar a sua capacidade de ação. Todas estas realidades não-exploráveis da realidade do consenso formam um todo – o 'homem de conhecimento'.

 

A educação (formal e informal) do homem ocidental não dá margem a nada estranho ou diferente do consenso social. O que é fora da norma do nosso bom senso é considerado anormalidade. Também falta ênfase na noção de responsabilidade para consigo mesmo: não falamos suficientemente da responsabilidade para as nossas crianças, e por esta razão, poucos deixam de ser crianças, e vivem a vida como crianças-profissionais. Explicando melhor: a criança profissional é a pessoa que precisa de carinho e é recompensada por meio de atenção dispensada à sua pessoa. Ela é auto-importante, um eterno 'infant terible'. Queria deixar de uma vez por todas de ser criança, mas eu era muito querido por mim mesmo, e sempre tinha uma desculpa para que continuasse alimentando minha auto-importância. Não fazia nada, não produzia nada; as ações eram abafadas pelos meus planos, pelas minhas decisões e pelo meu senso de importância pessoal. Até que aprendi com Don Juan a deixar de ser criança profissional e me tornei Guerreiro-pirata. Ficar sentado, esperando que me dessem tudo ou sonhando acordado com a glória da minha auto-importância, não me trouxe nada. Eu tive que ir procurar coragem e disciplina.

 

Faço aquilo que digo, pratico aquilo que prego. E uma vez que sou honesto comigo mesmo, não me importa o quê e como a galeria pensa ou reage. Desta forma, sou livre dos altos e baixos. Veja o exemplo de Tinothy Leary, o guru do ácido lisérgico. Ele é um exemplo típico de excesso de auto-importância. Lá pelas tantas, o peso se tornou demasiado, e ele teve que pagar o preço extremo. Muitos são os escritores que pregam, mas não seguem a própria pregação; muitas são as pessoas que promovem um corpo forte e uma mente sadia, mas acabam destruindo gradativamente o próprio corpo e a própria mente. Don Juan era o modelo que fazia e praticava tudo aquilo que era colocado como tarefa para mim, durante todos os anos da aprendizagem.

 

Quando a pessoa tira o senso de auto-importância do seu caminho e toma a consciência de que o homem que puxa a corda e trama os pauzinhos é tão humano quanto eu ou você, ela pode atingir aquilo que quiser. A pessoa pode ser ultra-inteligente e cheia de recursos, mas se somente espera que as coisas lhe venham às mãos, quando não é atendida pelo mundo cai em um estado de ódio, de remorso e de medo. O Guerreiro-pirata não tem medo, ele não espera que as coisas venham até ele. Ele age, cumpre suas tarefas e, ao mesmo tempo, não se preocupa com as conseqüências.

 

Na verdade, o barulho pode ser usado. Você pode usar o barulho da buzina para treinar a si mesmo para ouvir o mundo exterior. Quando paramos o mundo, o mundo que paramos geralmente é o que é mantido pelo diálogo interno. Uma vez que você pára o blá-blá-blá interno você pára de manter este mundo. A descrição entra em colapso. É quando começa nossa mudança de personalidade. Quando você se concentra nos sons, percebe que é difícil para o cérebro categorizar todos os sons, e, em pouco tempo, você pára de tentar. Não é como a percepção visual que nos mantém formando categorias e pensando. É tão revigorante quando você consegue parar de falar, categorizar e julgar.

 

A revolução não mudou muita coisa. Requer pouca coragem bombardear um prédio. Mas para desistir de cigarros, parar de ser ansioso ou parar a tagarelice interna, você tem que se reconstruir. É aí que começa a verdadeira reforma. Don Juan e eu estávamos em Tucson, não muito tempo atrás, quando estava acontecendo a Semana da Terra. Alguns homens estavam palestrando sobre Ecologia e os males da guerra do Vietnã. Enquanto isto, eles fumavam. Don Juan disse: — Não posso imaginar como eles podem se preocupar com os outros se eles não se gostam de si. Nossa primeira preocupação deve ser com nós mesmos. Eu posso gostar dos meus semelhantes apenas quando estiver no auge do meu vigor e sem depressão. Para estar nesta condição, devo manter meu corpo preparado. Toda revolução deve começar aqui, neste corpo. Eu posso mudar minha cultura, mas apenas através de um corpo impecavelmente sintonizado com este mundo estranho. Para mim, a verdadeira realização é a arte de ser um Guerreiro, a qual, como diz Don Juan, 'é o único meio de balancear o terror de ser um homem com a maravilha de ser um homem'.

 

A divindade contida no peiote [Lophophora williamsii] é um protetor, acessível, portanto, para todos os homens.

 

 

Peiote

 

 

Trecho do livro O Segundo Círculo do Poder:

— O que mais você sentiu, Gorda, quando perdeu a sua forma, além de não ter bastante energia?

— O Nagual me disse que um Guerreiro sem força começa a ver um olho. Eu via um olho na minha frente sempre que fechava os olhos. A coisa chegou a um ponto que eu não podia mais descansar: o olho me acompanhava por onde eu fosse. Quase enlouqueci. Por fim, imagino que me tenha acostumado. Agora eu nem noto, pois se tornou parte de mim.

— O Guerreiro sem forma usa aquele olho para começar a sonhar. Se você não tiver uma forma, não tem de adormecer para sonhar. O olho na sua frente o puxa toda vez que você quiser ir.

— Onde exatamente fica esse olho, Gorda?

Ela fechou os olhos e mexeu a mão de um lado para outro, bem em frente do rosto, abrangendo o espaço do rosto dela.

— Às vezes o olho é muito pequeno e às vezes é enorme — continuou ela. — Quando é pequeno, o seu sonhar é preciso. Quando é grande o seu sonhar é como voar sobre as montanhas e não ver grande coisa. Ainda não sonhei muito, mas o Nagual me disse que aquele olho é o meu trunfo. Um dia, quando eu realmente me tornar sem forma, não verei mais esse olho; o olho se tornará igual a mim, nada, e, no entanto estará ali, como os aliados. O Nagual disse que tudo tem de ser peneirado através de nossa forma humana, Quando não tivermos forma, então, nada tem forma, e, no entanto, tudo está presente. Eu não podia compreender o que ele queria dizer com isso, mas hoje vejo que ele tinha toda a razão. Os aliados são apenas uma presença, e o olho também será. Mas, a essa altura, o olho é tudo para mim. Aliás, tendo esse olho, eu não devia precisar de mais nada a fim de provocar o meu sonho, mesmo quando estou desperta. Ainda não consegui isso. Talvez eu seja como você, um pouco obstinada e preguiçosa.

 

Tudo o que é necessário é a impecabilidade, energia, e isto se inicia com um ato singular, que deve ser deliberado, preciso e constante. Se este ato é repetido por tempo suficiente, a pessoa adquire um sentido de intenção inflexível que pode ser aplicado a qualquer outra coisa. Se isto é realizado, o caminho está aberto. Uma coisa leva a outra até que o Guerreiro descubra seu potencial completo.

 

Os Guerreiros não se ajudam, não têm compaixão por ninguém. Para um Guerreiro, ter compaixão significa que você desejava que o outro fosse como você, e você o ajuda só por isso. A coisa mais difícil do mundo é um Guerreiro deixar os outros em paz. A impecabilidade do Guerreiro é deixar os outros como são, e apoiá-los no que forem. Isto significa, naturalmente, que você confia que também eles sejam Guerreiros impecáveis.

 

Não despreze o mistério do homem em você sentindo pena de si mesmo ou tentando racionalizá-lo. Despreze a estupidez do homem em você, compreendendo-a. Mas não se desculpe por nenhum dos dois; ambos são necessários.

 

Você deve cultivar a idéia de que um Guerreiro não precisa de nada. Ajuda para quê? Você tem tudo o que é preciso para a viagem extravagante que é a sua vida.

 

Você deve agir sem acreditar, sem esperar recompensas; agir só por agir.

 

Esteja alerta a cada segundo. Não permita que nada nem ninguém decidam por você.

 

A autoconfiança do Guerreiro não é a autoconfiança do homem comum. O homem comum procura certeza aos olhos do observador e chama a isso autoconfiança. O Guerreiro procura impecabilidade aos próprios olhos e chama a isto humildade. O homem comum está preso aos seus semelhantes, enquanto o Guerreiro só está preso ao infinito.

 

Um Guerreiro não é uma folha, mercê do vento. Ninguém pode empurrá-lo; ninguém pode obrigá-lo a fazer coisas contra si mesmo ou contra o que ele acha certo. Um Guerreiro está preparado para sobreviver, e ele sobrevive da melhor maneira possível.

 

O importante é que saibas exatamente por que queres te comprometer.

 

A diferença básica entre um homem comum e um Guerreiro é que um Guerreiro toma tudo como desafio, enquanto um homem comum toma tudo como bênção ou como maldição.

 

É um expediente tolo para fazer com que pessoas preguiçosas acreditem que estão fazendo algo muito inteligente, quando estão apenas perdendo tempo.

 

Muita luz é como muita sombra: não deixa ver.

 

Don Juan dizia que o silêncio interior era o estado buscado com maior avidez pelos Xamãs do México Antigo. Ele o definia como um estado natural da percepção humana, no qual os pensamentos são bloqueados e todas as faculdades do homem operam de um nível de consciência que não requer a utilização do nosso sistema cognitivo diário. Para os Xamãs da linhagem de Don Juan, o silêncio interior sempre tem sido associado à escuridão, talvez porque a percepção humana, privada do seu companheiro habitual, o diálogo interno, caia em algo que se assemelha a um buraco escuro. Ele dizia que o corpo funciona normalmente, mas a percepção se torna mais aguda. As decisões são instantâneas e parecem provir de um tipo especial de conhecimento que é destituído de verbalizações mentais. De acordo com Don Juan, a percepção humana, funcionando em uma condição de silêncio interior, é capaz de atingir níveis indescritíveis. Alguns daqueles níveis de percepção são mundos em si, e de modo algum são como os mundos alcançados através do sonhar. Eles são indescritíveis e inexplicáveis em termos dos paradigmas lineares que o estado habitual emprega para explicar o Universo. No entendimento de Don Juan, o silêncio interior é a matriz para um passo gigantesco de evolução: o conhecimento silencioso ou o nível da consciência humana no qual o saber é automático e instantâneo.

 

Os seres humanos são percebidos pelos Xamãs da linhagem de Don Juan como conglomerados de campos de energia com a aparência de bolas luminosas, e cada uma delas está individualmente conectada a uma massa energética de proporções inconcebíveis que existe no Universo, chamada mar escuro de consciência.

 

Não sentia que estava caminhando; também não estava voando. Sem dúvida, era transportado com extrema facilidade. Meus movimentos tornavam-se convulsivos e desgraciosos apenas quando tentava pensar a seu respeito. Quando desfrutava deles sem pensamentos, entrava em um estado único de relaxação física sem precedentes. Se já tive momentos de felicidade física como aquele em minha vida, devem ter sido tão curtos que nem deixaram lembrança. No entanto, quando experimentava aquele êxtase, sentia uma vaga recognição, como se alguma vez a tivesse conhecido, mas esquecido. A exaltação de me mover através do chaparral era tão intensa que tudo o mais cessou. A única coisa que existia eram aqueles momentos de movimento e paradas. Contudo, ainda mais inexplicável foi a sensação corporal total de pairar acima dos arbustos. Em dado instante, vi com nitidez a figura de um jaguar à minha frente. Estava se afastando tão rapidamente quanto podia. Senti que ele tentava evitar os espinhos dos cactos. Era extremamente cuidadoso quanto ao lugar onde pisava. Tive a subjugante necessidade de correr atrás do jaguar e assustá-lo para que perdesse sua precaução. Sabia que ele precisaria ser ferido pelos espinhos. Um pensamento, então, irrompeu em minha mente silenciosa — pensei que o jaguar seria um animal mais perigoso pelos espinhos. Aquele pensamento produziu o mesmo efeito que alguém me acordando de um sonho. Quando percebi que meus processos de pensamento funcionavam outra vez, descobri que chegara na base de uma cadeia baixa de morros rochosos. Olhei ao redor. Don Juan estava a poucos metros atrás.

 

O caminho do Guerreiro é tudo. É o resumo da saúde mental e física. Não posso explicar de outro modo. O fato de os Xamãs do México antigo terem criado tal estrutura significa, para mim, que eles estavam no auge de seu poder, no cume de sua felicidade, no ápice de sua alegria.

 

Recordar não é o mesmo que relembrar. Relembrar é ditado pelo tipo de pensamento cotidiano, enquanto recordar é ditado pelo movimento do ponto de aglutinação. Uma recapitulação de suas vidas, que os feiticeiros fazem, é a chave para mover seus pontos de aglutinação. Os feiticeiros começam sua recapitulação pensando, relembrando os atos mais importantes de suas vidas. Após apenas pensar a respeito deles, movem-se, então, para estar realmente no local do evento. Quando conseguem fazer isso – estar no local do evento – foi porque moveram com sucesso seu ponto de aglutinação ao lugar preciso onde estava quando o evento teve lugar. Trazer de volta o evento total por meio do ponto de aglutinação é conhecido como a recordação dos feiticeiros.

 

A recapitulação de nossa vida não termina nunca, não importa que tenhamos recapitulado direito. O motivo de as pessoas comuns não terem vontade própria nos sonhos é nunca terem recapitulado, e suas vidas ficam cheias até a borda de emoções ,como lembranças, esperanças, medos etc. Os feiticeiros são relativamente livres de emoções pesadas e opressivas, por causa da recapitulação. E se alguma coisa faz com que eles fiquem bloqueados, a suposição é que ainda existe alguma coisa neles que não está suficientemente clara. Recapitular e sonhar andam lado a lado. À medida que regurgitamos nossas vidas nós ficamos mais e mais leves.

 

A recapitulação liberta a energia aprisionada dentro de nós, e sem essa energia liberada o sonhar não é possível.

 

Os feiticeiros da Antigüidade, os inventores da recapitulação, viam a respiração como um ato mágico, vivificante, e usavam-na como um veículo de magia; a expiração era usada para ejetar a energia estranha deixada neles enquanto a interação era recapitulada, e a inalação servia para recuperar a energia que eles tinham deixado para trás durante a interação.

 

Don Juan afirmava que o raciocínio dos feiticeiros antigos, para explicar a recapitulação, era sua convicção de que existe uma inconcebível força de dissolução no Universo, que faz os organismos viverem emprestando-lhes consciência. A mesma força também faz os organismos morrerem, para extrair deles a mesma consciência emprestada, que os organismos aprimoraram através de suas experiências de vida. Don Juan explicou o raciocínio dos feiticeiros antigos, dizendo que eles acreditavam que, como essa força estava atrás de nossa experiência de vida, era de super importância o fato de que ela poderia se satisfazer com uma espécie de fac-símile de nossa experiência de vida: a recapitulação. Ao receber o que deseja, a força de dissolução deixa os feiticeiros livres para expandir sua capacidade de perceber e de chegar com ela aos confins do tempo e do espaço.

 

O sonhar exige toda a energia disponível. Se houver uma preocupação profunda em sua vida, não existe possibilidade de sonhar.

 

O uso da consciência como um elemento energético do Universo era a essência da feitiçaria. Em termos práticos, a trajetória da feitiçaria era, primeiro, libertar a energia existente em nós (através da recapitulação) seguindo implacavelmente o caminho dos feiticeiros. Segundo, usar essa energia para desenvolver o corpo energético através do sonhar. Terceiro, usar a consciência como um elemento do ambiente para entrar com o corpo energético e toda a nossa fisicalidade em outros mundos.

 

O poder está no tipo de conhecimento que se tem. De que adianta saber coisas inúteis? Elas não vão nos preparar para o encontro inevitável com o desconhecido.

 

Um Guerreiro pode se preocupar e pensar antes de tomar uma decisão, mas uma vez que a tomou, segue seu caminho, livre de preocupações ou pensamentos; haverá mil outras decisões ainda à sua espera. Esta é a maneira do Guerreiro.

 

Consciência é o ato de estar deliberadamente consciente de todas as possibilidades perceptivas, e não apenas das possibilidades perceptivas ditadas por qualquer determinada cultura, cujo papel parece ser o de restringir a capacidade perceptiva de seus membros.

 

O ser incompleto nasce da incessante procura por reconhecimento social.

 

Cada nuance do Cosmos é uma expressão de energia. O Cosmos inteiro é composto de forças gêmeas que são, ao mesmo tempo, opostas e complementares: energia animada e inanimada.

 

Nossas vidas terminam exatamente onde se originaram: no infinito... A verdadeira luta do homem não é a disputa com seus semelhantes, mas com o infinito, o que não chega a ser luta, mas aquiescência.

 

Nós não nos damos conta de que podemos cortar qualquer coisa de nossas vidas, a qualquer momento, em um piscar de olhos.

 

Há muitas coisas que um Guerreiro pode fazer, em determinado momento, que não poderia ter feito anos antes. Essas coisas não mudaram; o que mudou foi a idéia do Guerreiro sobre si mesmo.

 

O caminho do Guerreiro oferece ao homem uma nova vida, e esta vida tem de ser completamente nova. Ele não pode trazer para esta nova vida seus velhos e horríveis hábitos.

 

Todas as faculdades, possibilidades e realizações do Xamanismo – das mais simples às mais espantosas – estão no próprio corpo humano.

 

Não há totalidade sem tristeza e sem saudade, pois, sem elas, não há sobriedade nem bondade. A sabedoria sem bondade e o conhecimento sem sobriedade são inúteis.

 

As possibilidades do homem são tão vastas e misteriosas que os Guerreiros, em vez de pensar sobre elas, escolhem explorá-las, sem esperança de jamais chegar a entendê-las.

 

Pense por um momento e diga-me como explicaria as contradições entre a inteligência de um homem engenheiro e a estupidez do seu sistema de crenças ou a estupidez do seu comportamento contraditório. Os feiticeiros acreditam que os predadores nos deram os nossos sistemas de crenças, as nossas ideias do bem e do mal, os nossos hábitos sociais. Foram eles que programaram as nossas esperanças, as nossas expectativas e os nossos sonhos de sucesso ou de fracasso. Deram-nos a ambição, a cobiça e a covardia. São os predadores que nos tornam complacentes, rotineiros e egomaníacos.

 

Através da mente, os predadores injetam nas vidas dos seres humanos o que lhes convém. E, deste modo, asseguram um nível de segurança que age como um amortecedor contra os seus medos.

 

Por mais aterrador que seja o conhecimento, é mais terrível ainda pensar no homem sem conhecimento.

 

Liberdade total significa consciência total.

 

 

 

 

A liberdade é alegria, eficiência e renúncia duante de qualquer dificuldade.

 

A consciência plena só chega quando não há mais vaidade.

 

Sem um amor constante pelo Ser que lhe dá abrigo, estar sozinho é solidão.

 

 

 

 

 

 

 


Páginas da Internet consultadas:

http://braindamage.forumeiros.com/downloads-f5/
carlos-castaneda-todas-as-obras-t87.htm

http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens
/experiencias_de_estranhamento_imprimir.html

http://www.esnips.com/web/
CarlosCastaneda14

http://www.scribd.com/doc/4894356/
Porta-para-o-Infinito-Carlos-Castaneda

http://sabiasque.blogsome.com/
2009/07/26/don-juan-e-carlos-castaneda/

http://erico.soylocoporti.org.br/2007/
11/20/frases-de-carlos-castaneda/

http://br.geocities.com/serambarino/
castanedarecap.htm

http://holosgaia.blogspot.com/2009/02
/silencio-carlos-castaneda.html

http://osereosagrado.blogspot.com/2009/05
/ebook-carlos-castaneda-las-ensenanzas.html

http://www.pensador.info/autor/Carlos_
Castaneda_(frases_de_seu_mestre_Juan_Matus)/

http://es.wikibooks.org/wiki/
Pensamiento_castanediano/Toltequidad

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Carlos_Castaneda

http://www.consciencia.org/castaneda/
castaneda-carta-gordon-wasson.html

http://www.consciencia.org/
castaneda/caspsychology.html

http://www.consciencia.org/
castaneda/casvista.html

 

Fundo musical:

Comanche Peyote Song

Fonte:

http://www.parlorsongs.com/insearch/
amerindian/amerindian0.php