Aqueles
que passam por nós não vão sós; não nos
deixam sós. Deixam um pouco de si; levam um pouco de nós.
A
perfeição não é alcançada quando não
há mais nada a ser incluído, mas, sim, quando não há
mais nada a ser retirado.
Cada
um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui outra. Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho,
mas não vai só nem nos deixa sós. Leva um pouco de
nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito,
mas há os que não levam nada. Esta é a maior responsabilidade
de nossa vida, e a prova de que duas almas não se encontram ao acaso.
Eis
o meu segredo. Ele é muito simples: somente vemos bem com o Coração.
O essencial é invisível aos olhos.
Os olhos são cegos. Deve-se
procurar com o Coração.
Apenas
se vê bem com o Coração, pois, nas horas graves, os
olhos ficam cegos.
Somente
as crianças sabem aquilo que elas procuram.
O que embeleza o deserto, diz o príncipe,
é que ele esconde poços em algum lugar.
O
amor não consiste em olhar um para o outro, mas, sim, em olhar juntos
para a mesma direção.
Tu
te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.
O
significado das coisas não está nas coisas em si, mas, sim,
em nossa atitude com relação a elas.
O
homem é, acima de tudo, aquele que cria.
Foi
o tempo que perdeste com tua Rosa que fez tua Rosa tão importante.
Não
confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos.
Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não
faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do
amor, este é que faz sofrer. Eu sei assim reconhecer aquele que ama
verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor
verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em
troca.
Sua
tarefa não é de prever o futuro, mas, sim, de o permitir.
Quando a gente lhes fala de um novo
amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam nunca:
'Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será
que coleciona borboletas?' Mas perguntam: 'Qual é sua idade? Quantos
irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?' Somente então
é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos às pessoas
grandes 'vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela,
pombas no telhado...' elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma
idéia da casa. É preciso dizer-lhes: 'Vi uma casa de seiscentos
contos'. Então, elas exclamam: 'Que beleza!'
Claro
que te farei mal. Claro que me farás mal. Claro que podemos, mas
esta é a condição da existência. Receber a primavera
significa correr os riscos do inverno. Se desistir agora, será correr
o risco do desaparecimento. Amo-te.
As
pessoas adultas nunca entendem nada sozinhas, e é cansativo, para
as crianças, de sempre ter de lhes dar explicações.
No
planeta do principezinho, havia, como em todos os outros planetas, ervas
boas e más. Por conseguinte, sementes boas, de ervas boas; sementes
más, de ervas más. Mas, as sementes são invisíveis.
Elas dormem no segredo da terra, até que uma cisme de despertar.
Então, ela espreguiça, e lança timidamente para o Sol
um inofensivo galhinho.
Ora, havia sementes terríveis
no planeta do principezinho: as sementes de baobá... O solo do planeta
estava infestado. E um baobá, se a gente custa a descobri-lo, nunca
mais se livra dele.
Quando
terminamos nossa limpeza matinal, devemos fazer, cuidadosamente, a limpeza
do planeta.
Eu
gosto muito do pôr do Sol. Vamos ver um pôr do Sol?
Se
alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões
e milhões de estrelas, isto basta para que seja feliz enquanto a
contempla!
Não
se deve escutar nunca as flores. Devemos somente olhá-las e respirá-las.
Nunca
se sabe!1
É
bem mais difícil julgar a si mesmo do que julgar os outros. Se consegues
julgar-te bem, és um verdadeiro sábio.
Tu
não és ainda, para mim, senão um garoto inteiramente
igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens também necessidade de mim. Não passo,
a teus olhos, de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me
cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim
o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
A
gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens
não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho
nas lojas. Mas, como não existem lojas de amigos, os homens não
têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me.
A
gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar...
O
verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem.
O Homem distingue-se
dos homens. Nada se diz de essencial acerca da catedral se apenas falarmos
das pedras. Nada se diz de essencial a respeito do Homem se procurarmos
defini-lo pelas qualidades humanas.
Mulher: a mais nua das carnes vivas
e aquela cujo brilho é o mais suave.
A Terra ensina-nos mais acerca de
nós próprios do que todos os livros. Porque ela nos resiste.
Cada
um é responsável por todos. Cada um é o único
responsável. Cada um é o único responsável por
todos.
Se a vida não tem preço,
por que nós nos comportamos sempre como se alguma coisa ultrapassasse,
em valor, a vida humana? Mas, o quê?
O verdadeiro homem mede a sua força,
quando se defronta com o obstáculo.
A
ordem não cria a vida.
O
progresso do homem não é mais do que uma descoberta gradual
de que as suas perguntas não têm significado.
Não
há uma fatalidade exterior; mas existe uma fatalidade interior.2
Há sempre um minuto em que nos descobrimos vulneráveis; então,
os erros nos atraem como uma vertigem.
A
grandeza da oração reside principalmente no fato de não
ter resposta, do que resulta que não inclui qualquer espécie
de comércio.3
Sacrifício
não significa nem amputação nem penitência.4
Os
ritos são no tempo o mesmo que o domicílio é no espaço.
Conhecer
não é demonstrar nem explicar, é aceder à visão.
O
escravo constrói o seu orgulho em função do ardor do
patrão.
A
grandeza de uma profissão é, talvez, antes de tudo, unir os
homens: não há senão um verdadeiro luxo, e este é
o das relações humanas.
Ao
reencontrar amigos, todos nós já provamos o encanto das más
lembranças.
É
o Espírito que conduz o mundo e não a inteligência.
A verdade não é, de
modo algum, aquilo que se demonstra, mas aquilo que se simplifica.
Também
somos ricos das nossas misérias.
O que nos salva é dar um passo.
E outro ainda.
Há vitórias que exaltam,
outras que corrompem. Há derrotas que matam, outras que despertam.
Ser
homem é ser responsável. É sentir que colabora na construção
do mundo.
Amai aqueles em quem mandais, mas
sem lhes dizer nada.5
Em
um mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo.
Na
vida, não existem soluções prontas. Existem forças
em marcha: é preciso criá-las e, então, à elas
se seguem as soluções.6
É
o mesmo Sol que derrete a cera e que seca a argila.7
Se
tu vens às quatro da tarde, desde às três eu começarei
a ser feliz.
Se
tu choras por teres perdido o Sol, as lágrimas te impedirão
de ver as estrelas.
Só
conheço uma liberdade, e esta é a liberdade do pensamento.
Cada
um é importante; ninguém se aproxima do outro por acaso!
As pessoas têm estrelas que
não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são
guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para os sábios,
são problemas. Mas todas estas estrelas se calam. Tu, porém,
terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando,
de noite,
olhares o céu (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então,
será como se todas as estrelas rissem para ti! E tu terás
estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por teres
me
conhecido. Tu serás sempre meu amigo (basta
olhar para o céu; eu estarei lá). Terás vontade de
rir comigo. E abrirás, às vezes, a janela à-toa, por
gosto, e teus amigos ficarão espantados de te ouvir rir, simplesmente
olhando o céu. Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!
Sois
belas, mas vazias. Não se pode morrer por vós. Minha Rosa,
sem dúvida, um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco.
Ela, sozinha, é, porém, mais importante do que vós
todas, pois foi ela que eu reguei. Foi ela que pus em uma redoma. Foi ela
que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas. Foi
ela que eu escutei se queixar ou se gabar, ou mesmo, se calar algumas vezes.
É a minha Rosa.
Só um bom amigo pode nos levar
pela mão e nos libertar.8
Os
homens cultivam cinco mil rosas em um mesmo jardim e não encontram
o que procuram. E, no entanto, o que eles buscam poderia ser achado em uma
só Rosa.
Há
os que levam muito, mas não há os que não levam nada.
Há os que deixam muito, mas não há os que não
deixam nada.
Se acolho um amigo à minha
mesa, peço que se assente, e, se é coxo, não peço
que comece a dançar.
Se
tu amas uma flor que se parece com um uma estrela, é bom, de noite,
olhar o céu. Todas as estrelas estarão floridas.
A
verdadeira autoridade repousa exclusivamente sobre a razão.
O
futuro [vir-a-ser]
não é um lugar onde estamos indo, mas um lugar que estamos
criando. O caminho para ele não
é encontrado, mas construído e o ato de fazê-lo muda
tanto o realizador quando o destino.
Preparar
o futuro significa fundamentar o presente.
Minha
vida é monótona. Mas se tu me cativas, minha vida será
como que cheia de Sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente
de outros passos.
Menino
pequeno, perdido no mundo,
sozinho e cercado de imagem e ilusão,
vagando, vagando sem número e data,
descobre a verdade no meio do chão.
Descobre
na Terra, de olhos pro céu,
pequeno menino, perdido e sozinho,
reinados de estrelas, de sóis e de flores,
poemas ficados na cruz de um caminho.
Menino
pequeno, sozinho encontrou
prazer escondido de olhar e sonhar,
viver e cantar, beijar e reinar,
deitar e chorar, num berço de ar.
Menino
tão só, perdido e pequeno,
que veio do céu, que acaba no mar,
com um sopro retira, do chão, essa gente,
e ensina que é fácil ter asa e voar.
Menino
sozinho, no mundo perdido...
Menino perdido, pequeno e querido...
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Um
monte de pedras deixa de ser um monte de pedras no momento em que um único
homem o contempla, nascendo, dentro dele, a imagem de uma catedral.
Se
procuro em minhas recordações os que me deixaram um sabor
duradouro, se faço balanço das horas que valeram, sempre me
encontro com aquelas que não valeram a pena.
Viva
o hoje, pois o ontem já se foi, e o amanhã talvez não
venha.
Em
cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior com planícies
invioláveis, vales de silêncio e paraísos secretos.
Disse a flor para o pequeno príncipe:
— É preciso que eu suporte duas ou três larvas, se quiser
conhecer as borboletas.
Todas
os grandes personagens começaram por ser crianças, mas poucos
se recordam disto.
O
amor é a única coisa que cresce à medida que se reparte.
Havia, em algum lugar, um parque
cheio de pinheiros e tílias, e uma velha casa que eu amava. Pouco
importava que ela estivesse distante ou próxima, que não pudesse
cercar de calor o meu corpo, nem me abrigar; reduzida apenas a um sonho,
bastava que ela existisse para que a minha noite fosse cheia de sua presença.
Eu não era mais um corpo de homem perdido no areal. Eu me orientava.
Era o menino daquela casa, cheio da lembrança de seus perfumes, cheio
da fragrância dos seus vestíbulos, cheio das vozes que a haviam
animado.
Vês,
lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo
para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram
coisa alguma. E isto é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. Então,
será maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo, que é
dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no
trigo...
Faço
cada noite o balanço do meu dia: se ele foi estéril como educação
pessoal, sou impiedoso com os que me fizeram perdê-lo. A vida corriqueira
tem tão pouca importância, e se parece tanto; a vida interior
é difícil de dizer, há uma espécie de pudor,
é tão pretensioso falar a respeito. Você não
pode imaginar como é a única coisa que importa para mim, o
que modifica todos os valores, até meus julgamentos sobre os outros...
Antes de tudo, sou duro comigo mesmo, e tenho todo o direito de renegar
nos outros o que renego ou corrijo em mim.
No
fundo, existe apenas um único problema neste mundo: como fazer com
que o homem encontre de novo o sentido espiritual da vida, como provocar
a nós mesmos para que retomemos o caminho que nos faz olhar nossas
próprias almas.
O
mundo inteiro se afasta quando se depara com alguém que sabe para
onde está indo.
As pessoas podem ser dividas em três
grupos: as que fazem as coisas acontecer; as que olham as coisas acontecendo;
e as que ficam se perguntando o que foi que aconteceu. Nosso caráter
é aquilo que fazemos quando achamos que ninguém está
olhando. Nunca deixe de ter dúvidas; quando elas param de existir
é porque você parou em sua caminhada.
Eu
conheço um planeta onde há um homem vermelho, quase roxo.
Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém.
Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu: 'Eu
sou um homem sério! Eu sou um homem sério!' E isto o faz inchar-se
de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!
Do primeiro amor, gosta-se mais;
dos outros, gosta-se melhor.
Se
você quer construir um navio, não chame as pessoas para juntar
madeira nem lhes atribua tarefas e trabalho; mas, sim, ensine-as a desejar
a infinita imensidão do oceano.
É
inútil plantar um carvalho na esperança de
ter, em breve, o abrigo de suas folhas.
São
tão contraditórias as flores! Mas eu era jovem demais para
saber amar.9
Que
planeta engraçado! É todo seco, pontudo, salgado. E os homens
não têm imaginação. Repetem o que a gente diz!
Todo homem traz dentro de si o menino
que foi.
A
linguagem é uma fonte de mal-entendidos.
Não
é pela via da linguagem que eu hei de transmitir o que em mim existe.
O que existe em mim não há palavra que o diga.
Todo
o Universo fica diferente, se, em algum lugar que não sabemos onde,
um carneiro, que não conhecemos, comeu ou não uma rosa.
Não é a distância
que mede o afastamento.10
Quando
a gente anda sempre em frente não pode ir muito longe.
E
quando estiveres consolado (a gente sempre se consola), tu ficarás
contente por me teres conhecido.
Vislumbrei
um clarão no mistério da sua presença... Quando o mistério
é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer.
Não
lhe direi as razões que tens para me amar, pois elas não existem.
A razão do amor é simplesmente o amor.
Tu
não compras nem a alegria, nem a saúde, nem o amor verdadeiro.11
Se
alguma coisa se te opõe e te fere, deixa crescer. É que estás
a ganhar raízes e a mudar. Abençoado ferimento que te faz
parir de ti próprio.
Para
compreender, uma
pessoa
tem de se transformar.
O amor são caminhos invisíveis
que libertam as pessoas.
Os
seres são vazios, se não são como janelas ou clarabóias
abertas para Deus.
Não há ascensão
que não doa. Toda metamorfose faz doer. Não penetro nesta
música, se primeiro não sofri com ela. Porque ela não
deve passar do próprio fruto do meu sofrimento.
É
quando resistes que conheces o que te move. Para a folha entregue ao vento,
deixa de haver vento, da mesma maneira que para a pedra liberta deixa de
haver peso.
Para
compreendermos o homem e as suas necessidades, para o conhecermos naquilo
que ele tem de essencial, não precisamos pôr em confronto as
evidências das nossas verdades. Sim, têm razão. Têm
todos razão. A lógica demonstra tudo. Tem razão aquele
que rejeita que todas as desgraças do mundo recaiam sobre os corcundas.
Se declararmos guerra aos corcundas, aprenderemos rapidamente a exaltar-nos.
Vingaremos os crimes dos corcundas. E, sem dúvida, também
os corcundas cometem crimes. A fim de tentarmos separar este essencial,
é necessário esquecermos por um instante as divisões
que, uma vez admitidas, implicam todo um rosário de verdades inabaláveis
e o inerente fanatismo. Podemos classificar os homens em homens de direita
e em homens de esquerda, em corcundas e não-corcundas, em fascistas
e em democratas, e estas distinções são incontestáveis.
Mas, a verdade é aquilo que simplifica o mundo, não aquilo
que cria o caos. A verdade é a linguagem que desencadeia o universal.
Newton
não «descobriu» uma lei há muito disfarçada
de solução de enigma; Newton efetuou uma operação
criativa. Instituiu uma linguagem de homem capaz de exprimir simultaneamente
a queda da maçã em um prado ou a ascensão do Sol. A
verdade não é o que se demonstra, mas o que se simplifica.
De que serve discutir as ideologias? Se todas se demonstram, também
todas se opõem, e semelhantes discussões fazem duvidar da
salvação do homem. Ainda que o homem, por todo o lado, à
nossa volta, revele as mesmas necessidades.
Nenhuma
explicação verbal poderá alguma vez substituir a contemplação.
A unidade do Ser não é transmissível pelas palavras.
Se eu quisesse ensinar a homens, cuja civilização o desconhecesse,
o que é o amor a uma pátria ou a uma quinta, não disporia
de argumento algum para os convencer. São os campos, as pastagens
e o gado que constituem uma quinta. Todos e cada um deles têm como
missão produzir riqueza. No entanto, há alguma coisa na quinta
que escapa à análise dos seus componentes, pois existem proprietários
que, por amor à sua quinta, se arruinariam para a salvar. Pelo contrário,
é esta «alguma coisa» que enriquece com uma qualidade
particular os componentes. Estes se tornam gado de uma quinta, prados de
uma quinta, campos de uma quinta... Assim se passa a ser homem de uma pátria,
de um ofício, de uma civilização, de uma religião.
Mas, para que alguém se reclame de tais seres, convém, antes
de mais, fundá-los em si próprio. E, se não existir
o sentimento da pátria, nenhuma linguagem o transmitirá. O
ser que reivindicamos não o fundamos em nós senão por
atos. Um ser não pertence ao domínio da linguagem, mas dos
atos. O nosso humanismo desprezou os atos. Fracassou na sua tentativa.
É
fácil estabelecer a ordem de uma sociedade na submissão de
cada um dos seus componentes a regras fixas. É fácil moldar
um homem cego que tolere, sem protestar, um mestre ou um Corão. Mas
é muito diferente, para libertar o homem, fazê-lo reinar sobre
si próprio. Mas o que é libertar? Se eu libertar, no deserto,
um homem que não sente nada, que significa a sua liberdade? Não
há liberdade a não ser a de «alguém» que
vai para algum sítio. Libertar este homem seria lhe mostrar que tem
sede e traçar o caminho para um poço. Só então
se lhe ofereceriam possibilidades que teriam significado. Libertar uma pedra
nada significa se não existir gravidade. Porque a pedra, depois de
liberta, não iria à parte alguma.
Combaterei
pelo primado do Homem sobre o indivíduo, como do universal sobre
o particular. Creio que o culto do universal exalta e liga as riquezas particulares,
e funda a única ordem verdadeira, que é a da vida. Uma árvore
está em ordem, apesar das raízes que diferem dos ramos. Creio
que o culto do particular só leva à morte porque funda a ordem
na semelhança. Confunde a unidade do Ser com a identidade das suas
partes. E devasta a catedral para alinhar pedras. Combaterei, pois, todo
aquele que pretenda impor um costume particular aos outros costumes, um
povo aos outros povos, uma raça às outras raças, um
pensamento aos outros pensamentos. Creio que o primado do Homem fundamenta
a única igualdade e a única liberdade que têm significado.
Creio na igualdade dos direitos do homem através de cada indivíduo.
E creio que a única liberdade é a da ascensão do homem.
Igualdade não é identidade. A liberdade não é
a exaltação do indivíduo contra o Homem. Combaterei
todo aquele que pretenda submeter a um indivíduo – ou a uma
massa de indivíduos –
a liberdade do Homem. Creio que a minha civilização
denomina «caridade» o sacrifício consentido ao Homem
para que este estabeleça o seu reino. A caridade é dádiva
ao Homem, através da mediocridade do indivíduo. É ela
que funda o Homem. Combaterei todo aquele que, pretendendo que a minha caridade
honre a mediocridade, renegue o Homem e, assim, aprisione o indivíduo
em uma mediocridade definitiva. Combaterei pelo Homem. Contra os seus inimigos.
Mas também contra mim mesmo.
Parece-me
que confundem fim e meio os que se assustam em demasia com os nossos progressos
técnicos. Quem luta com a única esperança de recolher
bens materiais, efetivamente não recolhe nada que valha a pena viver.
A máquina não é um fim, é uma ferramenta como
a charrua. Se acreditamos que a máquina destrói o homem, é
que, talvez, careçamos de algum recuo para julgarmos os efeitos de
transformações tão rápidas como as que sofremos.
Que são os cem anos de história da máquina comparados
com os cem mil anos de história do homem?
Só
podes ter esperanças de ser fiel se sacrificares a vaidade da tua
imagem. E, se disseres «eu penso como eles, sem distinção»,
ver-te-ás desprezado. Mas sendo, como és, parte deste corpo,
queres lá saber do desprezo! Em vez de te importares com ele, agirás
sobre este corpo. E carregá-lo-ás com a tua própria
inclinação. E irás buscar a tua honra à honra
deles. Porque não há outra coisa a esperar. Se tens motivos
para ter vergonha, não te exponhas. Não fales. Rumina a tua
vergonha. Esta indigestão, que te forçará a te restabeleceres
na tua casa, é excelente. Porque depende de ti. Mas aquele acolá
tem os membros doentes. Que faz ele? Manda cortar os quatro membros. É
doido. Podes procurar a morte para que ao menos em ti respeitem os teus.
Mas não podes renegá-los porque, então, é a
ti que renegas.
Não
te lembras de ter encontrado na vida aquela que se considera um ídolo?
Que havia ela de receber do amor? Tudo, até a tua alegria de a encontrares,
se torna homenagem para ela. Mas, quanto mais a homenagem custa, mais vale:
ela saborearia melhor o teu desespero. Ela devora sem se alimentar. Ela
apodera-se de ti para te queimar à sua honra. Ela é semelhante
a um forno crematório. Ela, na sua avareza, enriquece-se de várias
capturas, julgando encontrar a alegria nesta acumulação. E
não acumula mais do que cinzas. Porque o verdadeiro uso dos teus
dons era caminho de um para o outro, e não captura. Ela verá
penhores nos teus dons e abster-se-á de tos conceder em paga. Na
falta de arrebatamentos que te satisfariam, a falsa reserva dela far-te-á
ver que a comunhão dispensa sinais. É marca da impotência
para amar; não elevação do amor. Se o escultor despreza
a argila, terá de modelar o vento. Se o teu amor despreza os sinais
do amor a pretexto de atingir a essência, o teu amor não passa
de um palavreado. Não descuides as felicitações, nem
os presentes, nem os testemunhos. Serias capaz de amar a propriedade, se
fosses excluindo dela, um por um, como supérfluos, porque particulares
demais, o moinho, o rebanho, a casa? Como construir o amor, que é
rosto lido através da urdidura, se não há urdidura
sobre a qual escrever? Sem cerimonial de pedras, não haveria catedral.
Nem haverá amor sem cerimonial em vistas do amor. Eu só atinjo
a essência da árvore, se ela modelou lentamente a terra segundo
o cerimonial das raízes, do tronco e dos ramos. Nesta altura, ela
é una. Tal árvore, e não uma outra. Mas aquela acolá
desdenha as trocas, que a haviam de fazer nascer. Ela procura no amor um
objeto capturável. E este amor não tem significado algum.
Ela julga que o amor é presente que ela pode fechar nela. Se tu a
amas, é porque ela te conquistou. Ela te fecha nela, convencida de
enriquecer. Ora, o amor não é um tesouro a conquistar, mas
obrigação de parte a parte, fruto de um cerimonial aceito,
rosto dos caminhos da troca. Jamais esta mulher nascerá. Só
de uma rede de laços se pode nascer. Ela continuará a ser
semente abortada, poder por empregar, alma e coração secos.
Ela haverá de envelhecer funebremente, entregue à vaidade
das suas capturas. Tu não podes atribuir nada a ti próprio.
Não és cofre nenhum. És o nó da diversidade.
O templo também é sentido das pedras.
Embora
a experiência me tenha ensinado que se descobrem homens felizes em
maior proporção nos desertos, nos mosteiros e no sacrifício
do que entre os sedentários dos oásis férteis ou das
ilhas ditas afortunadas, nem por isto cometi a asneira de concluir que a
qualidade do alimento se opusesse à natureza da felicidade. Acontece,
simplesmente, que, onde os bens são em maior número oferecem-se
aos homens mais possibilidades de se enganarem quanto à natureza
das suas alegrias: elas, efetivamente, parecem provir das coisas, quando
eles as recebem do sentido, que estas coisas assumem em tal império
ou em tal morada ou em tal propriedade. Para já, pode acontecer que
eles, na abastança, se enganem com maior facilidade e façam
circular mais vezes riquezas vãs. Como os homens do deserto ou do
mosteiro não possuem nada, sabem muito bem donde lhes vêm as
alegrias, e é-lhes assim mais fácil salvar a própria
fonte do seu fervor.
Não
hás de julgar segundo a soma. Vens me dizer que não há
nada a esperar daqueles acolá? São grosseria, gosto do lucro,
egoísmo, ausência de coragem, fealdade. Mas, se me podes falar
assim das pedras, as quais são rudeza, peso morno e espessura, já
não o
podes daquilo que tiras das pedras: estátua
ou templo. Quase nunca vi o ser se comportar como o teriam feito prever
as suas partes. Se pegares em vizinhos à parte, virás a concluir
que cada um deles odeia a guerra e não está disposto a abandonar
o lar, porque ama os filhos e a esposa e as refeições de aniversário;
nem a derramar sangue, porque é bom, dá de comer ao cão
e faz carícias ao burro, nem a roubar outrem, pois tu bem vês
que ele apenas preza a sua própria casa, e puxa o lustro às
suas madeiras, e manda pintar as paredes, e perfuma o jardim de flores.
E dir-me-ás: «Eles representam no mundo o amor à paz...»
No entanto, o império deles não passa de uma grande terrina
onde se vai cozendo a guerra. E a bondade deles e a doçura deles
pelo animal ferido e a emoção deles à vista de flores
não passam de ingrediente de uma magia que prepara o tilintar das
armas, da mesma maneira que aquela mistura de neve, de madeira envernizada
e de cera quente prepara as grandes palpitações do coração,
embora a captura não seja, como nunca é, da essência
do laço.
A
tua atitude emerge do que costumas dizer: «Ainda sou capaz de utilizar
quem é por mim. Mas prefiro, por comodidade, mandar o meu adversário
para o outro campo e abster-me de agir sobre ele, a não ser pela
guerra». Ao proceder assim, não fazes mais do que endurecer
e forjar o teu adversário. E eu cá digo que amigo e inimigo
são palavras da tua lavra. É certo que especificam qualquer
coisa, como definir o que se passará, se vos encontrardes em um campo
de batalha, mas um homem não se rege só por uma palavra. Sei
de inimigos que estão mais perto de mim ou que me são mais
úteis ou que me respeitam mais do que os amigos. As minhas faculdades
de ação sobre o homem não estão ligadas à
sua posição verbal. Direi mesmo que atuo melhor sobre o meu
inimigo do que sobre o amigo: quem caminha na mesma direção
que eu, oferece-me menos oportunidades de encontro e de troca do que aquele
que vem contra mim, disposto a não deixar escapar a mínima
palavra ou gestos meus, que lhe podem sair caros.
A
virtude é a perfeição no estado de homem e não
a ausência de defeitos. Se eu quero construir uma cidade, pego a malandragem
e a ralé. O poder haverá de nobilitá-las. Ofereço-lhes
uma embriaguez, diferente da embriaguez medíocre da rapina, da usura
ou da violação. E veremos aqueles braços nodosos que
edificam. O orgulho vai se transformando em torres, templos e muralhas.
A crueldade torna se grandeza e rigor na disciplina. E ei-los a servirem
uma cidade nascida deles próprios. Trocaram-se por ela no fundo de
seus Corações. E morrerão de pé, nas muralhas,
para a salvarem. Só descobrirás neles virtudes resplandecentes.
Mas tu, que pões má cara diante do poder da Terra, diante
da grosseria, da podridão e dos vermes dos homens, começas
por pedir ao homem que não seja e que não tenha nem sequer
cheiro. Reprovas-lhe a expressão da sua força. Instalas capados
à frente do império. E eles entram a perseguir o vício,
que não passa de poder mal empregado. É o poder e a vida que
eles perseguem e, no entanto, tornam-se guardiões de museu e vigiam
um império morto.
Atolavam-se
na ilusão da felicidade que extraíam dos bens possuídos.
Ora, a felicidade o que é senão o calor dos atos e o contentamento
da criação? Aqueles que deixam de trocar, seja o que for,
deles próprios, e recebem de outrem o alimento, nem que fosse o mais
bem escolhido e o mais delicado, aqueles que ouvem sutilmente os poemas
alheios sem escrever os poemas próprios, aproveitam-se do oásis
sem o vivificar, consomem os cânticos que lhes fornecem, e fazem lembrar
os que se apegam às manjedouras no estábulo e, reduzidos ao
papel de gado, mostram-se prontos para a escravatura.
Aqueles
que procuram agradar andam muito enganados. Para agradar, tornam-se maleáveis
e dúcteis; apressam-se a corresponder a todos os desejos. E acabam
por trair em todas as coisas, para serem como os que desejam. Que hei de
eu fazer dessas alforrecas que não têm ossos nem forma? Vomito-os
e restituo-os às suas nebulosas: vinde ver-me quando estiverdes construídos.
As próprias mulheres se cansam quando alguém, para lhes demonstrar
amor, aceita fazer-se eco e espelho, porque ninguém tem necessidade
da sua própria imagem. Mas eu tenho necessidade de ti. Estás
construído como fortaleza e eu bem sinto o teu núcleo. Senta-te
ali, porque tu existes. A mulher desposa e se torna serva daquele que é
de um império.
Eu
hei de esculpir o futuro ao jeito do criador que extrai a obra de mármore
a golpes de cinzel. E caem, uma a uma, as escamas que escondiam o rosto
do deus. E os outros dirão: 'este mármore continha este deus.'
Ele o que fez foi encontrá-lo. E o gesto dele não passava
de um meio. Mas, eu cá digo que ele não calculava; ele forjava
a pedra. O sorriso do rosto está muito longe de ser feito de suor,
de faíscas, de golpes de cinzel e de mármore. O sorriso não
é da pedra, mas, sim, do criador. Liberta o homem, e ele criará.
Não
Esmorece a Idealidade
Há
certos seres-no-mundo
que
parecem não ser deste mundo.
Aqui
nascem por querença
–
para dar um toque na indiferença.
Nada
querem, nada pedem;
em
seu bem-fazer, se desmedem.
Com
todos os erres e esses,
parece
que Antoine foi um desses.
Carências?
Quem não tem?
Incoerências?
Eu tenho; você tem.
Às
vezes, nós não resultamos
igualzinho
naquilo que planejamos.
O
subir e descer das vidas
poderão
refletir; e brolham feridas!
Mas
não esmorece a idealidade
de
Bem, Beleza e Confraternidade!12
'Paz
aos entes de boa vontade,
e,
também, àqueles de má vontade.'
Isto,
é certo, Antoine mastigou,