Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

Quem tem filhos, tem cadilhos,1

quem não os tem, cadilhos tem.

Quem condena um limpa-trilhos2

com um naquinho em vai-e-vem?

 

Quem está vivo tem uns cadilhos,

e todo bom italiano limpa seu prato.

O que importa a cor dos vidrilhos

se produzem o mais lindo ornato?

 

Os ricos, os chiques e os esnobes

chamam seus roupões de robes.

Os puristas? Dane-se o galicismo.3

 

O que muda em uma macarronada

se picada e papada com empada?4

Tudo bobagem. Grave é o abismo!

 

 

 

 

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Notas:

1. Neste ditado, o vocábulo cadilho é usado com o sentido de preocupações e/ou de aborrecimentos causados pelos filhos. Mas, desde quando os filhos produzem cadilhos? Só se forem mal-educados ou mal orientados. Fui pai duas vezes e nunca tive qualquer tipo de cadilho por causa dos meus filhos. Eles foram educados para que não fossem motivo de cadilhos para si e para os outros. Pais que estruturam e ancoram a educação de seus filhos em opiniões ou sentimentos desfavoráveis formados a priori, manias e bobagens que vêm de longe, particularmente preconceitos de natureza religiosa, transformam seus filhos em cadilhos vivo-ambulantes, e acabarão tendo mesmo, tanto eles quanto seus filhos, todos os cadilhos do mundo. Cadilhos? Ora! Como foi dito no soneto, basta estar vivo para ter uns cadilhos. Mas isso é outra coisa, e os filhos nada têm a ver com isso. O fato é que somos nós que parimos todos os nossos cadilhos, mas achamos que são os outros que são os responsáveis por eles. E quando não são os outros, são os demônios. Arre, quanta bobice!

2. É chamado de limpa-trilhos aquele que, ao terminar sua refeição, limpa o prato com um naquinho de pão para aproveitar o finalzinho. Entre os chiques e os esnobes isso é tido como falta de educação. Mas, quem está dando bola pra isso? Quem pode desperdiçar um bom molho de uma macarronada, que só presta mesmo se estiver al dente? Eu, como bom filho de italiano, só aprecio massa al dente; e não desperdiço nada de nada: sempre limpei, limpo e limparei meus trilhos. Ora bolas, tudo preconceito! Mas cortar o macarrão não é preconceito; estraga o paladar da massa. Mas, se você gosta de cortar seu macarrão, corte-o, e dane-se quem o criticar. Quem vai consumi-lo é você. Ponto final. Eu não corto porque não gosto. Mas eu não dou a mínima para quem gosta de cortar macarrão. Há coisas mais importantes na vida. Ficar observando se os outros ficam cortando seu macarrão é coisa de quem não tem o que fazer. Como também é coisa de quem não tem o que fazer ficar criticando e comentando que não sei quem engordou, emagreceu, envelheceu, remoçou, fez plástica, botou silicone, está mal vestido, está bem vestido, ficou pobre, ficou rico, divorciou de novo, casou de novo... E por aí vai. Isso é coisa de novela da pior qualidade.

3. Galicisimo = Modo de falar ou de escrever próprio da língua francesa. Palavra, construção ou locução da língua francesa tomada de empréstimo. Robe foi considerado galicismo pelos puristas, que sugeriram em seu lugar o vocábulo roupão. En passant, lembrei-me d'une petite chose: só que eles – os puristas – esqueceram de combinar isso com os ricos, os chiques e os esnobes, que sempre usaram essa indumentária larga e comprida (geralmente de mangas longas e própria para ser usada em casa) e continuam a chamá-la de robe (ou de robe de chambre). Agora, na França, no âmbito da culinária, batatas cozidas com casca são simpaticamente chamadas de pommes de terre en robe de chambre à la vapeur. Eu não uso nem robe nem roupão, mas gosto de batata vestidinha com robe de chambre, que pode ser à la vapeur ou sem ser à la vapeur. Bem, isso tudo é uma tremenda frescura; mas batata com casca é mais saborosa e mais nutritiva.

4. Um dos meus pratos favoritos, que eu geralmente faço de madrugada, é preparado com miojo, ovo frito (feito com duas claras e uma gema) e duas bananas. Mas não vou me fazer de rogado: o que eu gosto mesmo é de uma pasta asciutta – a velha e boa macarronada clássica condimentada com molho de tomates ou com funghi.

 

 

Música de fundo:

Funiculi Funicula (Peppino Turco & Luigi Denza)

Fonte:

http://www.castelodossonhos.com/italianas.htm

Páginas da Internet consultadas:

http://www.alfredo-roma.it/home.htm

http://www.renatovello.blogger.com.br/abismo.jpg

 

 

 

 

Grave é o abismo!
Grave é o abismo!
Grave é o abismo!