A liberdade
é um direito santo.
...
Da decadência moral é esta a causa culminante!
O Catolicismo do Concílio de Trento não inaugurou certamente
no mundo o despotismo religioso: mas organizou-o de uma forma completa,
poderosa, formidável, e até então desconhecida. Neste
sentido, pode dizer-se que o Catolicismo, na sua forma definitiva, imobilizado
e intolerante, data do século XVI.
As
nações mais inteligentes, mais moralizadas, mais pacíficas
e mais industriosas são exactamente aquelas que seguiram a revolução
religiosa do século XVI: Alemanha, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos
e Suíça. As mais decadentes são exactamente as mais
católicas! Com a Reforma estaríamos hoje talvez à altura
dessas nações; estaríamos livres, prósperos,
inteligentes, morais… mas Roma teria caído!
Para
sujeitar, na Terra, o homem, era necessário fazê-lo condenar
primeiro no céu: por isso o Concílio de Trento começa
por estabelecer dogmáticamente, na sessão 5, o pecado original,
com todas as suas consequências, a condenação hereditária
da humanidade, e a incapacidade de o homem se salvar por seus merecimentos,
mas só por obra e graça de Jesus Cristo.
Na
sessão 13 confirma-se e precisa-se o dogma da Eucaristia, já
definido, ainda que vagamente, no 4º Concílio de Latrão,
e vibra-se o anátema sobre quem não crer na presença
real de Cristo no pão e no vinho depois da Consagração.
É mais um passo (e este decisivo) para fazer entrar o Cristianismo
no caminho da idolatria, para colocar o divino no absurdo. Poucos dogmas
contribuíram tanto como este materialismo da presença real
para embrutecer o nosso povo, para fazer reviver nele os instintos pagãos,
para lhe sofismar a razão natural! Parece que era isto o que o Concílio
de Trento desejava!
Na
sessão 14 trata-se detidamente da Confissão. A Confissão
existia há muito na Igreja, mas comparativamente livre e facultiva.
No 4º Concílio de Latrão restringira-se já bastante
essa liberdade. Na sessão 14 de Trento é a consciência
cristã definitivamente encarcerada. Sem Confissão não
há remissão de pecados! A alma é incapaz de se comunicar
com Deus, senão por intermédio do padre! Estabelece-se a obrigação
de os fiéis se confessarem em épocas certas, e exortam-se
a que se confessem o mais que possam. Funda-se aqui o poder, tão
temível quanto misterioso, do confessionário. Aparece um tipo
singular: o director espiritual. Daí por diante há sempre
na familia, imóvel à cabeceira, invisível mas sempre
presente, um vulto negro que separa o marido da mulher, uma vontade oculta
que governa a casa, um intruso que manda mais do que o dono. Quem há
aqui, espanhol ou português, que não conheça este estado
deplorável da familia, com um chefe secreto, em regra, hostil ao
chefe visível? Quem não conhece as desordens, os escândalos
e as misérias introduzidas no lar doméstico pela porta do
confessionário? O Concílio
de Trento
não queria isto, decerto: mas fez tudo quanto era necessário
para que isto acontecesse.
A redacção de um catecismo
vem coroar esta obra de alta política. Com esse catecismo, imposto
por toda a parte e por todos os modos aos espíritos moços
e simples, tratou-se de matar a liberdade no seu germén, de absorver
as gerações nascentes, de as deformar e torturar, comprimindo-as
nos moldes estreitos duma doutrina seca, formal, escolástica e subtilmente
ininteligível. Se se conseguiu ou não esse resultado funesto,
respondam umas poucas de nações moribundas, enfermas da pior
das enfermidades – a atrofia moral.
Sim, meus senhores! Essa máquina
temerosa de compressão, que foi o Catolicismo depois do Concílio
de Trento, que podia ela oferecer aos povos? A intolerância, o embrutecimento
e depois a morte! ...O Catolicismo dos últimos três séculos,
pelo seu princípio, pela sua disciplina, pela sua política,
tem sido no mundo o maior inimigo das nações, e verdadeiramente
o túmulo das nacionalidades. 'O antro da Esfinge' – disse dele
um poeta filósofo – 'reconhece-se logo à entrada pelos
ossos dos povos devorados'.
Com
o jesuitismo desaparece o sentimento cristão, para dar lugar aos
sofismas mais deploráveis a que jamais desceu a consciência
religiosa: métodos de ensino, ao mesmo tempo brutais e requintados,
esterilizam as inteligências, dirigindo-se à memória,
com o fim de matarem o pensamento inventivo, e alcançam alhear o
espírito peninsular do grande movimento da ciência moderna,
essencialmente livre e criadora. A educação jesuítica
faz das classes elevadas máquinas ininteligentes e passivas; do povo,
fanáticos corruptos e cruéis. A funesta moral jesuítica,
explicada (e praticada) pelos seus casuístas, com as suas restrições
mentais, as suas subtilezas, os seus equívocos, as suas condescendências,
infiltra-se por toda a parte, como um veneno lento, desorganiza moralmente
a sociedade, desfaz o espírito de família, corrompe as consciências
com a oscilação contínua da noção do
dever, e aniquila os caracteres, sofismando-os, amolecendo-os.
Há
em todos nós, por mais modernos que queiramos ser, há lá
oculto, dissimulado, mas não inteiramente morto, um beato, um fanático
ou um jesuíta! Esse moribundo que se ergue dentro de nós é
o inimigo, é o passado. É preciso enterrá-lo por uma
vez, e com ele o espírito sinistro do Catolicismo de Trento.
A
natureza, em mim, é conservadora; só o espírito é
revolucionário.
O
Hegelianismo foi o ponto de partida das minhas especulações
filosóficas, e posso dizer que foi dentro dele que se deu a minha
evolução intelectual.
A
grande revolução... só pode ser uma revolução
moral, e essa não se faz de um dia para o outro nem se decreta nas
espeluncas famosas das conspirações, e, sobretudo, não
se prepara com publicações rancorosas de espírito estreitíssimo
e ermas da menor idéia prática.
...
Mais preciso pôr-me em comunhão
com a alma coletiva.
...
Fui sempre amigo de me achar em minoria.
...
É preciso também
chorar e amar aquilo mesmo que nos faz chorar.
Vou
percebendo que o pessimismo de [Karl
Edward von, 1842 – 1906] Hartmann
se parece singularmente como o meu otimismo... Talvez eu tenha inventado
a Filosofia do Inconsciente sem o saber!
...
Choro – mas não me envergonho
de chorar.
Eu
cá vou indo. Cada vez mais místico e penso que daria um sofrível
monge, se não fossem estes nervos miseráveis, inimigos da
paz de espírito. Querem alguns dizer que muitos santos foram histéricos
e nevróticos. Não posso crê-lo. Este estado de nevrose
é o menos favorável à serenidade interior e, por conseguinte,
à santidade.
Mas
quem de amor nos lábios traz doçura
Esse é que leva a flor de uma alma pura!
Só
no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e affirma o Bem!
E
os que folgam na orgia impia e devassa
Ai! quantas vezes ao erguer a taça,
Param, e estremecendo, empalidecem!
Ausentes
filhas do prazer: dizei-me!
Vossos sonhos quaes são, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vós se agita e freme?
Um
seculo irritado e truculento
Chama á epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz...
Mas
cruzar, com desdem, inertes braços,
Mas passar, entre turbas, solitario,
Isto é ser só, é ser abandonado!
Assim
a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa.
Na
minha opinião, é chegada a hora, para a Filosofia moderna,
de examinar as verdades adquiridas, criticar e coordenar os diferentes pontos
de vista, conciliar os sistemas. Observamos inúmeros índices
a este respeito, e um dos mais surpreendentes é sem dúvida
o enfraquecimento gradual do espírito de sistema, do fanatismo dogmático.
E
dizem os captivos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna claridade...
A ave tem o vôo e a liberdade...
O homem tem os muros da prisão!
Amei
a Deus e em Deus puz alma e tudo.
Fiz do seu nome fortaleza e escudo
No combate do mundo traiçoeiro.
Porque
a noite é a imagem do Não-Ser,
Imagem do repouso inalteravel
E do esquecimento inviolavel,
Que anceia o mundo, farto de soffrer...
Porque
a noite é a imagem da Verdade,
Que está além das cousas transitorias.
Das paixões e das formas ilusorias,
Onde sómente ha dor e falsidade...
Quantos
tambem, de pé, mas esquecidos,
Ha-de a noite encontrar, sós e encostados
A algum marco, chorando aniquilados
As lagrimas caladas dos vencidos!
O
mundo pareceu-me uma visão,
Um grande mar de nevoa, de ilusão...
E
quanto adora quem adora o mundo,
Brilho e ventura, esperar, sorrir,
Eu vi tudo oscilar, pender, cair,
Inerte e já da cor d'um moribundo.
Ah!
se Deus acendeu um foco intenso
De amor e dor em nós, na ardente lida,
Porque a miragem cria... ou porque a leva?
Nenhum
de vós ao certo me conhece,
Astros do espaço, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece...
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Mixto
infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satanaz; – talvez um filho
Bastardo de Jehovah; –
talvez ninguem!
... Sendo
a Morte, sou a Liberdade.
Pedindo
à fórma, em vão, a idea pura,
Tropéço, em sombras, na materia dura.
E encontro a imperfeição de quanto existe.
Minh'alma,
ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira...
Afinal,
é tudo quanto de mim sobrenadará se bem julgo, e se bem julgo.
Será a autobiografia poética dum sonhador, dum crente –
crente em quê –
no invisível, no insondável,
no que não pode ser o que parece, porque então o Universo
seria absurdo. Esta grande máquina não pode deixar de ter
um fim. Eu chamo Liberdade a esse fim. Mas a Liberdade não consiste
precisamente no desprezo do que é limitado, incompleto, transitório?
Por conseguinte, no desprezo da Realidade?
A
poesia moderna é a voz da revolução, é o nome
que o sacerdote da história, o tempo, deixou cair sobre a fronte
fatídica do nosso século.
Aspiração...
desejo aberto todo
Numa ânsia insofrida e misteriosa...
A isto chamo eu vida: e, deste modo,
Que
mais importa a forma? silenciosa
Uma mesma alma aspira à luz e ao espaço
Cm homem igualmente e astro e rosa!
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Através
de mil formas, mil visões,
O universal espírito palpita
Subindo na espiral das criações!
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Ide! crescei sem medo! não é avara
A alma eterna que em vós anda e palpita
Onda, que vai e vem e nunca pára!
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Surgir!
ser astro e flor! onda e granito!
Luz e sombra! atracção e pensamento!
Um mesmo nome em tudo está escrito...
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Eis
quanto me ensinou a voz do vento.
Nasce
do orgulho aquele esteril goso
E a glória d'ele é cousa fraudulenta...
Pode
ser que a reta seja o caminho da verdade ideal; mas a verdade humana, essa,
como as voltas d'um doce ribeiro, ora costeando montes, ora ao longo dos
vales, incerto na largura e na rapidez, essa segue todas as curvas caprichosas,
mas necessárias, do sentimento.