A BOCÉLIA DA DISCÓRDIA

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

A Bocélia da Discórdia

 

Dona Begônia era uma viúva velhinha (viúva primeiro, velhinha depois, porque ficou viúva primeiro e velhinha depois) de oitenta e um anos muito simpática e muito bem-humorada, mas – tadinha! – já toda encarquilhadinha. Parecia um maracujá-de-gaveta! Sinceramente, juro: tadinha mesmo! Já sua filha, Dona Violeta-tricolor, donzelona (ficou para galo de São Roque), causídica de primeira, religiosíssima, de cinqüenta e quatro – mas que parecia ter noventa e nove, beirando os cem, e que de amor-perfeito não tinha nada – era exatamente o contrário: azeda, mal-humorada e xexelenta. E como detestava o nome que sua mãe escolhera para ela, obrigava, impositivamente, desde fedelhinha, as pessoas a lhe chamarem de Tetinha. Quando fez trinta anos, impôs o Dona (com a letra D maiúscula) atrás da Tetinha, isto é: Dona Tetinha. Pode? Pode, sim, pois era assim que era. Dessas coisas que a vida não explica!

 

No segundo domingo de maio do ano passado, a filha (que como filha, verdade seja dita, de verdade, era irreprochável) resolveu dar umas flores de presente para a amada mãe. Bem pertinho de onde moravam, havia uma loja de flores. E lá foi ela, carregando na carcunda o seu mau humor conato, beato e caricato. Caramba! Esse três-em-um é mesmo de amar(g)ar!

 

Ao chegar à loja (quem gosta de esnobar teria gerundiado e escrito em lá chegando), o dono, que era muito extrovertido, foi logo brincando: — Gerânio-brasileiro, seu criado; para servi-la.

 

Dona Tetinha, com cara de bunda amassada, foi logo dizendo: — O senhor tem Bromélia?

 

Gerânio-brasileiro, vendo logo que a mulher era antipática e desagradável, resolveu sacaneá-la e dar uma chacoalhada nela: — Fidalga senhora: infelicitadamente, bromélia está em falta no mercado, mas, temos bocélia honoluluense. Se interessar, posso fazer um precinho especial.

 

Dona Tetinha nem pestanejou; foi de bate-pronto: — Primeiro, fidalga senhora é a sua digníssima 'mater gestatrix'. Segundo, senhor florista enxerido: a sua bocélia sei-lá-o-quê e o seu precinho especial trate de enfiar tudo no seu rododendro. E saiu porta afora rezingando. O que Dona Tetinha acabou dando para a mãe naquele dia das mães do ano passado (se deu alguma coisa, porque a outra coisinha nunca deu para ninguém) ninguém ficou sabendo.

 

 

 

Dona Tetinha espinafrando o florista!

 

 

Este ano (2.013), Dona Tetinha encomendou de Dona Bijoux (uma muambeira que traz uns cacarecos lá do Paraguai) uma pulseitinha* de berloques. Flores? Nunca mais. Nunca mais mesmo. Definitivamente, porque me contaram que ela disse adeus ao mundo e entregou a rapadura dois dias depois do dia das mães deste ano. Que drama!

 

Bem, isto não é o mais dramático da estória. Fiquei sabendo, direitinho, de fonte insuspeita e fidedigna, que quando Dona Tetinha chegou ao céu, São Pedro (de Betsaida, na Galiléia, Terra Santa), rapidinho, chamou São Roque (de Montpellier, Languedoc-Roussillon, França), e disse entre os dentes: — Roque, meu Irmão, me faz um favor celestial: atende essa velha xexé que tá chegando aí, que eu não agüento. Essa velha é demais para a minha santidade; se bobear, eu esgano essa infeliz. Velha xexé não dá! Se ela perguntar por mim, diz que fui por aí, levando minha viola debaixo do sovaco. Sou santo, como você, mas tenho minhas limitações! Ainda bem que o nosso Chefe não está vendo isto, senão...

 

* Pulseitinha é bostinha de pulseira!

 

 

 

 

A Múmia

 

 

 

Há criaturas que vêm azedas,

vivem azedas e esticam azedas.

Mas, não é? Arre! Bile vertem;

não compartem e não repartem.

 

Ninguém precisa ser bambocha;

mas, catingar tal qual o escatol1

ou ter pinta de múmia em formol?

 

Repare só: todas têm mau hálito

e o peido é molhadorrentérrimo.2

Achaques? Têm todos e mais um.

 

Lá, não é fecaloma; é fecálito.

Na alma, um nó apertadérrimo!

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Escatol (3-metilindol ou 4-metil-2,3-benzopirrol) é uma amina (C9H9N) resultante da transformação das proteínas no intestino grosso (parte do intestino que se estende do íleo ao ânus, formando um arco em volta das circunvoluções do intestino delgado e abrangendo o ceco, o colo, o reto e o canal anal ou excrementoduto bundal). O escatol é o demoníaco causador do fedor das fezes e dos peidos. Por exemplo: comeu feijoada ou sarapatel, é batata; depois, peidos e cocô federão, sim, como o Inferno de Dante em dia de festança, de alabança ou de cagança. E não adianta; não há LUFTAL® que dê jeito. A coisa é muitíssimo pior do que assassinar tartaruga a muçungão.


 

Escatol

 

 

2. Peido molhadorrentérrimo é aquele peido meio molhado, que parece que o cara se cagou todo, e é fedorentérrimo, bem igualzinho a arroto de demônio bêbado.

 

Música de fundo:

Diz Que Fui Por Aí
Composição: Zé Keti & Hortêncio Rocha
Interpretação: Nara Leão

Fonte:

http://pt.dilandau.eu/bossa%20nova/Nara%20Leao/
Diz%20Que%20Fui%20Por%20Ai/baixar-mp3-1.html

 

Páginas da Internet consultadas:

http://animationsa2z.com/elderly8.php

http://soundbible.com/tags-mummy.html

http://www.minibite.com/oldies/monstermash.htm

 

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