Hoje,
estou divulgando alguns fragmentos (editados, como sempre, aqui e ali) da
obra Cármides
(que, junto com
Teages, Laques
e Lísis,
faz parte da Quinta Tetralogia platônica). Basicamente, este diálogo
platônico se ocupa com o tema da Ética, mediante discussão
da idéia de sofrósina (sóphrosúné)
– conceito grego que significa comedimento, sanidade moral, autodomínio
e moderação, guiados pelo autoconhecimento. Mais tarde, o
conceito de sofrósina foi ampliado para incluir a noção
de prudência, e era associado à doutrina apolínea do
nada em excesso
e do conhece-te
a ti mesmo, podendo tudo isto, talvez, se resumir em um conceito:
busca da sensatez.
Enfim, ligado ao conceito pitagórico de harmonia, Platão empregava
o termo em seus escritos com o sentido de moderação.
Fragmentos
Escolhidos
É belo
por fora e por dentro.1
Não
se deve tentar curar os olhos sem curar a cabeça, nem tentar
curar a
cabeça sem curar o
resto do corpo, nem tentar curar o
corpo sem curar a alma. Enfim, se o conjunto não vai bem, é
impossível que as partes possam ir bem.
É
da alma que advêm todos os males e todos bens para o corpo e para
a pessoa como um todo. É, portanto, a alma que deve receber nossos
primeiros e principais cuidados, se quisermos ter harmonia mental e corporal.
A
alma deve ser tratada com certos encantamentos, e estes encantamentos são
os bons
discursos, pois destes bons discursos nasce a sensatez. E, uma vez que a
sensatez
tenha nascido, se permanecer, proporcionará saúde e harmonia
à mente e ao corpo.2
Os
homens se equivocam ao tentar, separadamente, ser médicos da alma
e do corpo.3
Sensatez
é fazer as coisas ordenadamente, tranqüilamente e em silêncio.
Nem
sempre a vida tranqüila é mais sensata do que a intranqüila.
Não
é sensato aquele que se ocupa com coisas más como se fossem
boas.
Os
homens sensatos também são bons. Logo, não é
sensato nem é bom o homem que faz mal aos homens.
Marlon
Brando (Don Corleone)
Nenhum
trabalho é desonroso. (Hesíodo4,
apud Platão).
Sensatez
é ocupar-se com boas obras.
Jamais um homem é sensato
sem o saber. Neste sentido, ser sensato é se conhecer a si-mesmo.
A
fórmula «saúde» não está completamente
correta nem é desejável como exortação de uns
a outros, sendo preferível «sê sensato».
Conhece-te
a ti mesmo Sê
sensato.
Nada
demasiado.
Aquele
que se fia se arruína.
É
indiferente que tenha sido você
ou que
tenha sido
eu
que tenhamos dito
ou feito algo justo; importa, sim, tão-somente que a justiça
seja feita.
Todas
os conhecimentos são de alguma coisa, mas não de si-mesmos,
enquanto a sensatez é a única forma de conhecimento que, além
de conhecer todos os outros conhecimentos, se conhece a si-mesma.
Só
o sensato se conhece a si-mesmo e é capaz de, realmente, discernir
o que sabe e o que não sabe. Da mesma forma, o sensato está
apto a investigar o que o outro sabe, quando o outro sabe algo, ou o que
o outro crê saber, quando, na verdade, não sabe.
O
saber é, igualmente, saber o que se sabe e reconhecer o que não
se sabe.
A
sensatez é um saber do saber e da ignorância.
Debe
haver um Saber do saber.
É
um grande bem se ter consciência do que não se sabe.
Ser
feliz é viver com conhecimento.
Quando
alguém se empenha em fazer alguma coisa, forçando-se se for
preciso, não haverá ninguém capaz de se opor.
Efetivamente,
seria um grande bem para a sociedade, se cada cidadão se ocupasse
apenas das coisas que sabe, e se, com relação às que
não sabe, deixasse para os que sabem.5
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Notas:
1.
Kalòs te kaì agathós:
modelo superior da educação grega consubstanciada no ideal
de perfeição da alma, com base no bem, no bom e no belo.
2. Aqui,
aproveito para lembrar: mens
sana in corpore sano (uma mente sã em um corpo são)
– famosa citação latina de autoria do poeta e retórico
romano Decimus Iunius Iuvenalis (entre 55 e 60 – depois de 127). Orandum
est ut sit mens sana in corpore sano... Deve-se pedir em oração
que a mente seja sã em um corpo são.
3. Também
é preciso considerar, como holisticamente ensinou Aristóteles
(384 a.C. – 322 a.C.), na sua Metafísica, que
o todo é maior do que a simples soma das suas partes.
4. Hesíodo
(século VIII a.C.) foi um poeta da Grécia Antiga. Uma de suas
obras mais importantes é a Teogonia,
também conhecida por Genealogia
dos Deuses – um poema mitológico em 1022 versos
hexâmetros.
5. Quando
leio afirmações deste tipo, às vezes, me lembro do
Brasil. No nosso Patropi, o Poder Executivo é atualmente composto
por vinte e quatro ministérios, nove secretarias da presidência
com status de ministério e seis órgãos, também
com status de ministério. A continha é esta: 24 +
9 + 6 = 39! O pior, na minha opinião, não é a desnecessária
montanha de titulações de primeiro escalão, mas a reiterada
nomeação de figurões e figurinhas para comandar estes
ministérios, secretarias e órgãos, que, normalmente,
não sabem lhufas de lhufas do métier
para o qual estão sendo nomeados. Isto é meio que nomear um
padre para chefiar uma casa de tolerância ou designar um ceguinho
para ser guarda de trânsito. O padre até que poderá
ter algum sucesso na sua investidura, mas o pobre do ceguinho irá
criar o maior bulício no tráfego. O fato é que tudo
isto, mais do que um horror anti-racional e anti-republicano, é uma
(falta de) vergonha. Falta de vergonha na fuça de quem nomeia e falta
de vergonha na carantonha de quem aceita a nomeação e assume.
E quem paga este desregramento somos nós. Bem, já que são
trinta e nove os órgãos de primeiro escalão, não
custaria nada criar o quadragésimo: o Ministério do Sem-vergonhismo
– que investigaria todas as sem-vergonhices políticas praticadas
nos âmbitos federal, estadual e municipal, fosse no(s) executivo(s),
fosse no(s) legislativo(s), fosse no(s) judiciário(s). Mas, para
que esta providência pudesse ser tomada, seria preciso construir zilhões
e zilhões de cadeias Brasil afora, porque as que existem, há
muito tempo, não dão conta sequer dos graciosos inquilinos
já existentes. Só para registro: estes inquilinos são
graciosos não porque sejam engraçados, jocosos, joviais, divertidos,
delicados ou gráceis, mas porque nós pagamos para eles morarem
de graça.