CARTA DA LIBERDADE

 

Rodolfo Domenico Pizzinga


 

 

 

 

 

 

 

A Carta da Liberdade foi um documento fundamental da causa antiapartheid, na África do Sul, tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional Africano1, com a participação de Nelson Mandela. O texto, de divulgação proibida durante a vigência do durento2 período do Apartheid, foi elaborado em meados da década de 1950 e aprovado pelo Congresso do Povo, reunido em Kliptown, em 26 de junho de 1955.

 

Apesar de o abominável apartheid (regime político sul-africano segundo o qual os brancos detinham o poder e os povos restantes eram obrigados a viver amesquinhados e separados dos brancos, de acordo com leis e regras absurdas e inumanas que os impediam de ser verdadeiros cidadãos) ter sido abolido por Frederik de Klerk em 1990 e, finalmente, em 1994, eleições livres terem sido realizadas, penso que ler esta Carta será, para quem nunca a leu, por um lado, educativo, por outro, reforçador da convicção de que apartheids, segregações, inquisições, fogueiras, holocaustos, ditaduras, mussolinismos, hitlerismos, milosevicismos et cetera e tal... nunca mais.

 

Como fui eu que – livremente e, portanto, com algumas edições e adaptações necessárias – traduzi esta Carta, peço desculpas por quaisquer desacordos, inexatidões ou interpretações errôneas do original. Este horrendo e sangrento assunto me estimulou a fazer algumas interpolações e ligeiras colorizações, sem, no entanto, alterar o conteúdo do documento e o número de artigos originais. Por isto, peço desculpas novamente, ainda que acredite que se Mandela ler esta tradução não recriminará.

 

 

 

 

 

 

 

 

Nós, o Povo da África do Sul, Declararamos
a Todo o Nosso País e ao Mundo:

 

 

 

• Que a África do Sul pertence a todos os que nela vivem, negros e brancos, e que nenhum Governo pode fazer valer sua autoridade, a menos que esta autoridade tenha emanado do povo e esteja baseada na vontade de todo o povo;


• Que sua terra de nascença, sua liberdade e sua paz foram tirânica e despoticamente usurpadas por uma forma de Governo ancorada na mais profunda injustiça e na mais absurda desigualdade;


• Que o nosso País nunca será próspero e livre até que todo o nosso povo possa viver em fraternidade, e que goze de direitos iguais e de oportunidades iguais;


• Que somente um Estado democrático, baseado na vontade de todo o povo, pode garantir a todos o seu direito de primogenitura, sem qualquer distinção de cor, raça, sexo ou crença;


• Portanto, nós, o povo da África do Sul, negros e brancos, compatriotas e irmãos, decidimos adotar esta Carta da Liberdade;


• Nós nos comprometemos a lutar em conjunto, não poupando nem a força nem a coragem, até que as mudanças democráticas aqui estabelecidas tenham sido implementadas.

 

 


O Povo Governará!

 



• Cada homem e cada mulher têm o direito de votar e de ser votados;

 

• Todas as pessoas têm o direito de tomar parte na administração do País;


• Os direitos das pessoas serão os mesmos, independentemente de raça, cor ou sexo;


• Todos os órgãos autoritários e segregacionistas de Governo devem ser substituídos por órgãos democráticos.

 

 


Todos os Grupos Nacionais
Têm Igualdade de Direitos!

 

 

 

 



• Haverá status de igualdade nos órgãos do Estado, nos tribunais e nas escolas para todos os grupos nacionais e raciais;


• Todos os povos têm igual direito de utilizar suas próprias línguas e de desenvolver sua própria cultura popular e seus costumes;


• Todos os grupos nacionais devem ser protegidos por lei contra os insultos à sua raça e ao seu sentimento de nacionalidade;


• Os discursos racistas e a discriminação racial são crimes puníveis por lei;

 

• Todas as leis do apartheid e todas as suas práticas devem ser anuladas.

 

 


O Povo Trabalhador
Deve Compartilhar a Riqueza do País!

 

 

 

 



• A riqueza nacional do nosso País – a herança dos sul-africanos – deve ser devolvida ao povo;


• A posse da riqueza mineral sob o solo, os bancos e o monopólio da indústria devem, como um todo, ser transferidos para o povo;


• A indústria e comércio deverão ser controlados para ajudar o bem-estar do povo;


• Todas as pessoas devem ter direitos iguais no que tange ao comércio, à fabricação, aos seus ofícios e às suas profissões.

 

 


A Terra Deve Ser Compartilhada
Entre Aqueles que Nela Trabalham!

 

 


• Restrições para a propriedade da terra, tendo por base a raça, devem ser eliminadas, e toda a terra deve ser dividida entre aqueles que nela trabalham, para que possam ser banidas a escassez e a fome;


• O Estado deve ajudar os camponeses com implementos agrícolas, sementes, tratores e represas;


• A liberdade de circulação deve ser garantida a todos os que trabalham na terra;


• Todos têm o direito de ocupar a terra que venham a escolher;


• As pessoas não devem ser privadas de seu gado; prisões agrícolas e trabalhos forçados devem ser abolidos.

 

 


Todos São Iguais Perante a Lei!

 

 

 

 



• Ninguém pode ser limitado em suas ações, preso ou deportado sem um julgamento justo;


• Ninguém pode ser condenado por ordem de um funcionário do Governo;


• Os tribunais devem ser representativos de todo o povo;


• A prisão deve ser apenas para crimes graves contra as pessoas, e deve visar à reeducação, não à vingança;


• A polícia e o exército deverão ser abertos a todos e em igualdade de condições, e devem ser auxiliadores e protetores do povo;


• Todas as leis que discriminam por motivos de raça, de cor ou de crença devem ser revogadas.

 

 


Todos Gozam de Igualdade
de Direitos Humanos!

 

 


• A lei deve garantir a todos o direito de falar, de se organizar, de se reunir, de publicar, de pronunciar sermões, de adorar e de educar os filhos;


• A privacidade da casa deve ser protegida por lei;


• Todos devem ter liberdade de viajar, sem qualquer restrição, do campo para a cidade, de província para província e da África do Sul para o exterior;


• As leis de passe, licenças e todas as outras leis que restringem as liberdades devem ser abolidas.

 

 


Haverá Trabalho e Segurança!

 

 


• Todos os que trabalham devem ter liberdade de formar sindicatos, de eleger seus representantes oficiais e de fazer acordos salariais com os empregadores;


• O Estado deve reconhecer o direito e o dever de todos para o trabalho, e deve elaborar um programa de auxílio-desemprego;


• Homens e mulheres, de todas as raças, devem receber salário igual para trabalho igual;


• Haverá, para todos os trabalhadores, quarenta horas semanais de trabalho, um salário-mínimo, férias anuais remuneradas, licença por doença e, para todas as mães que trabalham, licença-maternidade com remuneração integral;


• Os mineiros, trabalhadores domésticos, trabalhadores rurais e funcionários públicos devem ter os mesmos direitos que todos os outros trabalhadores;


• O trabalho infantil e outras formas degradantes de trabalho devem ser abolidos.

 

 


As Portas Devem Ser Abertas
Para a Cultura e Para o Aprendizado!

 

 


• O Governo deve se empenhar em descobrir, desenvolver e incentivar o talento nacional e intensificar a nossa vida cultural;


• Todos os tesouros culturais da Humanidade devem ser abertos a todos, por livre troca de livros, de idéias e de contatos com outras terras;


• O objetivo da educação é ensinar os jovens a amar o seu povo e a sua cultura, e honrar a fraternidade humana, a liberdade e a paz;


• A educação deve ser gratuita, obrigatória, universal e igual para todos; o ensino superior e a formação técnica serão abertos a todos por meio de subsídios estatais e de bolsas de estudos concedidas com base no mérito;


• O analfabetismo adulto deve ser eliminado pelo Estado através de um plano de ensino de massa;


• Os professores devem ter todos os direitos dos outros cidadãos;


• A barreira da cor na vida cultural, no desporto e na educação deve ser abolida.

 

 


Haverá Casas, Segurança e Conforto!

 



• Todas as pessoas devem ter o direito de viver onde escolherem, de dispor de moradia digna e de constituir suas famílias com conforto e segurança;


• Espaço de habitação não-utilizada deve ser colocado à disposição do povo;

 

• Rendas e preços devem ser reduzidos; deverá haver comida abundante e ninguém deverá passar fome;


• Um sistema de saúde preventiva deve ser executado pelo Estado;


• Assistência médica gratuita e hospitalização devem ser fornecidas para todos, com atenção especial para as mães e para as crianças jovens;


• As favelas devem ser demolidas e os subúrbios devem ser reconstruídos em um local onde todos tenham transporte, estradas, iluminação, campos de jogos, creches e centros sociais;


• Os idosos, os órfãos, os deficientes e os doentes devem ser tratados e assistidos pelo Estado;


• Descanso, lazer e recreação são direitos de todos;


• Guetos e locais cercados devem ser eliminados, e as leis que fragmentam as famílias devem ser revogadas.

 

 


Haverá Paz e Amizade!

 

 

 

 

 


• A África do Sul será um Estado totalmente independente que respeitará os direitos e a soberania de todas as nações;


• A África do Sul se esforçará para manter a paz no mundo, e apoiará, pela via da negociação, a solução pacífica de todos os conflitos internacionais; jamais apoiará qualquer guerra;


• A paz e a amizade entre todos os povos serão garantidas pela defesa da igualdade de direitos, pela defesa da igualdade oportunidades e pela defesa do status de todos;


• O povo dos protetorados3 Basutoland, Bechuanaland e Swaziland estará livre para decidir seu próprio futuro;


• O direito de todos os povos da África de serem independentes e de se autogovernarem será reconhecido, e será a base de uma estreita cooperação.


• Ao longo de nossas vidas, por estas liberdades, lado a lado, nós lutaremos, até que conquistemos nossa legítima independência!4

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. O Congresso Nacional Africano (CNA) é o partido político no poder na África do Sul, desde as primeiras eleições multirraciais naquele País, em 1994. Anteriormente, o CNA foi um dos movimentos que lutou contra o regime do apartheid.

2. Durento = duro + fedorento.

3. Protetorado é um território ou um país que, no Direito Internacional, possui certos atributos de Estado independente, porém, sob outros aspectos, está subordinado a uma potência que decide sua política externa e tem a obrigação de o proteger e, às vezes, controla internamente seu Governo, seu judiciário e suas instituições financeiras. Em suma, um protetorado é quando um Estado está sob a autoridade de outro Estado ou país, e, geralmente, ocorre quando o primeiro, sob todos os aspectos, é muito mais fraco do que o segundo, em especial no tocante à política externa.

Nota editada da fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Protetorado

4. Nelson Rolihlahla Mandela (Mvezo, 18 de julho de 1918) é um advogado que se tornou o principal representante do movimento anti-apartheid. Em 1990, foi-lhe atribuído o Prêmio Lênin da Paz, que foi recebido em 2002. Em 1993, com Frederik de Klerk (Joanesburgo, 18 de março de 1936), recebeu o Nobel da Paz, pelos esforços desenvolvidos no sentido de acabar com a segregação racial. Mandela foi libertado pelo presidente Frederik de Klerk em 1990. Tornou-se, então, líder do Congresso Nacional Africano (CNA), do qual, há muito, se tornara referência. A sua experiência de luta contra o apartheid, a sua postura de moderado no período de transição para uma ordem democrática sem segregação e o claro objetivo de operar a reconciliação nacional, que norteou as suas relações com o Presidente de Klerk, valeram-lhe um inesgotável prestígio no País e no estrangeiro. Mandela é provavelmente o político com maior autoridade moral no continente Africano, o que lhe tem permitido desempenhar o papel de apaziguador de tensões e conflitos. Como Presidente do CNA (de julho de 1995 a dezembro de 1999) e primeiro Presidente negro da África do Sul (de maio de 1991 a junho de 2000), naquelas que foram as primeiras eleições multirraciais do País, Mandela comandou a transição do regime de minoria no comando – o apartheid – ganhando respeito internacional por sua luta em prol da reconciliação interna e externa.

Nota editada da fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Nelson_Mandela

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.hanyeong.ac.kr/
department/img/work.gif

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Congresso_Nacional_Africano

http://pt.wikipedia.org/wiki/Apartheid

http://namibianoferreira.blogspot.com/
2010/02/carta-da-liberdade-anc.html

http://www.anc.org.za/
ancdocs/history/charter.html

http://fatosereflexoes.blogspot.com/
2009/10/carta-da-liberdade-nelson-mandela.html

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Carta_da_Liberdade

 

Fundo musical:

National Anthem of South Africa

Fonte:

http://www.afriqueindex.com/Pays/
african-national-anthems-10.htm