Contam que, no Deserto da Arábia, um Mestre Sufi estava viajando com um dos seus Discípulos. À noite, cansados, chegaram a um caravançará – uma estalagem pública para hospedar gratuitamente as caravanas que viajam por regiões desérticas.

 

O Discípulo estava encarregado de cuidar do camelo, e era sua tarefa alimentar e amarrar o camelo, mas, ele não fez nem uma coisa nem outra, e deixou o camelo ao léu, desamarrado do lado de fora, ao relento. Em vez disso, ele simplesmente rezou. E pedinchou a Allah: — Por favor, Bom Allah, cuide do camelo para mim, que eu estou muito cansado — e foi dormir.

 

Pela manhã, o Camelus bactrianus havia sumido. Ou fora roubado ou, simplesmente, se mandou deserto afora, quem sabe atrás de uma camela! O Mestre perguntou:

— O que houve com o camelo? Onde está o camelo?

 

E o Discípulo respondeu:

— Mestre, eu não sei. Vá perguntar a Allah, pois, eu havia pedido a Ele que tomasse conta do camelo. Eu estava muito cansado, então, não sei. E também não sou responsável, porque eu havia me dirigido a Allah de forma muito clara e respeitosa! Não havia como Allah não compreender. Na verdade, eu não pedi para Ele cuidar do camelo apenas uma vez, mas, sim, três. E você me ensinou a confiar em Allah, então, eu confiei. Por isto, não me repreenda e não me recrimine.

 

O Mestre disse:

— Sim, é verdade. Eu disse para você confiar sempre em Allah, mas, amarre seu camelo primeiro, porque Allah não tem outras mãos, a não ser as suas. Se Ele quiser amarrar o seu camelo, Ele terá que usar as suas mãos. Allah não tem outras mãos. E é o seu camelo! Allah não precisa de camelos! A melhor maneira, e também a mais fácil, é usar as suas mãos. Confie em Allah, mas, faça a sua parte, porque Allah não fará jamais o que cabe a você fazer. E também não inverta as coisas: não queira que o camelo cuide de você.

 

 

 

 

Este conto árabe me inspirou a escrever o seguinte rascunho:

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não amarrei meu Equus caballus. Ele deu o pira!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, sassariquei e botei pra derreter. Acabei derretido!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior e negacionista, flexibilizei. Peguei COVID!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não fiz o dever de casa. Levei bomba!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não tomei os meus remédios. Acabei mazelento!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não me vacinei. Peguei uma influenza tamanho-família!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, diminuí minha exposição à luz solar. Arrumei uma osteoporose cheia de buraquinhos!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não paguei o A me enquadrou!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, anulei meu voto e não exerci minha cidadania. Foi eleito um Equus asinus anti-republicano e antidemocrata.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não me alimentei corretamente. Fiquei obeso.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, me alimentei incorretamente. Fiquei anemizado.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não fiz o seguro do carro. O meu carro foi roubado.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, estacionei o meu carro em um local não permitido. O meu carro foi rebocado.

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, decidi viver numa boa e não trabalhar mais. Passei necessidade.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não tranquei a porta da minha casa. Os ratos fizeram a maior festa.

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, decidi não tomar mais banho. Fiquei cheio de perebas.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, decidi não escovar mais os dentes. Fiquei cheio de cáries dentárias.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, parei de usar duchinha higiênica. Fiquei cheio de assaduras na bunda.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não paguei minhas dívidas. Fui processado.

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, resolvi andar a esmo por aí. Fui assaltado!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, decidi não usar camisinha. Peguei uma brabérrima!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, resolvi não pagar mais a conta do gás. Cortaram o gás!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, resolvi não pagar mais a conta da luz. Cortaram a luz!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, resolvi não pagar mais o . Paguei com multa!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, resolvi não pagar mais a conta do telefone. Cortaram o telefone!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, resolvi não pagar mais a conta da . Coortaram a !

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, adiei uma tomada de decisão. Perdi a oportunidade!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, resolvi afanar a piroga do Boi Xavante. Levei uma flechada do Boi!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, me engracei com a perereca da vizinha. Levei um esculacho e fui acusado de assédio!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, escondi os dindins da corrupção nas cuecas. Fiquei desmoralizado e perdi o mandato!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, faturei no petrolão. A Lava Jato me pegou!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não acendi a lanterna. Fiquei no escuro!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, queimei e desmatei para fazer pasto e plantar soja. Desequilibrei a porra toda e fui processado!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, porque perdi, passei a dizer que fraudaram as eleições. Desrespeitei e comprometi a Democracia! O pior é que muita gente acreditou em mim!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que seria reeleito presidente. Não fui! Como eu poderia ser reeleito, se eu fui um presidente de merda?

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não quis entregar o poder. Chorando, tive que entregar no peito!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, pari causas tenebrosas que produziram efeitos dantescos. Incrementei meu karma!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, conspirei para que houvesse uma intervenção militar no Brasil. Não houve!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, conspirei para que a ditadura reencarnasse no Brasil. Não reencarnou!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, conspirei para que o AI-5 fosse reeditado no Brasil. Não foi!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, conspirei para que a censura fosse restaurada no Brasil e para que a imprensa fosse amordaçada. Não foram!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, conspirei para que a tortura fosse restaurada no Brasil. Não foi!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, conspirei para que o Congresso Nacional fosse fechado no Brasil. Não foi!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, conspirei para que o Supremo Tribunal Federal fosse dinamitado no Brasil. Não foi!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, no verão, tal qual a cigarra, fiquei só de papo pro ar. No inverno, morri de frio!

 

 

A Cigarra

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não calibrei os pneus do carro. Derrapei e bati!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não limpei mais a minha casa. Ela ficou cheia de baratas-cascudas!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, tinha a certeza de que a minha mulher teria um filho homem. Tive sete filhas mulheres!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, acreditei que meu computador se consertaria sozinho. Claro, não se consertou!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, plantei, mas, não reguei. Não colhi xongas!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, não cortei lenha para passar o inverno. Quase morri congelado!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, esperei a caravana passar. Mas, ela nunca passou!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, pensei que o vinho não avinagraria. Mas, ele avinagrou!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, pensei que o bolo não solaria. Mas, ele solou!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, pensei que a maçã não apodreceria. Mas, ela apodreceu!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, pensei que a fonte não secaria. Mas, ela secou!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que ganharia o Prêmio Pulitzer. Mas, nem Pulitzer nem putz!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que ganharia na loteria. Mas, não ganhei!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que acertaria no preto 33 na roleta. Mas, não acertei!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que faria 21 no blackjack. Não fiz e caí durinho!

 

 

Blackjack

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que a minha cruz ficaria mais levinha. Mas, a cada dia, ela foi ficando mais pesadinha!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que o Retrato de Dorian Grey não fosse se monstruosar. Mas, ele monstruosou!

 

 

O Retrato de Dorian Grey

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que o nariz do Pinocchio não fosse agigantar. Mas, ele se agigantou gigantescamente!

 

 

 

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que um tsunami nunca me afogaria. Quase morri no sismo-tsunami do Oceano Índico de 2004!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, estourei o meu cartão de crédito. Tive que pagar tudinho!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, dormi, delirei e ronquei. E não avancei!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que era um escolhido e que estava salvo. Salvo é o cacete!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, dei aos pobres esperando receber em dobro. Fiquei na mesma, na mesma fiquei e, mais tarde, levei um baita esporro de São Pedro!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, achei que ficaria para semente. Um dia, claro, empacotei! Foi quando encontrei São Pedro, levei o tal esporro e morri de vergonha! Pedi perdão, mas, Ele me disse que perdão não existe! — Perdão é o cacete — falou São Pedro — quem faz merda tem que compensar!

 

— Confiei em Deus, e, babaquara de marca maior, esperei que os pães e os peixes se multiplicassem milagrosamente. Nem pão, nem peixe! E o milagre nunca aconteceu!

 

— Confiei em Deus em tudo e para tudo, e quis que acontecesse sei lá quantas outras coisas, mas, acho que Deus nunca me apoiou! E nada jamais aconteceu! E, da mesma maneira que o Discípulo ficou sem o seu Camelus bactrianus, eu nunca achei o meu Equus caballus!

 

 

Moral do Conto Árabe e deste Rascunho

 

 

Não há privilégios nem privilegiados.
Não há escolhidos nem preferidos.
Não há condenação nem salvação eternas.
Não há castigo nem perdão de nada,
Deus não faz bulhufas para ninguém.
Não há causa que não gere um efeito.
Tudo será devidamente compensado.
Nós somos responsáveis por tudo.
A ignorância é mãe das adversidades.
Nossa ALFORRIA só virá pela COMPREENSÃO.