Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Apolônio de Tiana

 

 

 

 

 

 

Por mim discerni uma certa sublimidade na disciplina de Pitágoras, e como uma certa sabedoria secreta capacitou-o a saber, não apenas quem ele era a si mesmo, mas também o que ele tinha sido; e eu vi que ele se aproximou dos altares em estado de pureza, e não permitia que a sua barriga fosse profanada pelo partilhar da carne de animais; e que ele manteve o seu corpo puro de todas as peças de roupa tecidas de refugo de animais mortos; e que ele foi o primeiro da humanidade a conter a sua própria língua, inventando uma disciplina de silêncio descrito na frase proverbial, 'Um boi senta-se sobre ela.' Eu também vi que o seu sistema filosófico era em outros aspectos oracular e verdadeiro. Então corri a abraçar os seus sábios ensinamentos...

 

Pitágoras disse que a arte mais divina era a arte da cura. E se a arte da cura é a mais divina, deve ocupar-se tanto da alma como do corpo; pois nenhuma criatura pode estar bem enquanto a parte superior em si está doente.

 

Heráclito jamais aconselhou as pessoas de Éfeso a limparem a sujeira com sujeira.

 

Se Palámedes (famoso por sua sabedoria e inventor do farol, da balança, do alfabeto e do disco) inventou a escrita, não foi somente para que se pudesse escrever, mas a fim de que se saiba quando não é preciso escrever.

 

Durante toda sua vida Apolônio insistiu que em uma encarnação anterior havia sido Palámedes. A Palámedes ofereceu a seguinte invocação: — Oh!, Palámedes! Esquece a ira, pois te enfureceste contra os aqueus. Concede que os homens possam se multiplicar em número e em sabedoria. Sim – Oh!, Palámedes! – autor de toda eloqüência, autor das Musas, autor de mim mesmo.

 

Todos, enquanto somos, estamos na prisão durante a duração do que se chama a vida. Nossa alma, ligada a esse corpo perecível, sofre males numerosos, e é escrava de todas as necessidades de sua condição de homem.

 

Os homens mais sábios são os mais breves em seu discurso. Se os tagarelas sofressem o que fazem os outros sofrerem, não falariam tanto.

 

Se oferecem dinheiro a Apolônio, que se lhe pareça estimável, não terá dificuldades em aceitá-lo, por pouco que dele tenha necessidade. Mas um salário para que ele ensine, jamais, mesmo na necessidade, ele não o aceitará.

 

Conservastes todos os ritos dos sacrifícios, todo o fausto da realeza. Como banqueteadores e alegres convivas, sois irrepreensíveis; mas quantas censuras não se têm a vos fazer, como vizinhos da deusa noite e dia! Não é de vosso meio que saem os gatunos, os bandidos, os mercadores de escravos, todos os homens injustos e ímpios? O templo é um covil de ladrões.

 

Por toda a parte sou olhado como um homem divino; em alguns lugares mesmo tomam-me por um deus. Na minha pátria, ao contrário, sou até aqui desconhecido. É preciso com isso se espantar? Vós mesmos, meus irmãos, eu o vejo, não estais convencidos ainda de que sou superior a muitos homens pela palavra e pelos costumes. E como meus concidadãos e meus parentes se enganaram a meu respeito? Ai!, este erro me é muito doloroso! Eu sei que é belo considerar toda a Terra como sua pátria e todos os homens como seus irmãos e seus amigos, uma vez que todos descendem de Deus e são de uma mesma natureza, uma vez que todos têm igualmente as mesmas paixões, uma vez que todos são homens igualmente, quer tenham nascido Gregos ou bárbaros.

 

A alma é imortal. Quando o corpo está esgotado, semelhante a um corcel veloz que vence a carreira, a alma se lança e se precipita no meio dos espaços etéreos, cheia de desprezo pela triste e rude escravidão que sofreu. Mas que vos importam essas coisas! Vós as conhecereis quando não fordes mais. Enquanto estais entre os vivos, por que procurar penetrar esses mistérios?

 

Se alguém disser que é meu discípulo, então que acrescente que se mantém à parte das termas, que não mata nada vivo, que não come carne, que é livre de inveja, da malícia, do ódio, da calúnia e de sentimentos hostis, mas que tem seu nome inscrito entre a raça dos que alcançaram a liberdade.

 

Não existe a morte de ninguém, exceto na aparência; e não existe qualquer nascimento, a não ser aparente. A mudança do ser para o tornar-se parece ser o nascimento, e a mudança do tornar-se para o ser parece ser a morte, mas na verdade ninguém jamais nasce, e jamais alguém perece. Simplesmente um ser é visível, e então, invisível; o primeiro pela densidade da matéria, o último pela sutileza do ser – um ser que é o mesmo sempre, sua única modificação sendo o movimento e o repouso. Pois o ser tem esta peculiaridade necessária: sua mudança não é produzida por nada externo a si; mas o todo se torna partes e as partes se tornam o todo na unidade de tudo. E se for perguntado: o que é isto que às vezes é visto e às vezes é invisível, ora no mesmo, ora no diferente? Poderia ser respondido: é o modo de todas as coisas aqui no mundo inferior, que quando estão cheias de matéria são visíveis devido à resistência de sua densidade; mas são invisíveis devido à sua sutileza quando se livram da matéria, mesmo que a matéria ainda as circunde e flua através delas naquela imensidão de espaço que existe nelas, mas que não conhece nascimento ou morte.

 

Já que os Deuses conhecem todas as coisas, imagino que alguém que entre no templo com uma consciência correta em si rezaria assim: ‘Dai-me – Oh!, Deuses! – o que me cabe!'

 

Oh!, Deuses! Concedei-me o que eu mereço.

 

Devo ir aonde a Sabedoria e os Deuses me conduzirem.

 

Deus do Sol! Envia-me sobre a Terra até onde for bom para Ti e para mim; e que eu possa conhecer o bem, e jamais conhecer o mal ou ser conhecido por ele.

 

Se realmente tivésseis algum conhecimento da natureza do culto do Fogo, veríeis que muitas coisas são reveladas no Disco do Sol no momento de seu nascimento.

 

 

 

 

Eu não me importo com as constituições; minha vida é governada pelos Deuses.

 

Concedei – Oh!, Deuses! – que eu tenha pouco e que não precise de nada.

 

Eu oro para que a retidão possa imperar, para que as leis permaneçam intactas, para que o sábio seja pobre e os outros, ricos, mas honestamente.

 

Olhai a marujada! Vede como alguns aprontaram os botes, alguns subiram as âncoras e as prenderam, alguns dispuseram as velas para aproveitar o vento, como outros ainda verificaram a proa e a popa. Mas, se um único homem falhar em desempenhar uma só de suas tarefas ou negligenciar suas atribuições, a navegação será ruim e terão a tempestade no meio deles. Todavia, se emularem entre si, tentando equiparar-se cada um a seus companheiros, tal barco terá céus favoráveis e um bom tempo e uma boa viagem sucederão.

 

Maior do que o famoso Colosso... é o homem que anda nos honestos sendeiros da Sabedoria que nos dá a saúde.

 

Damis: — É um erro falar de filosofia com homens tão quebrantados em espírito como estes.

Apolônio: — Não, são eles exatamente as pessoas que mais desejam que alguém lhes fale e os conforte.

 

Uma vida 'ex tempore'1 é a que eu sempre levei.

 

Tigelino: — O que pensais de Nero?

Apolônio: — Penso melhor dele do que vós. Vós acreditais que ele deveria cantar; eu penso que ele deveria se manter em silêncio.

 

Vespasiano: — Ensina-me o que deveria fazer um bom rei.

Apolônio: — Vós me pedis o que não pode ser ensinado, pois a realeza é a maior coisa ao alcance do mortal, e não é ensinada. Mas, vos direi o que, se fizésseis, faríeis bem. Não considereis a riqueza que é acumulada. Em que ela é superior à areia reunida casualmente? Nem aquela que provém de pesadas taxações que oprimem os homens, pois o ouro que vem das lágrimas é vil e negro. Empregareis melhor do que qualquer rei a riqueza, se atenderdes às necessidades dos desfavorecidos e garantirdes a riqueza dos que possuem muito. Temei o poder de fazer o que vos aprouver, assim o usareis com maior prudência. Não apareis as espigas que sobressaem dentre as outras, [...] mas, antes, separai sua animosidade como o joio dentre o grão, e intimidai os agitadores em disputa não dizendo 'eu vos puno’, mas ‘irei fazê-lo’. Submetei-vos à lei – Oh!, Príncipe! – pois fareis leis mais sábias se vós mesmos não desprezardes a lei. Sê mais reverente do que nunca aos Deuses; grandes são as dádivas que recebestes Deles, e orai por grandes coisas. No que tange ao Estado, agi como rei; no que tange a vós mesmos, agi como um homem comum.

 

Quando perguntado por que nunca levantava questões, respondeu: Porque eu fazia perguntas quando era jovem, e não é minha tarefa levantar questões agora, mas ensinar às pessoas o que eu descobri.

 

Damis: — Partamos, Apolônio, tu seguindo Deus e eu a ti.

Apolônio: — Eu, meu bom amigo, entendo todas as linguagens, embora jamais tenha aprendido nenhuma. Não precisas te admirar de meu conhecimento de todas as linguagens, pois, para te dizer a verdade, eu também conheço todos os segredos do silêncio humano.

 

Oh! tu, Sol! Manda-me sobre a Terra até aonde for agradável a mim e a ti, e possa eu associar-me aos homens bons, mas jamais ouça nada dos maus, nem eles de mim.

 

Respeite muitos; confie em poucos.

 

Vive sem ser observado, e se isso for impossível, sai da vida sem que te observem.

 

Carta a Iarcas: Eu vim a vós a pé, mas vós me presenteastes com o mar; mas compartilhando comigo vossa sabedoria, vós me fizestes até mesmo voar pelos céus.

 

Se entronizardes um falcão ou uma coruja ou um cão em vossos templos, para representar Apolo ou Atena ou Hermes, podeis dignificar os animais, mas fareis os Deuses perder dignidade.

 

O perigo é que as pessoas comuns adorem os símbolos e concebam idéias deformadas sobre os Deuses. O melhor seria não haver representação alguma. Pois a mente do adorador pode formar e adequar para si uma imagem do objeto de sua adoração melhor do que qualquer arte.

 

Sócrates não era tolo. Jurava pelos cães e pelos gansos como se fossem Deuses para evitar jurar pelos Deuses.

 

A lei nos obriga a morrer pela liberdade; a Natureza ordena que morramos por nossos pais, nossos amigos ou nossos filhos. Todos os homens estão ligados por estes deveres. Mas um dever superior é imposto sobre o sábio: ele deve morrer por seus princípios e pela verdade que defende – mais cara que a vida. Não é a lei que lhe impõe a escolha, não é a Natureza; é a força e a coragem de sua própria alma. Mesmo que o fogo e a espada lhe aflijam, não sobrepujarão sua resolução ou o obrigarão à menor falsidade; mas ele guardará os segredos das vidas alheias e tudo o que lhe for confiado à honra tão religiosamente como os segredos da Iniciação. E eu sei mais do que os outros homens, pois sei que de tudo o que sei, algumas coisas são para o bom, outras para o sábio, outras para mim mesmo, outras para os Deuses, mas nada para os tiranos. Além disso, penso que um homem sábio não faz nada sozinho ou por si mesmo, e nenhum pensamento seu é secreto, pois ele mesmo é sua testemunha. E se o ditado famoso ‘conhece-te a ti mesmo’ é de Apolo ou de algum sábio que aprendeu a conhecer-se e proclamou-o como um bem para todos, penso que o homem sábio que conhece a si mesmo e traz seu espírito em constante camaradagem, para lutar à sua destra, não temerá o que o vulgo teme nem condescenderá em fazer o que a maioria dos homens faz sem a menor vergonha.

 

É possível para os homens não cometer erros, mas requer-se homens nobres para reconhecer que os cometeram.

 

A fama de Apolônio ainda era evidente no século III, quando o Imperador Romano Lúcio Domício Aureliano (270 – 275) sitiou Tiana, que tinha se rebelado contra as leis romanas. Em um sonho ou em uma visão, Aureliano afirmava ter visto Apolônio falar com ele, suplicando-lhe poupar a cidade de seu nascimento. À parte, Aureliano contou que Apolônio lhe disse: Aureliano, se você deseja governar, abstenha-se do sangue dos inocentes! Aureliano, se você conquistar, seja misericordioso!

 

Antigo hino cantado por Apolônio durante toda sua vida: Tudo se desgasta e murcha com o tempo, enquanto que o próprio tempo jamais envelhece, mas permanece imortal por causa da memória.

 

Os homens bons têm, em sua constituição, algo de Deus. Devemos entender as coisas no céu e todas as coisas no mar e na Terra, que são abertas à fruição de todos os homens igualmente, embora seus destinos não sejam iguais. Mas, existe também um universo dependente do homem bom que não transcende os limites da sabedoria, que permanece na necessidade de um homem moldado à semelhança de Deus... Um homem para administrar e velar pelo universo das almas, um deus enviado pela sabedoria capaz de afastá-los dos desejos e das paixões.

 

Apolônio de Tiana (2 a.C. – 98)

 

 

 

 

 

O Desespero da Ignorância

 

 

Abstenção e misericórdia

para com os minerais.

Abstenção e misericórdia

para com os vegetais.

Abstenção e misericórdia

para com os animais.

Abstenção e misericórdia

para com os hominais.

Abstenção e misericórdia

para com os paganais.

Abstenção e misericórdia

para com os mundanais.

Abstenção e misericórdia

para com os triunfais.

Abstenção e misericórdia

para com os radicais.

Abstenção e misericórdia

para com os insociais.

Abstenção e misericórdia

para com os abnormais.

Abstenção e misericórdia

para com os imperiais.

Abstenção e misericórdia

para com os divisionais.

Abstenção e misericórdia

para com os decadenciais.

Abstenção e misericórdia

para com os criminais.

Abstenção e misericórdia

Abstenção e misericórdia,

nem menos nem mais.

 

 

 

 

Abstenção e Misericórdia

 

 

 

 

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Nota:

1. Ex tempore = De repente. Sem preparação. Sem premeditação. Imediatamente. Espontaneamente.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.levir.com.br/teosofia/inst-008.php

http://ssacramento.blogs.sapo.pt/
11161.html?mode=reply

http://humanidades-e-afins.blogspot.com/
2008/08/werther-demasiado-humano.html

http://www.espirito.org.br/
portal/codificacao/re/1862/10a-apolonio.html

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Apol%C3%B4nio_de_Tiana

http://www.theosophical.ca/theosophical.ws/
Portuguese/ApolonioDeTiana.htm

 

Fundo musical:
Mercy Mercy Me (The Ecology)
Compositor: Marvin Gaye

Fonte:
http://fios.jefftrout.com:8080/
~jw/midi/70's_Various/?S=D