DOZE BADALADAS
(E um assassinato)

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Commendatore Brancaleone (Mortinho!)

 

 

 

1º Ato:

 

Tempestade! Noite trovoenta! Ventania! Relâmpados misturados com relâmpagos! Chuvarada! São Pedro estava mandando água para Rio Amazonas nenhum botar defeito! Santíssimo, um bairro de classe média-baixa e classe baixa da Zona Oeste do Rio de Janeiro, próximo a Campo Grande, estava debaixo d'água. Décima segunda badalada! Vigésima quarta hora!

 

2º Ato:

 

Um tiro que não é ouvido;
um corpo que cai!
Um gemido sentido;
uma vida que se (es)vai!

 

3º Ato:

 

Na mansão dos Brancaleone di Norcia, em Santíssimo, no banheiro, uma poça de sangue gigantesca! Sobrenadando no meio da poça, o corpo de um homem com a boca aberta e os olhos esbugalhados! Mortinho, claro.

 

4º Ato:

 

Mais tarde, às seis horas da manhã: È morto! È morto! Il Signore Commendatore è morto! Il Commendatore Brancaleone è morto orizzontalmente nel bagno! Una tragedia! — grita Cicciolina, a empregada napolitana de setenta anos, peidando descontroladamente.

 

5º Ato:

 

Corre pra lá... Corre pra cá... Chora daqui... Chora dali... Quem foi? Ninguém sabe; ninguém viu! Nem o Frajola nem o Piu-piu!

 

6º Ato:

 

Chega o famosíssimo detetive belga Hercule Pinaud e, depois de cofiar seu bigodinho, dá início à inquirição.

Relata a esposa, Signora Matelda Silva di Moraes Appolodoro: — Eu estava dormindo e sonhando com o Uguinho; não vi nem ouvi nada.

Relata a filha: — Eu estava numa boa transando com o meu marido; não vi nem ouvi nada.

Relata o marido da filha: — Eu estava transando com a filha da minha sogra; também não vi nem ouvi nada. Pudera!

Relata Cicciolina, a erótica empregada napolitana de setenta anos: — Confesso: eu estava bisbilhouvindo atrás da porta a ver se eu bisbilhouvia a filha da minha patroa transar com o genro da minha patroa; como eu estava muito 'intertida', não vi nem ouvi nada. Quer dizer, bisbiver eu não bisbivi nada, pois, 'per mia sfortuna', a porta estava fechada; mas bisbilhouvir – graças a San Genaro – eu bisbilhouvi sim. Bisbilhouvi mas, 'sul mio onore', não posso contar o que eu bisbilhouvi. É muito por demais impróprio! Valha-me Santíssima Santa Madre Paulina do Agonizante Coração de Jesus! Nem quando eu era 'giovanotta' eu fazia aquelas coisas sacanocráticas! 'Un peccato mortale!'

Relata o mordomo siciliota, Philippo Antonio Hoppkino: — Eu estava fazendo a ronda costumeira da meia-noite. Confirmo 'ipsissima verba' e 'ipsis litteris' que vi a 'vecchia deficiente, schifosa i ficcanasa donna Cicciolina' – a empregada de setenta anos que aparenta ter noventa – xeretando atrás da porta para bisbilhouvir a 'immacolata' transa da filha da nossa patroa, Signora Matelda Silva di Moraes Appolodoro Figlia, com o genro da nossa patroa, Signore Bonapartino Bonaparte di Bonanzza Pizzignacco. De repentíssimo, escutei um canto: Branca, Branca, Branca, Leon, Leon, Leon... Fiii... Bum! Na hora, não entendi nada. Depois, por mero acaso, encontrei o corpo do Ilustrissimo Signore Commendatore Ugo Lodovico Cavalliere Francesco Carlo Giuseppi Pepoli Gasparo Randolfo Domenico Pizzaiolo Rosario Brancaleone Coimbra Silva di Moraes Appolodoro estatelado no banheiro, boiando em uma poça de sangue azul. Fiquei chocadíssimo com o sangue, que era azul; com o corpo, nem tanto, pois o Signore Commendatore parecia estar serenamente dormindo com os olhos bugalhudos. Confesso, sim, que fui eu quem primeiro constatei o 'omicidio', à meia-noite e um minuto, muito antes da 'vecchia ficcanasa donna Cicciolina' ter se deparado com ele de manhãzinha; mas, como estava a começar a altíssima madrugada, não quis incomodar 'i parenti con questa tragedia'. Resolvi, então, esperar amanhecer para telefonar para o senhor, Ilustríssimo Senhor Detetive Belga Hercule Pinaud, para vir descobrir 'chi ha commesso questo atto barbaresco', 'uccindo a sangue freddo Il Signore Commendatore Ugo Lodovico Cavalliere Francesco...'

 

7º Ato:

 

Chega, porra! — Falou o detetive belga Hercule Pinaud já irritadíssimo. Você não pretende repetir o nome completo do falecido outra vez, pois não? É só Uguinho; e pronto. Ademais, já estou cheio de tudo isto e não vou inquirir mais ninguém; já sei quem homicidiou o velho Branca. Foi...

 

8º Ato:

 

Um tiro que (agora) por todos foi ouvido. Uma voz que se calou para sempre; outra vida que já era sem querer deixar de ser! Desta vez céus! – mataram o famosíssimo detetive belga Hercule Pinaud. Quem foi? Ninguém sabe; ninguém viu. Nem o Frajola nem o Piu-piu! Até parece romance policial do Sílvio Eduardo de Abreu, da novela 'Passione'.

 

9º Ato:

 

Por uma gentilíssssima e especialíssssima delicadeza da viúva do Comendador, Signora Matelda Silva di Moraes Appolodoro, Ugo – Il Signore Commendatore – e Hercule – o Senhor Detetive Belga – foram enterrados, lado a lado, no jazigo perpétuo da família, com direito, antes, à uma concorrida missa campal de corpo presente e extrema-unção póstuma. A Signora Matelda pediu ao padre oficiante que desse a comunhão aos falecidos, mas o padre disse que não. — Ora Dona Matelda, extrema-unção vá lá; mas defunto não comunga! argumentou sabiamente o padre.

 

10º Ato:

 

Depois da cerimônia, abatido e cheio de remorso, o mordomo Philippo Antonio Hoppkino se enforcou em uma árvore do jardim da mansão dos Brancaleone di Norcia. No corpo pendurado, deixou pendurada uma carta no pescoço (a quem interessar possa), na qual dizia se sentir culpado pela morte do Comendador, e não poderia mais continuar a viver com aquele peso na consciência impossível de ser suportado. Afinal, segundo o mordomo deixou escrito na carta que estava pendurada no pescoço, se eu tivesse feito a ronda da meia-noite às onze horas, cinqüenta e nove minutos e cinqüenta e nove segundos, Il Signore Commendatore Ugo Lodovico... di Moraes Appolodoro ainda poderia estar respirando o ar de Santíssimo. Todo mundo acabou pensando que ele era o assassino, principalmente depois de ele ter sido o primeiro a dar de cara com o presunto, e de ter esperado amanhecer para telefonar para o senhor Ilustríssimo Senhor Detetive Belga Hercule Pinaud.

 

11º Ato:

 

O motorista da família, Cícero Alencastro dos Prazeres Prazerosos, que nem sequer foi ouvido pelo detetive belga Hercule Pinaud, pois se escondera na mala do Uno Mille dos Brancaleone, adorou o suicídio do mordomo Philippo.

 

12º Ato:

 

Não há décimo segundo ato. Agora, apesar de todo mundo ter ficado convencido de que o assassino do Senhor Comendador Brancaleone foi o mordomo Philippo, não fique aí, contrariando a vontade dos parentes do defunto, a imaginar que o assassino é o motorista da família dos Branca. Eu tenho certeza que não foi ele, como também sei que não foi o mordomo. Cícero Alencastro dos Prazeres Prazerosos apenas adorou que o mordomo tenha se auto-apagado porque, certa vez, o viu... Bem, eu não posso dizer o que o motorista da família Brancaleone viu porque ele me pediu para não contar pra ninguém. Mas que ele tinha uma certa pinimbazinha com Philippo, isto, com efeito, ele tinha.

 

 

 

 

 

Post-Scriptum 1a: O motorista da família morreu uma semana depois da morte do mordomo. Um raio caiu na cabeça dele e rachou a caixa óssea que continha e protegia o seu modesto encéfalo bem no meio. Foi massa encefálica pra todo lado. Devido à ensurdecedora e gigantesca explosão cranial, até na Faixa de Gaza acharam um pedaço! Dizem que um outro pedaço caiu bem no cocuruto do Presidente Barack Hussein Obama II, escorrendo por sua testa, justamente quando ele dava uma declaração importantíssima sobre a Microsoft Corporation do Bill Gates, nos jardins da White House. Não há informações precisas, mas parece que a mobilização dos secretas foi geral, que as forças armadas entraram em prontidão em todo o país e que soou o alerta vermelho, pois, a princípio, se pensou que se tratasse de um atentado terrorista de proporções avassaladoras. Afinal, Obama é o homem mais importante e mais poderoso do Planeta Azul, e Usamah, bin-arquiinimigo do seu País, quando está acordado, fica sempre com um olho no padre e o outro na missa, e quando dorme – se dorme! – (pois, na realidade, ninguém sabe se ele dorme ou se ele não dorme) dorme piscando – sempre com um olho aberto e o outro semi-aberto! Isto deve ser um inferno, mas, enfim...

 

 

 

 

Quando soube do acontecido, Usamah Bin Muhammad bin 'Awæd bin Ladin, o doutor-terror, que estava em Nova Iorque a passeio, morreu de rir, e foi comemorar almoçando mijadra com tabule e café com cardamomo. Hugo Rafael Chávez Frías, Presidente da República Bolivariana da Venezuela, de tão contente, mandou reabrir tudo o que havia mandado fechar. O bonitão Juan Evo Morales Ayma – líder do Partido Movimento para o Socialismo, líder do Movimento Boliviano dos Camponeses Cocaleros e Presidente do Estado Plurinacional da Bolívia – aproveitou o inusitado cocurutaço para reafirmar, como bom cocalero, que hoja de coca nunca fue, no es y nunca será droga. Kim Jong-il, Líder Supremo da República Democrática Popular da Coréia (que tem por lema Cada um tem a certeza de ganhar se acreditar e depender do povo), que ia fazer três testes nucleares consecutivos, mandou suspender dois. Benjamin Netanyahu, Primeiro-ministro do Estado de Israel, prometeu reduzir à metade os assentamentos judeus no território da Cisjordânia. Já Mahmoud Ahmadinejad, Presidente da República Islâmica do Irão, por recomendação expressa do Líder Máximo, Ayatul-Lah Ali Khamenei, diplomaticamente, preferiu não comentar o incidente, apesar de o Presidente Lula ter lulamente insistido para que ele, de leve, desse uma declaraçãozinha formal sobre a cocurutada obâmica. Mahmoud, em telegrama pessoal ao Presidente Lula, informou: Excelentíssimo Senhor Presidente Lulalá: Não posso declarar bulhufas sobre o recente cocurutaço presidencial. Se eu disser alguma coisa, o Khamenei me demite. E eu não quero ser demitido. Ser presidente é 'mutcho' bom. Confira se é ou se não é com o Excelentíssimo Senhor Presidente Hugo Rafael Chávez Frías, Presidente da República Bolivariana da Venezuela, que não quer largar o osso de jeito nenhum. Saudações islâmicas.

 

Post-Scriptum 1b: Donna Cicciolina, a empregada napolitana de setenta anos, também morreu. De apoplexia! Uns dizem que ela morreu de madrugada vendo um filme de sacanagem no canal 62; outros afirmam que era o programa Talk Sex With Sue Johanson, que passa no canal 41. Sei lá; isto não me interessa. Mas a viúva do Signore Commendatore Brancaleone, Signora Matelda Silva di Moraes Appolodoro, continua vivinha da silva. Está com 113 anos, e, segundo consta, andou paquerando o arquiteto Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares Filho (que vai fazer 103 anos em 15 de dezembro de 1907) em uma festinha íntima (para poucos paniguados) na Granja do Torto. O Presidente Lula aprovou a paquera, a esposa do Presidente, Senhora Marisa Letícia, incentivou, Dilma Vana Rousseff achou melhor não dar pitaco, José Dirceu só disse uai, José Serra, que também estava lá, fez como Benedito Valadares (declarou oficialmente: — Eu não sou contra, nem a favor, muito pelo contrário!), Henrique de Campos Meirelles, o inflexível presidente do Banco Central do Brasil, até prometeu baixar os juros se o namoro se efetivasse, mas o Oscar não topou de jeito nenhum; mandou a velha procurar a tchurma dela, lá em Santíssimo. O Oscar tá certo.

 

Post-Scriptum 1c: Não tenho mais informações sobre a mansão dos Brancaleone di Norcia e seus moradores.

 

 

 

 

 

 

Música de fundo:

La Marcia di Brancaleone (do filme L'armata Brancaleone)
Compositor: Carlo Rustichelli

Fonte:

http://www.sacatrapo.net/?cat=5&paged=4

 

Página da Internet consultada:

http://www.cartoonstock.com/
directory/b/big_eyes.asp