A
Bocélia da Discórdia
Dona
Begônia era uma viúva velhinha (viúva primeiro,
velhinha depois, porque ficou viúva primeiro e velhinha depois)
de oitenta e um anos muito simpática e muito bem-humorada,
mas – tadinha! – já toda encarquilhadinha. Parecia
um maracujá-de-gaveta! Sinceramente, juro: tadinha mesmo!
Já sua filha, Dona Violeta-tricolor, donzelona (ficou para
galo de São Roque), causídica de primeira, religiosíssima,
de cinqüenta e quatro – mas que parecia ter noventa e
nove, beirando os cem, e que de amor-perfeito não tinha nada
– era exatamente o contrário: azeda, mal-humorada e
xexelenta. E como detestava o nome que sua mãe escolhera
para ela, obrigava, impositivamente, desde fedelhinha, as pessoas
a lhe chamarem de Tetinha. Quando fez trinta anos, impôs o
Dona (com a letra D maiúscula) atrás da Tetinha, isto
é: Dona Tetinha. Pode? Pode, sim, pois era assim que era.
Dessas coisas que a vida não explica!
No
segundo domingo de maio do ano passado, a filha (que como filha,
verdade seja dita, de verdade, era irreprochável) resolveu
dar umas flores de presente para a amada mãe. Bem pertinho
de onde moravam, havia uma loja de flores. E lá foi ela,
carregando na carcunda o seu mau humor conato, beato e caricato.
Caramba! Esse três-em-um é mesmo de amar(g)ar!
Ao
chegar à loja (quem gosta de esnobar teria gerundiado e escrito
em lá chegando), o dono, que era muito extrovertido, foi
logo brincando: — Gerânio-brasileiro,
seu criado; para servi-la.
Dona
Tetinha, com cara de bunda amassada, foi logo dizendo: — O
senhor tem Bromélia?
Gerânio-brasileiro,
vendo logo que a mulher era antipática e desagradável,
resolveu sacaneá-la e dar uma chacoalhada nela: — Fidalga
senhora: infelicitadamente, bromélia está em falta
no mercado, mas, temos bocélia honoluluense.
Se interessar,
posso fazer um precinho especial.
Dona
Tetinha nem pestanejou; foi de bate-pronto: —
Primeiro, fidalga senhora é a sua digníssima
'mater gestatrix'. Segundo, senhor florista
enxerido: a
sua bocélia sei-lá-o-quê e
o seu precinho especial
trate de enfiar tudo no seu rododendro.
E saiu porta afora
rezingando. O que Dona
Tetinha
acabou dando para a mãe naquele dia das mães do ano
passado (se
deu alguma coisa, porque a outra coisinha nunca deu para ninguém)
ninguém ficou sabendo.
Dona
Tetinha espinafrando o florista!
Este
ano (2.013), Dona Tetinha encomendou de Dona Bijoux (uma muambeira
que traz uns cacarecos lá do Paraguai) uma pulseitinha*
de berloques. Flores? Nunca mais. Nunca mais mesmo. Definitivamente,
porque me contaram que ela disse adeus ao mundo e entregou a rapadura
dois dias depois do dia das mães deste ano. Que drama!
Bem,
isto não é o mais dramático da estória.
Fiquei sabendo, direitinho, de fonte insuspeita e fidedigna, que
quando Dona Tetinha chegou ao céu, São Pedro (de Betsaida,
na Galiléia, Terra Santa), rapidinho, chamou São Roque
(de Montpellier, Languedoc-Roussillon, França), e disse entre
os dentes: — Roque,
meu Irmão, me faz um favor celestial: atende essa velha xexé
que tá chegando aí, que eu não agüento.
Essa velha é demais para a minha santidade; se bobear, eu
esgano essa infeliz. Velha
xexé não dá!
Se ela perguntar por mim, diz que fui por aí,
levando
minha viola debaixo do sovaco.
Sou santo, como você, mas tenho minhas limitações!
Ainda bem que o nosso Chefe não está vendo isto, senão...
*
Pulseitinha
é bostinha de pulseira!