CÂNDIDO MENDES
(Pensamentos)

 

 

 

Cândido Mendes

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Este estudo teve por objetivo garimpar aqui e ali alguns pensamentos do professor, educador, advogado, sociólogo, cientista político e ensaísta brasileiro Cândido Antônio José Francisco Mendes de Almeida.

 

 

 

Breve Biografia

 

 

 

Cândido Antônio José Francisco Mendes de Almeida (Rio de Janeiro, 3 de junho de 1928 – Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 2022) ] foi um professor, educador, advogado, sociólogo, cientista político e ensaísta brasileiro.

 

Era bacharel em direito e filosofia pela Universidade Católica do Rio de Janeiro, e doutor em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, então Universidade do Brasil. Foi reitor da Universidade Candido Mendes até a data de sua morte.

 

Durante o Regime Militar, se relacionava com desembaraço com a esquerda e direita, abrigou perseguidos durante o Governo de Castelo Branco, ao mesmo tempo que se tornava amigo de Golbery do Couto e Silva, com quem negociava a fundação de um centro de estudos políticos. Foi um dos responsáveis pela CNBB denunciar com mais severidade os casos de tortura no Brasil. Em 19 de fevereiro de 1974, promoveu uma reunião de 3 horas entre Golbery e D. Paulo Evaristo Arns em que se discutiu as torturas realizadas pelos militares.

Sucedeu ao pai no título de conde de Mendes de Almeida, criado pelo Vaticano para seu avô, Cândido Mendes de Almeida (filho).

 

Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 24 de agosto de 1989 para a cadeira 35, na sucessão de Celso Ferreira da Cunha, e foi recebido em 12 de setembro de 1990, pelo acadêmico Eduardo Portella.

 

Dentre as obras que publicou, destacam-se: Nacionalismo e Desenvolvimento (1963), O País da Paciência (2000), Subcultura e Mudança: Por que me Envergonho do Meu País (2010) e A Razão Armada (2012).

 

Era casado com a Dra. Margareth Maria Pretti Dalcolmo.

 

 

Cândido Mendes e Margareth Dalcolmo

 

 

Margareth Dalcolmo, Cândido Mendes e Gilberto Gil

 

 

Cândido Mendes e Margareth Dalcolmo

 

 

 

Pensamentos de Cândido Mendes

 

 

 

Enquanto se considerar que a educação é a fonte de todos os bens e sua ausência a explicação do progresso de todos os males, ainda estaremos numa clássica subcultura do desenvolvimento. Isso me parece muito importante para se entender a necessidade de uma tomada de consciência para mudança.

 

O problema é vencermos, ao mesmo tempo, como marca dessa subcultura, a noção de que a universidade é um ótimo educacional em todos os pontos de vista. Não podemos nos esquecer que, mesmo dentro da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio), o ideal de uma formação universitária não chega a mais de 15% do extrato de população ligada a uma mesma definição etária. No entanto, conforme veremos numa discussão no final deste ano e início do próximo, o Brasil não chegou nem aos 8,5%. Os números são modestos e, evidentemente, não é um diploma que tira uma pessoa da miséria, e sim uma política educacional cada vez mais vinculada ao realismo de uma estratégia de mudança e da mobilidade do desenvolvimento.

 

O grande problema é que a educação média, não universitária, continua vivendo da dificuldade do obstáculo constitucional, de responsabilidade dos estados, o que torna difícil computar ou definir o acompanhamento desses recursos que são determinados por pressupostos estaduais e segundo uma política de dispersão e de clientela que a União não pode necessariamente controlar.

 

Muitas vezes, porém, a questão da educação também não se limita a aumento ou pobreza de recursos. A produtividade da educação não está efetivamente definida. O que eu quero dizer com isso é: qual a proporção ideal da relação entre professor e aluno? Uma ratio normal entre professor e aluno no ensino superior deve fica entre 30 e 40 alunos, no máximo 50, para se evitar a massificação dentro da sala de aula.

 

Também temos de analisar não apenas a quantidade de recursos, mas, a administração deles, sobretudo com respeito à oferta do ensino. Enfrentamos um problema ainda muito constante do "mandarinato acadêmico", que é a dificuldade das universidades públicas em oferecer cursos noturnos pela comodidade professoral. Existe uma condição improdutiva de oferta de educação. Nesse caso, o ensino privado supre uma lacuna imensa.

 

De 2000 a 2007, o número de estudantes no ensino privado chamado lucrativo, ou seja, as universidades que ganham com a educação, aumentou de 324 mil para mais de 1 milhão. Nas não-lucrativas, também conhecidas como filantrópicas, passou de 1 milhão 453 mil estudantes para cerca de 2 milhões e trezentos mil no mesmo período. Trata-se de um aumento de 74% em sete anos. Hoje, 65% do ensino superior são providos pelo ensino privado. Isso é um dado que as pessoas às vezes esquecem: o domínio privado no ensino superior brasileiro.

 

Há as bolsas do PROUNI e do FIES, mas ainda estão muito vinculadas à noção do empréstimo público, através do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. Nós, das universidades privadas, queremos propor um empréstimo mais amplo. Queremos criar um sistema pelo qual o aluno pague uma parte da mensalidade, mas, só comece a ser cobrado os outros 50% um ou dois anos depois de formado, e, provavelmente, já com esse quantum incorporado na carteira de trabalho. E para evitar o problema do embaraço de financiamento, que ainda está muito burocratizado no sistema de crédito público, as universidades privadas se dispõem a avalizar esses créditos. À universidade privada interessa que esse aluno estude e pague a sua metade. Apostamos que ele vá pagar depois de formado. E temos também a constante de que tanto mais ele venha da classe B, ou da classe C, mais pontual ele é nos pagamentos.

 

É importantíssimo que esse processo de acesso que o PROUNI e o FIES tentaram começar entre no financiamento pela rede privada de ensino, com apoio dos próprios bancos privados. A população estudantil universitária anual no Brasil é de 4 milhões e 250 mil. Poderia passar para 5 milhões e 600 mil. Cerca de 1 milhão e 200 mil a 1 milhão e 300 mil estudantes ficam de fora. A grande tarefa é colocar esse 1 milhão e tanto dentro da universidade. Para isso, não basta o FIES e o PROUNI. Precisamos de um sistema efetivo de financiamento em bases como a que o FORERJ (Fórum de Reitores do Rio de Janeiro), que eu presido, levou ao Governo e está em estudo nesse momento pelo MEC. Queremos criar um sistema pelo qual o aluno pague uma parte da mensalidade, mas, só comece a ser cobrado os outros 50% um ou dois anos depois de formado, e, provavelmente, já com esse quantum incorporado na carteira de trabalho. [Aqui, eu não posso concordar com Cândido. No meu entendimento, s.m.j., a educação é um dever insubstituível do Estado (sociedade), e deve ser gratuita em todos os níveis de ensino – do pré-primário ao doutorado. As escolas particulares devem funcionar apenas como opção, não como uma espécie de tapa-buraco do descaso-incompetência dos Governos. Agora, os beneficiados de uma educação pública e gratuita, no caso do ensino superior, deverão, depois de formados, oferecer à sociedade, por um tempo limitado, algum tipo de contrapartida.]

 

Em primeiro lugar, devemos estimular o acesso interdisciplinar ao conhecimento. Em geral, o professor se enrijece na superprofissionalização e especialização do seu conteúdo de comunicação. Em segundo, nos mantermos atualizados e, em terceiro, termos consciência da relevância do conhecimento, sobretudo para uma sociedade em mudança como a nossa. Para preparar um profissional de conhecimento, ligado a mudanças, dentro de uma sociedade como a nossa, o mercado quer o quê? Uma hiperespecialização ou uma versatilidade dentro da adaptação a mudanças? Chegamos à conclusão, pelos nossos profissionais empregados, que, devido às velocidades das mudanças, cada vez mais é necessário um profissional versátil, em vez de um ultra-especializado. [Cirurgia do cérebro, por exemplo, requer ultra-especialização. Engenharia e tecnologia espaciais requerem ultra-especialização. Biologia molecular requer ultra-especialização. Pilotagem de Fórmula 1 requer ultra-especialização. Um chef de cuisine requer ultra-especialização.]

 

 

 

 

Eu me pergunto se a língua é um condicional fundamental de barreira ou de estímulo no mundo da Internet. Trata-se de um mundo em que o acesso à informação já independe da questão da língua, no seu sentido mais importante, da palavra. Atualmente, um dos dados mais importantes do avanço da educação no Brasil é a preocupação do Governo em melhorar a qualidade do ensino. Eu falo do programa de formação de professores do MEC, o problema da mudança da estrutura da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o novo programa do conselho técnico de cooperação pela educação básica. Há também o novo sistema nacional de formação de professores e um novo ENEM, que integra numa mesma prestação, numa mesma atividade, a formação de alunos e de professores.

 

Para melhorar o nível dos docentes nas universidades é necessário convalescer e reforçar os regimes do tempo integral, que é a grande hora, o grande esforço. Manter e garantir o tempo de 40 horas, mas, permitir que o professor só vincule 50% desse tempo à práxis. Os outros 50% têm que estar vinculados à atividade de acompanhamento monográfico de aluno e à publicação. O professor que não publica um determinado número de artigos em um período estabelecido deve perder a condição de 40 horas. [Isto, inclusive, vale para os mestres e doutores. Mestres e doutores que não publicam, de fato, são qualquer coisa, menos mestres e doutores. Portanto, o mestrado e o doutorado deveriam, digamos assim, ter prazo de validade. Penso que um pós-graduado deva publicar, pelo menos, um paper (ensaio, artigo ou dissertação sobre um assunto específico) por ano, em um periódico especializado ou nos anais de um congresso, e passar por uma avaliação curricular a ± cada 5 anos.]

 

Eu sou inteiramente a favor do sistema de cotas [também conhecido como ações afirmativas ou política de cotas, é uma política pública que atua no sentido de garantir o acesso de alguns grupos de pessoas a oportunidades em que elas são desfavorecidas por uma série de situações], mas, tenho uma grande preocupação com respeito a elas. As cotas estão revelando um fenômeno inquietante sobre mobilidade social brasileira. Quando a pessoa tem que se reconhecer no quadrículo como preto ou pardo, ela não se reconhece. Cada vez mais eu tenho candidatos que preferem não ter bolsa a se reconhecerem como pretos ou pardos. Evidente que isso é um percentual limitado, mas, é justamente por isso que se torna revelador.

 

No começo, temi que os participantes do sistema de cotas fossem discriminados, mas, isto não aconteceu. Mas, também porque não temos um excesso de alunos, não chegamos a uma compressão escolar. De modo que o estudo é flexível, ninguém está tirando o lugar de ninguém. Esse problema da cota existe na universidade pública. Na privada, em nome de todas que conheço, posso dizer que a discriminação não existe e o aluno não se sente discriminado.

 

Antes de se investir em pesquisa, primeiro, temos que definir o que é pesquisa. A noção de pesquisa tem uma definição na CAPES, outra no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), outra no Ministério de Ciência e Tecnologia, outra no Conselho Nacional de Educação, outra no INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). E a pesquisa é um dos temas mais sérios da educação superior no Brasil. Isto porque uma universidade tem que ter ensino, pesquisa e extensão. Pesquisa é a descoberta de novas correlações nos fenômenos causais, no acontecer e na realidade? É saber o maior número de fontes de um conhecimento? É descobrir a inovação dentro do conhecimento? Ou pesquisa é estabelecer os seus correlatos interdisciplinares? Nenhuma desias autoridades define isto, a tal ponto que, para avaliar se uma universidade tem pesquisa, partiu-se para um sistema muito prático, e a meu ver grosseiro: a presunção de que a instituição com certo número de mestres e doutores dispõe de pesquisa, [o que, efetivamente, não mede nada, pois, se os mestres e os doutores não publicam, não estão pesquisando bulhufas.] Em contrapartida, temos outro processo ligado à pesquisa. Existe, hoje, uma bela política de pesquisa aplicada, mas, que não tem nada a ver com a universidade. É a chamada pesquisa dos fundos setoriais. A previsão orçamentária gira em torno de R$ 1,3 bilhão e engloba agronegócios, biotecnologia, energia espacial, hidromineral, petróleo, saúde, transporte. Nada disso tem a ver com as universidades, tudo vai para as empresas. Então, um dos grandes dramas do Brasil é que a política pública de pesquisa descartou a universidade. E, mais do que isso, na definição constitucional de exigência de pesquisa não há obrigação constitucional de apoio à universidade privada para esse fim. A Constituição deveria falar em pesquisa indeterminada, mas, ela fixa obrigatoriedade de pesquisa na universidade pública. Isto gera um dilema muito grande. Como a universidade privada pode financiar pesquisa? Tira do guichê? Da sua mensalidade? Geralmente, as universidades privadas obtêm dinheiro para pesquisa a partir de subvenções, grants ou doações por meio de empresas, como PETROBRAS ou Vale do Rio Doce. Mas, elas financiam pesquisas para áreas técnicas e tecnológicas do ensino universitário e não em ciências sociais. Seria importante criar uma espécie de Lei Rouanet para a pesquisa, em que o mecanismo de subvenções e o de estímulos pudessem ser perfeitamente definidos para a pesquisa dentro da universidade brasileira.

 

O ENEM ainda está com um problema sério. O MEC permite que ele qualifique a adequação para o acesso ao ensino superior, mas, isso só vale para o ensino privado. Pela ordenação legal, o ENEM não é um processo seletivo. E o acesso à universidade pública exige o processo seletivo.

 

O ENEM se preocupa em ter uma visão abrangente do conhecimento, uma visão referenciada e, sobretudo, uma visão histórica do conhecimento. Nós conhecemos a capacidade, o número de categorias que normalmente existe no vestibular. Hoje, o ENEM avalia melhor qual é de fato o conteúdo do conhecimento humanístico. O ENEM consegue fazer isso muito mais do que as clássicas questões fechadas de um exame vestibular.

 

Esses cursos à distância, o chamado e-learning, ainda não se institucionalizaram, porque não têm a noção da arbitragem e do conhecimento referido. Não se pode ter um efetivo controle do acesso num curso à distância. Eu não sou contra esses cursos, mas, acho que eles são um complemento do conhecimento. Como avaliação do conhecimento, porém, são impotentes, visto que essa tarefa exige ainda a pedagogia. Não se pode dar um diploma em conhecimento à distância. Como vou creditar junto à sociedade, se aquele personagem sabe tudo aquilo que ele diz que sabe?

 

Acho que não nos demos conta ainda da mudança radical que o panorama universitário irá sofrer com o avanço da Internet. Cada vez mais, temos acesso imediato à informação. Acredita-se que, a todo instante, seja possível ter acesso à memória da realidade. O enciclopedismo muda o ethos da informação dessa nova geração. Ela não tem mais que memorizar nem ir aos livros, pois, dispõe de computador. O grande problema é que não há mais juízo de valor sobre a informação. A Internet está acabando com isso, e a universidade precisa recuperar a ágora, a praça, o cânon. O mundo da universidade começou com a possibilidade de discussão, visto que é, antes de tudo, um centro de arbitragem do valor do conhecimento. Como se faz a transmissão geracional senão pelo valor do conhecimento e sua relevância? Universidade não é só a informação, mas, a valoração da informação.

 

Há uma correlação entre repetência e mau ensino e entre evasão e mau ensino. Não há dúvida de que quanto melhor o ensino, menor a repetência. A repetência não é só problema de vagabundagem e inaptidão. Agora, a segunda questão para resolver o problema é a penalização da repetência. O aluno não pode pensar que pode repetir indefinidamente. O acompanhamento familiar é fundamental para evitar o desinteresse e a evasão. Pais aplicados, filhos aprovados. É essa a solução.

 

O velho programa de alfabetização de adultos se fixava por demais dentro no analfabetismo strictu sensu. Mas, o grande problema hoje do Brasil é o analfabetismo funcional. Precisamos ligar ao código de acesso à língua as quatro operações, a inserção geográfica, a inserção histórica e o começo da noção de cidadania. Creio que a grande solução para o analfabetismo é o Bolsa Família. Cria-se um ambiente em casa para o aprendizado e a socialização, e, mais uma vez, o agente disso é a família. O drama do analfabetismo antigo era a reclusão, o isolamento do Brasil marginal. Ao se socializar, o País deixa de ficar analfabeto.

 

O que se opõe à globalização é a diferença. A questão é saber como a diferença vai de fato se afirmar. Depois da Renascença, que viveu completamente a temática do universal, surgiu a diferença coletiva, que representou o estado-nação. Na nossa época, estamos diante de uma real dialética inédita. E em um contexto de globalização, é necessário refletir sobre o contraponto do poder.

 

Estarmos diante da negação da Humanidade. O Estado Islâmico representa a capacidade de excluir tudo o que estiver diante da tradição corânica. Inclusive neste grupo temos cerca de 10 mil ocidentais, saídos da França, da Itália e sobretudo dos Estados Unidos. Eles são atraídos pelos jihadistas em busca de uma nova era e de uma nova definição do que possa ser a identidade. Não existe mais Humanidade. Existe todo o grupo que leva ao Estado Islâmico e o restante, que não é reconhecido. Isso nos leva à constatação de que entramos no quadro do terrorismo permanente e implacável. [Eu não sou profeta e, muito menos, faço profecias, mas, tenho fundadas razões para firmemente acreditar que, até o final deste século XXI, o terrorismo internacional terá chegado ao fim.]

 

 

 

Com a nova comunicação e com o mundo virtual, o ‘vis-à-vis’ passou a ser múltiplo e imediato, o que promove um descarte do velho conhecimento e, sobretudo, o abandono de seu instrumento clássico que é o livro. O livro se descarta hoje neste novo tipo de conhecimento e dentro da comunidade virtual. É uma simultaneidade de conhecimento que emerge e, dentro dela, a necessidade desta reciprocidade de conhecimento.

 

É preciso colocar na linha de educação a mecânica da Internet. Isto é vital. A conversação se faz dentro da Internet, por meios de tribos. E estas tribos estão falando apenas para si mesmas.

 

A busca de profissões, sobretudo das classes média e baixa, não está ligada ao conhecimento do mercado e, sim, vinculada à idéia de imitar os grupos realmente bem-sucedidos.

 

O dia-a-dia do Governo Trump só aumenta o espanto frente às surpresas do programa e à falta de coerência do que se propõe na Casa Branca. Não temos precedentes de uma tal incongruência de iniciativas deixadas, por inteiro, ao alvedrio da hora e do humor do presidente. Somam-se, nessa perplexidade, velhos ressentimentos do comandante em conflitos de campanha, inclusive, contra o ideário do próprio partido vencedor. E até onde irá a quebra das mais elementares propostas com que os republicanos confrontariam a oposição dos democratas? O abate começa no desmonte das relações internacionais, ao arrepio do ideário de ambos os partidos. Deparamos a denúncia do Tratado do Pacífico, a garantir a presença da superpotência frente à Índia e à China, numa troca planetária de influências e contrapartidas. À quebra do macrotratado, seguem-se as incertezas quanto ao NAFTA e o abalo da presença americana na União Européia. Desestabilizam-se, ao mesmo tempo, as delicadíssimas relações com Israel, na afronta à convivência com o Estado Palestino, no intuito de levar a Jerusalém a embaixada dos Estados Unidos. Avança, de maneira devastadora, o isolacionismo da Casa Branca, já com impactos decisivos sobre o direito fundamental de ir-e-vir, consoante a Declaração das Nações Unidas. O que se vê na exasperação imediata dos libelos de Trump é o proclamar que herdou um governo “de muita conversa e pouca ação”, e que haveria um passivo de protagonismo do mais poderoso país do mundo. Só têm se multiplicado, nestes dias, os protestos saídos à rua, a se somarem à condenação formal de governadores como o da Califórnia, suspendendo a proibição à entrada no País de viajantes de sete países da África e do Oriente Médio, levando a abarrotar aeroportos americanos de passageiros, imobilizados. Aí estão, também, as decisões dos tribunais, arguindo a inconstitucionalidade das iniciativas do atual Governo. Dispara a oposição a Trump no seio do partido, concentrando o apoio a ele a uma minoria radical e cada vez mais minguante. Desaparece qualquer calendário de expectativas, no que é o resultado de uma ruminação individual do presidente, à margem de qualquer resquício de um colegiado. O intrínseco democratismo americano reage diante do escândalo, na Casa Branca, tanto pelo pedido de impeachment, quanto pela sucessão das marchas que não saíram do asfalto, a partir da posse. Desde então, configurou-se o atentado do presente Governo ao Estado de Direito. E a oposição sabe, e de logo, que não tem a enfrentar o ímpeto de qualquer ideologia, por mais que radical, mas, um megalômano que diz nunca ter lido um livro e nos deixa esse suspense sobre o que será a aberração do dia seguinte.

 

As pesquisas sobre a rejeição ao voto obrigatório evidenciam um claro racha da consciência nacional. O Brasil de cima, por força, vê no voto obrigatório a arma do país da marginalidade social, para vencer o nosso status quo de sempre. Mas, é significativo, também, que não se veja uma arregimentação maciça do outro lado, a entender que o voto compulsório é condição sine qua non da mudança. No país instalado, a visão liberal de deixar à consciência de cada um a ida às urnas prejudica uma nação desprovida do sentimento amplo da injustiça social, curiosamente, em muitas franjas da nossa dita elite. Esta mesma que avulta, hoje, no protesto ao comportamento atual das instituições, e brande uma crescente ameaça de anulação do voto no próximo pleito. Soma-se, aí, nessa rejeição da ida às urnas, o clássico critério da exigência de capacitação e preparo dos governantes para um adequado desempenho no Planalto. De toda forma, essa recusa de voto é muito mais clara no Brasil maduro, num contraste visível com as novas gerações, ao reiterar a obrigação eleitoral. Nas classes menos favorecidas, a maioria, ainda que por percentual apertado, irá ao voto, mesmo quando não obrigatório. E, significativamente, a opção por Dilma é vista como a da candidatura ideal. A tomada de consciência vem de par com a significação da escolha na luta continuada – e essencialmente democrática – pelo definitivo implante das estruturas de mudança. Mais nítida, hoje, é a falta de uma consciência defensiva, ainda, do país de cima, demandada pela preguiçosa desnecessidade de ir às urnas. O mais inquietante é que o voto nulo é ainda maior na zona sudeste do País e nos grupos com ensino superior. Nosso establishment continua a se vincar nas velhas estruturas coloniais, por mais que penetrado pela nova mobilidade social e pelo avanço ainda agora assegurado no salário-mínimo e no Bolsa Família. Derruída a antiga marginalidade, os novos protagonistas não superariam a velha inércia da Economia de Mercado. Inquieta, por força, este agravar da contradição de consciência dos dois Brasis, e como a visão do país “para si” sofre, ainda, da falta do país “para todos”.

 

A recém-terminada conferência das Nações Unidas, em Nova York, sobre Ecologia nos situa diante do estado de consciência universal quanto aos avanços do bem-estar ou do dito “bem comum” em nosso tempo. O comparecimento da totalidade dos Estados e a volta das contribuições nacionais para a mitigação das mudanças climáticas contrastam com o pouco avanço dos direitos humanos em nosso tempo. Deparamos o topo da mobilização ecológica, frente ao aumento do reconhecimento contemporâneo do bem-estar. Está em causa o que representa, na pós-modernidade, o imperativo da justiça social, em face da persistência das concentrações de renda nas coletividades nacionais e, sobretudo, nas do Terceiro Mundo. No Brasil, 3% da população continuam a deter 50% da renda nacional. A chegada da cautela ecológica, nos dias de hoje, padece de equívocos e, sobretudo, de contradição quanto ao que seja uma verdadeira política de desenvolvimento e do advento da coletividade “para si”, frente à antiga disfunção colonial. E tal começa, por força, com todo o debate da questão das chamadas reservas indígenas, na importância desse território, frente, sobretudo, aos eixos da formação da infra-estrutura pedida pelo desenvolvimento. Ressalte-se, de saída, a exigência de se definirem os pesos efetivos dessa ocupação primitiva na população e no espaço nacional. No caso brasileiro, vai-se a pouco mais de 800 mil indígenas, dos quais 500 mil rurais, numa população de 210 milhões de habitantes. E, mais ainda, não há falar de núcleos intocados, mas, de uma ambigüidade identitária, inclusive, dessas populações, em contato constante com o avanço do nosso hinterland e, sobretudo, de sua malha de comunicação. Esses novos avanços enfrentam ainda a política ecológica avant la lettre [antes do estado definitivo, antes do seu inteiro desenvolvimento ou antes de o termo existir] do atraso de dados fundamentais, previstos como seu suporte. Ou seja, a da precariedade de informes efetivos, por exemplo, sob a impregnação do CO2, o desbalanceamento da ocupação do território, a dimensão real do desmatamento e dos programas de recomposição florestal. O rigorismo da nova demanda ecológica atrasou, objetivamente, o começo das obras de hidroelétricas na região amazônica, como a de Belo Monte, vista como alavanca fundamental para o assento da rede urbana na Amazônia. Da mesma forma, no caso do Rio São Francisco, eixo da bacia fluvial do Nordeste, atrasou-se a política de irrigação de suas zonas áridas por um qüinqüênio, com base em receios da perda, pelo desvio, do fluxo hídrico do grande rio. E até onde, nessa conversão ecológica, compensa-se a má consciência pela nossa concentração de renda e a persistente inércia na sua correção tributária? Repete-se, até mesmo nos Governos de esquerda, a promessa de superar esse escândalo coletivo, atrasando-se uma “tomada de consciência”, sobretudo na sua percepção midiática. Começa a inquietar, na visão do que seja o avanço do bem comum, a dominância como consciência cidadã da pós-modernidade.

 

 

Aquecimento Global

 

 

O Brexit [saída do Reino Unido da União Européia (UE) é uma palavra originada na língua inglesa resultante da junção das palavras British (britânico) e exit (saída)], logrado por percentuais mínimos, levou a um abalo imprevisível a estabilidade política na Inglaterra. Atinge a própria noção da sua identidade nacional, no contexto da pós-modernidade. A saída exprimiria uma reivindicação obsoleta, já que boa parte dos votos no “sim” veio da população com mais de 60 anos, enquanto, ao contrário, maciçamente, a mocidade se manifestou pela permanência na União Européia. Já vai a mais de 3 milhões a subscrição por novo plebiscito, que corrigiria o que se vê como catastrófico para o País. Respira-se, ainda, pela remota entrada em vigor da presente decisão. As conseqüências alarmantes aí estão, com a permanência da Escócia na União Européia, em clara ruptura com o plebiscito britânico, abrindo, inclusive, caminho para a sua possível independência. Está em causa toda a nova mobilidade européia, assegurada pelo Espaço Schengen, e a uniformidade tributária, garantindo a sua Economia. Por outro lado, o continente absorveu o impacto do Brexit com a própria perda de voz da ultradireita de Marine Le Pen e seus congêneres, tal como reforçam, em toda sua prospectiva, a liderança de Merkel. Mas, é de logo que, ao mesmo tempo, desembainha-se a interrogação quanto ao fator profundo de instabilidade da União Européia, representado pela falta de regulação, ainda, da imigração africana e do Oriente Médio. Ainda que se escape da ameaça de um Governo Trump, nos Estados Unidos, só cresce, agora, o perigo dessa diáspora, com o claro fechamento das fronteiras britânicas, após o Brexit. E, por força, só começamos a deparar a mirada de Putin no que possa ser o desbarato do projeto que desmontou, de vez, a Guerra Fria.

 

Uma questão crítica por excelência: até onde o histórico condiciona a nossa experiência-limite e toda a pergunta pelo humano se constrói num espaço definido de inteligibilidade?

 

No quadro do desenvolvimento sustentável, como progride a cultura da mudança e em que termos, na consciência mobilizadora, ela pode, de fato, ser o fator decisivo para a sua aceleração? Talvez o mais encoberto dos obstáculos, nesse avanço, seja o da real maturação das mentalidades para esse pôr-se à obra. Permanece uma perspectiva ingênua, do que possam o só voluntarismo e as boas intenções de uma dita elite empresarial do País. Vamos dever a Oded Grajew, no topo das reservas cívicas da nação, mostrar-nos a distinção entre o ideal e o que, na prática, fica sempre aquém do apelo frontal a um Brasil melhor. Continuamos, em nível dramático, a acreditar que só o reforço da intenção de mudar seja a pedra de toque para a conquista de um país para todos, na pressa e na generosidade que se exija do povo despertado. No repertório dessa convocação das elites empresariais a uma ética cívica estaria, por exemplo, o compromisso de só apoiar eleitoralmente candidatos de ficha limpa, ou vinculados a reformas do sistema de trabalho, salários e aposentadorias, ou ao combate às desigualdades sociais e ao respeito ao meio ambiente. No eixo da credibilidade dessa pregação, reponta a coerência do comportamento da empresa com sua ação pública, na valorização do comunitário diante do simplesmente social ou do oportunismo de ganhos. Mas, o ímpeto do bem fazer se confronta com as condições em que, objetivamente, corações e vontades atuam num processo e num contexto social dominado por contradições de estrutura responsáveis pela marginalidade da população brasileira ou concentradores das suas oportunidades de lucro, independentemente de sua verdadeira eficiência. São etapas de uma conquista, em que a moralidade clama em vão e a "realpolitik" para a mudança decepciona a pureza cívica. A resistência do sistema a vencer-se perdurava, invencível até, a explicar a prorrogação indefinida dos votos das comissões parlamentares contra a corrupção, a perda de toda a fiscalização entre os Poderes, o embotamento da ação de políticas ou o travame da votação da boa lei. É a subcultura, ainda, do pré-desenvolvimento, que lastreia essa decepção continuada das ditas elites íntegras, e se exprime pela reeleição continuada de deputados e senadores no mensalão ou na gula de verbas marcadas no Orçamento ou na permanência impertérrita das mordomias parlamentares. A Democracia vive, também, da ambigüidade de cada dia, em que a dita normalização do sistema passa sempre por um nível tolerado de corrupção. Tal como não há golpe de Estado a favor da pureza política, a "realpolitik" é indispensável à estabilidade dos regimes, mais do que a conversão ao "bem comum" de suas elites. Paradoxo, pois, ainda, desse desenvolvimento sustentado é o de inexistir, no plano da mobilização, a consciência do salto na mudança, que depende, todo, da ação de Estado no plano das estruturas e da condução do aparelho produtivo. Esse desempenho, de par com a destinação social de seus benefícios, ligados à desconcentração da renda e ao incremento tecnológico, antecipa a componente moral da mudança. A barreira das estruturas estiola as boas intenções para que, de fato, o bem de todos seja colocado ao alcance de cada um. [E o bem de cada um seja colocado ao alcance de todos.] A dominação, típica do regime colonial, resultante do padrão apropriador de ganhos de exploração da marginalidade, não se derruba pela boa vontade geral, nem o Estado que venha a fazê-lo foge das prioridades únicas e primárias de um sistema funcional de produção. A agenda implacável da mudança descarta o açodo moralista. O que se pede à consciência, sim, é a sustentabilidade crua do desenvolvimento para que, a seu tempo, e no seu embalo, emerja o esperado Brasil mais justo, mais ético, mais seguro e mais próspero. [Desculpe, Cândido, mas, eu não quero um Brasil mais justo, mais ético, mais seguro e mais próspero. Um Brasil isso continuará sendo um Brasil injusto – um Brasil . Eu quero um País Tropical justo, ético, seguro, próspero e o resto todo. é só um pouquinho da coisa; e um pouquinho a mais de justiça, de ética, de segurança e de prosperidade não significa lhufas. É preciso a Coisa Total, inteira, não um da coisa. É claro que essa Coisa Total não acontecerá de uma hora para outra, e, talvez, nem neste século, mas, temos que lutar por isto. Todos nós.]

 

 

 

 

 

 

Música de fundo:

País Tropical
Composição: Jorge Ben Jor
Interpretação: Wilson Simonal

Fonte:

https://mp3downloadfree.pro/download.php?v=oSwSu8wvoLc

 

Páginas da Internet consultadas:

https://dlpng.com/png/6592569

https://aordemnaturaldascoisas.blogs.sapo.pt

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1903201009.htm

https://www.candidomendes.edu.br/publicacoes/

https://www.mindomo.com/de/

https://www.rfi.fr/br/brasil/2016121
4-rfi-convida-candido-mendes

https://gfycat.com

https://gifer.com/pt/gifs/isis

https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=
com_content&id=1363:entrevistas-materias&Itemid=41

https://gifer.com/en/D0nE

https://tenor.com

https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=
com_content&id=1363:entrevistas-materias&Itemid=41

https://aloalobahia.com/notas/morre-academico-
candido-mendes-marido-de-dra-margareth-dalcolmo

http://ailtonpitombo.com.br/blog/posse-12/
candido-mendes-e-margareth-dolcolomo/

https://pt.wikipedia.org/wiki/
Cândido_Mendes_de_Almeida_(escritor)

 

Direitos autorais:

As animações, as fotografias digitais e as mídias digitais que reproduzo (por empréstimo) neste texto têm exclusivamente a finalidade de ilustrar e embelezar o trabalho. Neste sentido, os direitos de copyright são exclusivos de seus autores. Entretanto, como nem sempre sei a quem me dirigir para pedir autorização para utilizá-las, se você encontrar algo aqui postado que lhe pertença e desejar que seja removido, por favor, entre em contato e me avise, que retirarei do ar imediatamente.