O BANQUETE (do AMOR)

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Jovem Defendendo-se de Eros

Jovem Defendendo-se de Eros
William-Adolphe Bouguereau (1825 – 1905)

 

 

 

Parte I

 

 

 

Comer, beber, festejar

– não sentir o tempo passar –

ou ouvir nostro Vox Dei, sem temer,

e se preparar para o vir-a-ser?

 

 

 

 

Parte II
O Banquete
Platão
(Fragmentos editados)

 

 

 

 

Como seria bom se a natureza do saber fluísse do mais pleno ao mais vazio, como a água que escorre do copo mais cheio ao mais vazio pelo fio de lã.

 

A embriaguez é um mal terrível para os homens.

 

Não é estranho, Erixímaco, que para outros deuses haja hinos e peãs,1 feitos pelos poetas, enquanto que ao Amor, todavia, um deus tão venerável e tão grande, jamais um só dos poetas que tanto se engrandeceram fez sequer um encômio?2

 

Entre os Deuses, o Amor é o mais antigo. E sendo o mais antigo é para nós a causa dos maiores bens.

 

 


Shrek

 

O Amor, com efeito, deve dirigir a vida dos homens que estão prontos a vivê-la nobremente. Não é com efeito possível, sem isto, nem cidade nem indivíduo produzirem grandes e belas obras.

 

O Amor é dos Deuses o mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade entre os homens, tanto em vida como após morte.

 

Toda ação, é assim que se apresenta: em si mesma, enquanto simplesmente praticada, nem é bela nem feia. Por exemplo, o que estamos agora a fazer – beber, cantar, conversar – nada disto, em si, é belo, mas é na ação, na maneira como é feito, que resulta tal; o que é bela e corretamente feito fica belo, o que não o é fica feio. Assim é que o amar e o Amor não é todo ele belo e digno de ser louvado, mas apenas o que leva a amar belamente. O Amor, enfim, não é, em si e por si, nem belo nem feio; mas se decentemente praticado é belo, se indecentemente, feio.

 

Não aproveita aos governantes que nasçam grandes idéias entre os governados nem amizades e associações inabaláveis, o que, justamente, mais do que qualquer outra coisa, costuma o amor inspirar.

 

É mau aquele amante popular, que ama o corpo mais do que a alma.

 

Em tudo por tudo, é belo aquiescer em vista da virtude.

 

O Amor não está apenas nas almas dos homens, e para com os belos jovens, mas, também, nas outras partes e em muitos outros objetos, nos corpos de todos os animais, nas plantas da terra e, por assim dizer, em todos os seres.

 

A natureza dos corpos, com efeito, comporta um duplo Amor: o sadio e o mórbido. Cada um, reconhecidamente, é um estado diverso e dessemelhante. Um, portanto, é o amor do que é sadio; e outro, do que é mórbido.

 

É grande absurdo dizer que uma harmonia está discordando ou resulta do que ainda está discordando. A harmonia é consonância, consonância é uma certa combinação – e combinação de discordantes, enquanto discordam, é impossível, e inversamente o que discorda e não combina é impossível harmonizar – assim como também o ritmo, que resulta do rápido e do certo, antes dissociados e depois combinados.

 

A música, no tocante à harmonia e ao ritmo, é ciência dos fenômenos amorosos.

 

É uma importante tarefa o servir-se convenientemente dos apetites da arte culinária, de modo a que, sem doença, se colha o seu prazer.

 

Múltiplo e grande, ou melhor, universal é o poder que em geral tem todo o Amor. Mas aquele que em torno do que é bom se consuma com sabedoria e justiça, entre nós como entre os Deuses, é o que tem o máximo poder e toda felicidade nos prepara, pondo-nos em condições de não só entre nós mantermos convívio e amizade, como também com os que são mais poderosos que nós – os Deuses.

 

Os homens, absolutamente, não perceberam ainda o poder do Amor. Se o tivessem percebido, os maiores templos e os maiores altares lhe preparariam, e os maiores sacrifícios lhe fariam, não como agora, que nada disto há em sua honra, quando mais do que tudo deve haver.

 

Nossa natureza, outrora, não era a mesma que a de agora; mas diferente. Em primeiro lugar, três eram os gêneros da Humanidade, não dois como agora, o masculino e o feminino, mas também havia um terceiro, comum a estes dois, do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino, enquanto, agora, nada mais é do que um nome posto em desonra. O masculino, de início, era descendente do Sol; o feminino, da Terra; e o que tinha de ambos, era da Lua, pois também a Lua tem de ambos.

 

 

Androginia

 

Cada um de nós, portanto, é uma téssera3 complementar de um homem, porque cortado como os linguados, de um só em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento. Por conseguinte, todos os homens que são um corte do tipo comum, o que então se chamava andrógino, gostam de mulheres, e a maioria dos adultérios provém deste tipo, assim como também todas as mulheres que gostam de homens e são adúlteras é deste tipo que provêm. Todas as mulheres que são o corte de uma mulher não dirigem muito sua atenção aos homens, mas antes estão voltadas para as mulheres, e as amiguinhas provêm deste tipo. E todos os que são corte de um macho perseguem o macho, e enquanto são crianças, como cortículos do macho, gostam dos homens e se comprazem em se deitar com os homens e a eles se enlaçar...

 

Em nossa antiga natureza, nós éramos um todo. É, portanto, ao desejo e procura do todo que se dá o nome de Amor.

 

Todo homem deve a todos exortar à piedade... na medida em que o Amor nos dirige e comanda.

 

Nossa raça se tornaria feliz, se plenamente realizássemos o Amor, e o seu próprio amado cada um encontrasse, tornado à sua primitiva natureza.

 

A quem tem juízo, poucos sensatos são mais temíveis do que uma multidão insensata.

 

De todos os deuses, que são felizes, é o Amor – se é lícito dizê-lo sem incorrer em vingança o mais feliz, porque é o mais belo deles e o melhor.

 

O Amor não comete nem sofre injustiça, nem de um Deus ou contra um Deus, nem de um homem ou contra um homem.

 

Todo homem de bom grado serve em tudo ao Amor.

 

O quanto possível deve-se procurar não ser omisso.

 

O que não se tem ou o que não se sabe a outro não se pode dar ou ensinar.4

 

Quem contestará que não é pela Sabedoria do Amor pela qual nascem e crescem todos os animais?

 

O Amor, evidentemente, surgiu da Beleza, pois no feio não se firma o Amor.

 

Desde que o Amor existiu, toda espécie de bem surgiu para Deuses e homens.

 

Por ser em si mesmo o mais belo e o melhor, o Amor é para todos a causa de tantos bens.

 

É o Amor que produz paz entre os homens e no mar bonança; repouso tranqüilo de ventos e sono na dor. É Ele que nos tira o sentimento de estranheza e nos enche de familiaridade, para mutuamente nos encontrarmos, tornando-se nosso guia nas festas, nos coros, nos sacrifícios; incutindo brandura e excluindo rudeza; pródigo de benquerer e incapaz de malquerer; propício e bom; contemplado pelos sábios e admirado pelos Deuses; invejado pelos desafortunados e conquistado pelos afortunados; pai do luxo, do requinte, do brilho, das graças, do ardor e da paixão; diligente com o que é bom e negligente com o que é mau; no labor, no temor, no ardor da paixão, no teor da expressão, piloto e combatente, protetor e salvador supremo, adorno de todos os Deuses e homens, guia belíssimo e excelente, que todo homem deve seguir, celebrando-O em belos hinos, e, compartilhando do canto com Ele, encanta o pensamento de todos os Deuses e todos os homens.

 

Como pode ser ciência o que é sem razão?

 

 

 

 

Um Deus com um homem não se mistura; mas é através do Amor que se faz todo o convívio e todo o diálogo dos Deuses com os homens, tanto quando despertos como quando dormindo.

 

Nenhum Deus filosofa ou deseja ser sábio – pois já é assim como se alguém é sábio não filosofa. Nem também os ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o difícil da ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não deseja, portanto, quem não imagina ser deficiente naquilo que não pensa lhe ser preciso.

 

Uma das coisas mais belas é a Sabedoria,5 e o Amor é amor pela Beleza, de modo que é forçoso o Amor ser filósofo e, sendo filósofo, estar entre o sábio e o ignorante.

 

É, com efeito, pela aquisição do que é bom que os felizes são felizes.

 

Poesia é algo múltiplo. Toda causa de qualquer coisa passar do não-ser ao ser é poesia; de modo que as confecções de todas as artes são poesias, e todos os seus artesãos poetas.

 

A atividade do Amor é, com efeito, um parto em Beleza, tanto no corpo como na alma. Todos os homens concebem, não só no corpo como também na alma, e quando chegam a certa idade, é dar à luz que deseja a nossa natureza. Mas ocorrer isso no que é inadequado é impossível. E o feio é inadequado a tudo o que é divino, enquanto o belo é adequado. Por isto, quando do belo se aproxima o que está em concepção, acalma-se, e de júbilo transborda, e dá à luz, e gera. Quando, porém, é do feio que se aproxima, sombrio e aflito contrai-se, afasta-se, recolhe-se e não gera, mas, retendo o que concebeu, penosamente o carrega. Daí, é que ao que está prenhe e já intumescido é grande o alvoroço que lhe vem à vista do Belo, que de uma grande dor liberta o que está prenhe.

 

A natureza mortal procura, na medida do possível, ser sempre e ficar imortal. E ela só pode assim, através da geração, porque sempre deixa um outro ser novo em lugar do velho; pois é nisso que se diz que cada espécie animal vive e é a mesma – assim como de criança o homem se diz o mesmo até se tornar velho. Este, na verdade, apesar de jamais ter em si as mesmas coisas, diz-se, todavia, que é o mesmo, embora sempre se renovando e perdendo alguma coisa, nos cabelos, nas carnes, nos ossos, no sangue e em todo o corpo. E não é que é só no corpo, mas também na alma os modos, os costumes, as opiniões, os desejos, os prazeres, as aflições, os temores, cada um desses afetos jamais permanece o mesmo em cada um de nós, mas uns nascem, outros morrem. Mas ainda mais estranho do que isto é que até as ciências não é só que umas nascem e outras morrem para nós, e jamais somos os mesmos nas ciências, mas ainda cada uma delas sofre a mesma contingência. O que, com efeito, se chama exercitar é como se de nós estivesse saindo a ciência; esquecimento é escape de ciência, e o exercício, introduzindo uma nova lembrança em lugar da que está saindo, salva a ciência, de modo a parecer ela ser a mesma. É deste modo que tudo o que é mortal se conserva, e não pelo fato de absolutamente ser sempre o mesmo, como o que é divino, mas pelo fato de deixar o que parte e envelhece um outro ser novo, tal qual ele mesmo era. É por esse meio que o mortal participa da imortalidade. No corpo, como em tudo mais, o imortal, porém, é de outro modo. É em virtude da imortalidade, que a todo ser esse zelo e esse amor acompanham.

 

A Beleza que está na alma deve ser considerada mais preciosa que a beleza do corpo.

 

Deve o homem, voltado ao vasto oceano da Beleza – e, contemplando-A produzir reflexões e discursos belos e magníficos, em inesgotável amor à Sabedoria, até que, aí, robustecido e crescido, contemple uma certa Ciência única6 tal que o seu objeto é o Belo... de um modo tal que, enquanto nasce e perece tudo mais, em nada este homem fica maior ou menor, nem nada sofre.

 

 

 

 

Parte III

 

 

 

Foi-se o tempo dos banquetes...

Foi-se o tempo dos romancetes...

Foi-se, no Jack Daniel's do tempo,

o tempo que era aborrecimento...

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Peã = entre os antigos gregos, canto ou hino coral de invocação, celebração, agradecimento, triunfo, louvor ou exaltação, originalmente em honra a Apolo (no seu epíteto ou aspecto de Peão, médico dos deuses), mas também estendido a outras divindades e a indivíduos importantes, e cantado em ocasiões diversas como rituais, vitórias e campanhas militares, durante as libações, e em acontecimentos públicos.

2. Encômio = na Grécia antiga, hino religioso de louvor ou discurso ou canto em louvor de alguém.

3. Téssera (ou tessela) pode ter vários sentidos: 1º) peça de mosaico, feita de pedra, vidro colorido ou outro material, usualmente na forma de cubo; 2º) na Roma Antiga: a) placa de identificação para objetos e escravos; e b) pequena peça de osso, de marfim ou de outro material que servia como bilhete de entrada nos espetáculos de anfiteatros ou arenas; 3º) na Idade Média, peça de metal, geralmente de formato circular, usada especialmente nas trocas comerciais, analogamente às modernas fichas, em substituição às moedas que em alguns períodos rarearam; 4º) ilha na Laguna de Veneza, Itália; e 5º) em Astrogeologia, uma porção de superfície planetária fragmentada de maneira irregular, particularmente comum em Vênus.

4. O que sabe a maioria dos carolas e dos papa-hóstias para dar ou ensinar, que não sejam conteúdos fideístas, desarrazoamentos descabidos e preconceitos acaçapantes?

5. SOPhIa.

6. Iniciática.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.super-science-fair-projects.com/
biology-science-fair-projects.html

http://anasimplesassim.wordpress.com/2007/
05/26/accidentally-in-love-segunda-blogada/

http://pt.wikipedia.org/
wiki/T%C3%A9ssera

http://helenismo.forumeiros.com/
livros-f18/e-books-portugues-t187.htm

http://ateus.net/ebooks/

 

Bibliografia:

PLATÃO. O banquete. Tradução, notas e comentários de Donaldo Schüler. Porto Alegre: L&PM, 2009.

 

Fundo musical:

Love Theme From "Romeo And Juliet"
Compositor: Nino Rota

Fonte:

http://rosemck1.tripod.com/jukebox-1950s.html