Como
seria bom se a natureza do saber fluísse do mais pleno ao mais vazio,
como a água que escorre do copo mais cheio ao mais vazio pelo fio
de lã.
A
embriaguez é um mal terrível para os homens.
Não é estranho, Erixímaco,
que para outros deuses haja hinos e peãs,1
feitos pelos poetas, enquanto que ao Amor, todavia, um deus tão venerável
e tão grande, jamais um só dos poetas que tanto se engrandeceram
fez sequer um encômio?2
Entre
os Deuses, o Amor é o mais antigo. E sendo o mais antigo é
para nós a causa dos maiores bens.
Shrek
O
Amor, com efeito, deve dirigir a vida dos homens que estão prontos
a vivê-la nobremente. Não é com efeito possível,
sem isto, nem cidade nem indivíduo produzirem grandes e belas obras.
O Amor é dos Deuses o mais
antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição
da virtude e da felicidade entre os homens, tanto em vida como após
morte.
Toda
ação, é assim que se apresenta: em si mesma, enquanto
simplesmente praticada, nem é bela nem feia. Por exemplo, o que estamos
agora a fazer – beber, cantar, conversar – nada disto, em si,
é belo, mas é na ação, na maneira como é
feito, que resulta tal; o que é bela e corretamente feito fica belo,
o que não o é fica feio. Assim é que o amar e o Amor
não é todo ele belo e digno de ser louvado, mas apenas o que
leva a amar belamente. O Amor, enfim, não é, em si e por si,
nem belo nem feio; mas se decentemente praticado é belo, se indecentemente,
feio.
Não
aproveita aos governantes que nasçam grandes idéias entre
os governados nem amizades e associações inabaláveis,
o que, justamente, mais do que qualquer outra coisa, costuma o amor inspirar.
É
mau aquele amante
popular, que ama o corpo mais do que a alma.
Em
tudo por tudo, é belo aquiescer em vista da virtude.
O
Amor não está apenas nas almas dos homens, e para com os belos
jovens, mas, também, nas outras partes e em muitos outros objetos,
nos corpos de todos os animais, nas plantas da terra e, por assim dizer,
em todos os seres.
A natureza dos corpos, com efeito,
comporta um duplo Amor: o sadio e o mórbido. Cada um, reconhecidamente,
é um estado diverso e dessemelhante. Um, portanto, é o amor
do que é sadio; e outro, do que é mórbido.
É
grande absurdo dizer que uma harmonia está discordando ou resulta
do que ainda está discordando. A harmonia é consonância,
consonância é uma certa combinação – e
combinação de discordantes, enquanto discordam, é impossível,
e inversamente o que discorda e não combina é impossível
harmonizar – assim como também o ritmo, que resulta do rápido
e do certo, antes dissociados e depois combinados.
A música, no tocante à
harmonia e ao ritmo, é ciência dos fenômenos amorosos.
É
uma importante tarefa o servir-se convenientemente dos apetites da arte
culinária, de modo a que, sem doença, se colha o seu prazer.
Múltiplo
e grande, ou melhor, universal é o poder que em geral tem todo o
Amor. Mas aquele que em torno do que é bom se consuma com sabedoria
e justiça, entre nós como entre os Deuses, é o que
tem o máximo poder e toda felicidade nos prepara, pondo-nos em condições
de não só entre nós mantermos convívio e amizade,
como também com os que são mais poderosos que nós –
os Deuses.
Os homens, absolutamente, não
perceberam ainda o poder do Amor. Se o tivessem percebido, os maiores templos
e os maiores altares lhe preparariam, e os maiores sacrifícios lhe
fariam, não como agora, que nada disto há em sua honra, quando
mais do que tudo deve haver.
Nossa natureza, outrora, não
era a mesma que a de agora; mas diferente. Em primeiro lugar, três
eram os gêneros da Humanidade, não dois como agora, o masculino
e o feminino, mas também havia um terceiro, comum a estes dois, do
qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então
um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao
masculino e ao feminino, enquanto, agora, nada mais é do que um nome
posto em desonra. O masculino, de início, era descendente do Sol;
o feminino, da Terra; e o que tinha de ambos, era da Lua, pois também
a Lua tem de ambos.
Androginia
Cada
um de nós, portanto, é uma téssera3
complementar de um homem, porque cortado como os linguados, de um só
em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento.
Por conseguinte, todos os homens que são um corte do tipo comum,
o que então se chamava andrógino, gostam de mulheres, e a
maioria dos adultérios provém deste tipo, assim como também
todas as mulheres que gostam de homens e são adúlteras é
deste tipo que provêm. Todas as mulheres que são o corte de
uma mulher não dirigem muito sua atenção aos homens,
mas antes estão voltadas para as mulheres, e as amiguinhas provêm
deste tipo. E todos os que são corte de um macho perseguem o macho,
e enquanto são crianças, como cortículos do macho,
gostam dos homens e se comprazem em se deitar com os homens e a eles se
enlaçar...
Em
nossa antiga natureza, nós éramos um todo. É, portanto,
ao desejo e procura do todo que se dá o nome de Amor.
Todo
homem deve a todos exortar à piedade... na medida em que o Amor nos
dirige e comanda.
Nossa
raça se tornaria feliz, se plenamente realizássemos o Amor,
e o seu próprio amado cada um encontrasse, tornado à sua primitiva
natureza.
A
quem tem juízo, poucos sensatos são mais temíveis do
que uma multidão insensata.
De
todos os deuses, que são felizes, é o Amor – se é
lícito dizê-lo sem incorrer em vingança –
o mais feliz, porque
é o mais belo deles e o melhor.
O
Amor não comete nem sofre injustiça, nem de um Deus ou contra
um Deus, nem de um homem ou contra um homem.
Todo
homem de bom grado serve em tudo ao Amor.
O
quanto possível deve-se procurar não ser omisso.
O
que não se tem ou o que não se sabe a outro não se
pode dar ou ensinar.4
Quem contestará que não
é pela Sabedoria do Amor pela qual nascem e crescem todos os animais?
O
Amor, evidentemente, surgiu da Beleza, pois no feio não se firma
o Amor.
Desde
que o Amor existiu, toda espécie de bem surgiu para Deuses e homens.
Por
ser em si mesmo o mais belo e o melhor, o
Amor é
para todos a causa de tantos bens.
É
o Amor que produz paz entre os homens e no mar bonança; repouso tranqüilo
de ventos e sono na dor. É Ele que nos tira o sentimento de estranheza
e nos enche de familiaridade, para mutuamente nos encontrarmos, tornando-se
nosso guia nas festas, nos coros, nos sacrifícios; incutindo brandura
e excluindo rudeza; pródigo de benquerer e incapaz de malquerer;
propício e bom; contemplado pelos sábios e admirado pelos
Deuses; invejado pelos desafortunados e conquistado pelos afortunados;
pai do
luxo, do requinte, do brilho, das graças, do ardor e da paixão;
diligente com o que é bom e negligente com o que é mau; no
labor, no temor, no ardor da paixão, no teor da expressão,
piloto e combatente, protetor e salvador supremo, adorno de todos os Deuses
e homens, guia belíssimo e excelente, que todo homem deve seguir,
celebrando-O em belos hinos, e, compartilhando do canto com Ele, encanta
o pensamento de todos os Deuses e todos
os homens.
Como pode ser ciência o
que é sem razão?
Um
Deus com um homem não se mistura; mas é através do
Amor que se faz todo o convívio e todo
o diálogo
dos Deuses com os homens, tanto quando despertos como quando dormindo.
Nenhum
Deus filosofa ou deseja ser sábio – pois já é
–
assim como se alguém
é sábio não filosofa. Nem também os ignorantes
filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está
o difícil da ignorância, no pensar, quem não é
um homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não
deseja, portanto, quem não imagina ser deficiente naquilo que não
pensa lhe ser preciso.
Uma das coisas mais belas é
a Sabedoria,5
e o Amor é amor pela Beleza, de modo que é forçoso
o Amor ser filósofo e, sendo filósofo, estar entre o sábio
e o ignorante.
É, com efeito, pela aquisição
do que é bom que os felizes são felizes.
Poesia
é algo múltiplo. Toda causa de qualquer coisa passar do não-ser
ao ser é poesia; de modo que as confecções de todas
as artes são poesias, e todos os seus artesãos poetas.
A atividade do Amor é, com
efeito, um parto em Beleza, tanto no corpo como na alma. Todos os homens
concebem, não só no corpo como também na alma, e quando
chegam a certa idade, é dar à luz que deseja a nossa natureza.
Mas ocorrer isso no que é inadequado é impossível.
E o feio é inadequado a tudo o que é divino, enquanto o belo
é adequado. Por isto, quando do belo se aproxima o que está
em concepção, acalma-se, e de júbilo transborda, e
dá à luz, e gera. Quando, porém, é do feio que
se aproxima, sombrio e aflito contrai-se, afasta-se, recolhe-se e não
gera, mas, retendo o que concebeu, penosamente o carrega. Daí, é
que ao que está prenhe e já intumescido é grande o
alvoroço que lhe vem à vista do Belo, que de uma grande dor
liberta o que está prenhe.
A
natureza mortal procura, na medida do possível, ser sempre e ficar
imortal. E ela só pode assim, através da geração,
porque sempre deixa um outro ser novo em lugar do velho; pois é nisso
que se diz que cada espécie animal vive e é a mesma –
assim como de criança o homem se diz o mesmo até se tornar
velho. Este, na verdade, apesar de jamais ter em si as mesmas coisas, diz-se,
todavia, que é o mesmo, embora sempre se renovando e perdendo alguma
coisa, nos cabelos, nas carnes, nos ossos, no sangue e em todo o corpo.
E não é que é só no corpo, mas também
na alma os modos, os costumes, as opiniões, os desejos, os prazeres,
as aflições, os temores, cada um desses afetos jamais permanece
o mesmo em cada um de nós, mas uns nascem, outros morrem. Mas ainda
mais estranho do que isto é que até as ciências não
é só que umas nascem e outras morrem para nós, e jamais
somos os mesmos nas ciências, mas ainda cada uma delas sofre a mesma
contingência. O que, com efeito, se chama exercitar é como
se de nós estivesse saindo a ciência; esquecimento é
escape de ciência, e o exercício, introduzindo uma nova lembrança
em lugar da que está saindo, salva a ciência, de modo a parecer
ela ser a mesma. É deste modo que tudo o que é mortal se conserva,
e não pelo fato de absolutamente ser sempre o mesmo, como o que é
divino, mas pelo fato de deixar o que parte e envelhece um outro ser novo,
tal qual ele mesmo era. É por esse meio que o mortal participa da
imortalidade. No corpo, como em tudo mais, o imortal, porém, é
de outro modo. É em virtude da imortalidade, que a todo ser esse
zelo e esse amor acompanham.
A
Beleza que está na alma deve ser considerada mais preciosa que a
beleza
do corpo.
Deve
o homem, voltado ao vasto oceano da Beleza – e, contemplando-A –
produzir
reflexões e
discursos belos e magníficos, em inesgotável amor à
Sabedoria, até que, aí, robustecido e crescido, contemple
uma certa Ciência –
única6
–
tal que o seu objeto
é o Belo... de um modo tal que, enquanto nasce e perece tudo mais,
em nada este homem fica maior ou menor, nem nada sofre.