ALEXANDRE HERCULANO
(Pensamentos)

 

 

 

Alexandre Herculano

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Este estudo apresenta para reflexão alguns pensamentos de Alexandre Herculano.

 

 

 

Nota Biográfica

 

 

 

Alexandre Herculano
Fonte da caricatura:
http://elielson2011.blogspot.com
/2011/07/alexandre-herculano.html

 

 

 

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (28 de março de 1810, em Lisboa, Portugal – 13 de setembro de 1877, em Vale de Lobos, Santarém, Portugal) foi um escritor romântico e historiador português. Foi um dos grandes escritores da Geração Romântica.

 

O Romantismo, também chamado de Romanticismo, foi um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa que perdurou por grande parte do século XIX. Caracterizou-se como uma visão de mundo contrária ao Racionalismo e ao Iluminismo, e buscou um nacionalismo que viria a consolidar os estados nacionais na Europa. Inicialmente apenas uma atitude, um estado de espírito, o Romantismo toma mais tarde a forma de um movimento, e o espírito romântico passa a designar toda uma visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Se o século XVIII foi marcado pela objetividade, pelo Iluminismo e pela razão, o início do século XIX seria marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu.

 

Em sua obra, o Romântico Herculano desenvolveu temas da incompatibilidade do homem com o meio social, experienciando a dimensão ética do escritor face à incompreensão do mundo. Alexandre Herculano é considerado por muitos como o fundador, em Portugal, da historiografia moderna. Reconhecido ainda em vida por todos os seus contemporâneos como um vulto maior da cultura e das idéias, teve um papel fundamental na construção da memória da História Portuguesa.

 

Vale a pena dar uma conferida no trabalho A Historiografia Crítica e a Ideologia Política e Social de Alexandre Herculano, disponibilizado em:

http://proudhoniana.blogspot.com/2007
/02/historiografia-crtica-e-ideologia.html

 

 

 

Pensamentos Herculanianos

 

 

 

 

 

 

O erro vulgar consiste em confundir o desejar com o querer. O desejo mede obstáculos; a vontade vence-os.

 

Dai às paixões todo o ardor que puderdes, aos prazeres mil vezes mais intensidade, aos sentidos a máxima energia e convertei o mundo em paraíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, os deleites serão apenas o prelúdio do tédio.

 

Tal era a forma primitiva e singela de um espetáculo de eras bárbaras, que a civilização, desenvolvendo-se gradualmente por alguns séculos, ainda não pode desterrar da Península, e que nos conserva na fronte o estigma de bárbaros, embora tenhamos procurado esconder este estigma debaixo dos ouropéis e das pompas da arte moderna, e pleitear a nossa vergonhosa causa perante o tribunal da opinião da Europa com sofismas pueris e ineptos.

 

A tauromaquia1 e a lavoura com gado bravo são duas barbaridades que mutuamente se auxiliam e que roubam anualmente a uma agricultura sensata grande porção dos nossos terrenos de aluvião, isto é, dos nossos terrenos mais produtivos.

 

Tirai do mundo a mulher e a ambição desaparecerá de todas as almas generosas.

 

 

Fonte:
http://www.heraldsun.com.au/news/right-
brain-v-left-brain/story-e6frf7jo-1111114603615

 

Um dos principais defeitos dos trabalhos históricos no nosso país parece-me ser a insulação de cada um dos aspectos sociais de qualquer época, que nunca se conhecerá, nem entenderá, enquanto a sociedade se não estudar em todas as suas formas de existir, enquanto se não contemplar em todos os seus caracteres. Estas cartas, se merecerem a aprovação de V. Exas, poderão algum dia servir, no que tiverem de bom, se o tiverem, de esclarecimento e notas a uma parte da História Portuguesa, como eu concebo que ela se deveria escrever: história não tanto dos indivíduos como da Nação; história que não ponha à luz do presente o que se deve ver à luz do passado; história, enfim, que ligue os elementos diversos que constituem a existência de um povo em qualquer época, em vez de ligar um ou dois desses elementos, não com os outros que com ele coexistem, mas com os seus afins na sucessão dos tempos. A história pode comparar-se a uma coluna polígona de mármore. Quem quiser examiná-la deve andar ao redor dela, contemplá-la em todas as suas faces. O que entre nós se tem feito, com honrosas exceções, é olhar para um dos lados, contar-lhe os veios de pedra, medir-lhe a altura por palmos, polegadas e linhas. E até não sei ao certo se estas indagações se têm aplicado a uma face ou unicamente a uma aresta.

 

A civilização, tornando cada vez mais íntimo o trato das nações entre si, faz necessariamente atuar as idéias de umas sobre as outras, e o homem é, ordinariamente, mais propenso a se contentar com as idéias alheias do que refletir e raciocinar.

 

 

 

Querer é quase sempre poder. O que é excessivamente raro é o querer.

 

Eu não me envergonho de corrigir os meus erros e mudar de opinião porque não me envergonho de raciocinar e aprender.

 

O medo é o pior dos conselheiros.

 

A ingratidão é o mais horrendo de todos os pecados.

 

 

Ingratidão

 

 

O segredo da felicidade é encontrar a nossa alegria na alegria dos outros.

 

As lágrimas de piedade consolam quando é um amigo que as derrama.

 

O amor do poeta é maior do que o de nenhum homem, porque é imenso, como o ideal, que ele compreende, eterno, como o seu nome, que nunca perece.

 

Realidade ou desejo incerto, o amor é o elemento primitivo da atividade interior; é a causa, o fim e o resumo de todos os defeitos humanos.

 

Saber resistir à violência é forte, mas vulgar; saber resistir à calúnia e aos motejos é maior esforço e mais raro.

 

Feliz a alma vulgar e rude que crê, e nem sempre sabe que a dúvida existe no mundo!2

 

 

 

DEUS

 


Nas horas de silêncio, à meia-noite,
Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a Terra, e os mares rugidores,
E os abismos do inferno.
Pela amplidão dos céus meus cantos soem,
E a Lua resplendente
Pare em seu giro, ao ressoar nest'harpa
O hino do Onipotente.

Antes de tempo haver, quando o infinito
Media a eternidade,
E só do vácuo as solidões enchia
De Deus a imensidade,
Ele existia, em sua essência envolto,
E fora dele o nada:
No seio do criador a vida do homem
Estava ainda guardada;
Ainda então do mundo os fundamentos
Na mente se escondiam
De Jeová, e os astros fulgurantes
Nos céus não se volviam.

Eis o Tempo, o Universo, o Movimento
Das mãos solta o Senhor.
Surge o Sol, banha a Terra, desabrocha
Nesta a primeira flor;
Sobre o invisível eixo range o globo;
O vento o bosque ondeia;
Retumba ao longe o mar; da vida a força
A natureza anseia!

Quem, dignamente, ó Deus, há-de louvar-Te,
Ou cantar Teu poder?
Quem dirá de Teu braço as maravilhas,
Fonte de todo o ser,
No dia da Criação; quando os tesouros
Da neve amontoaste;
Quando da Terra nos mais fundos vales
As águas encerraste?!

E eu onde estava quando o Eterno os mundos,
Com destra poderosa,
Fez, por lei imutável, se livrassem
Na mole ponderosa?
Onde existia então? No tipo imenso
Das gerações futuras;
Na mente do meu Deus. Louvor a Ele
Na Terra e nas alturas!
Oh, quanto é grande o rei das tempestades,
Do raio, e do trovão!
Quão grande o Deus, que manda, em seco estio,
Da tarde a viração!
Por Sua providência nunca, embalde,
Zumbiu mínimo inseto;
Nem volveu o elefante, em campo estéril,
Os olhos inquieto.
Não deu Ele à avezinha o grão da espiga,
Que ao ceifador esquece:
Do norte ao urso o Sol da Primavera,
Que o reanima e aquece?
Não deu Ele à gazela amplos desertos,
Ao cervo a amena selva,
Ao flamingo os paus, ao tigre o antro,
No prado ao touro a relva?
Não mandou Ele ao mundo, em luto e trevas,
Consolação e luz?
Acaso em vão algum desventurado
Curvou-se aos pés da Cruz?
A quem não ouve Deus? Somente ao ímpio
No dia da aflição,
Quando pesa sobre ele, por seus crimes.
Do crime a punição.

Homem, ente imortal, que és tu perante
A face do Senhor?
És a junça do brejo, harpa quebrada
Nas mãos do trovador!
Olha o velho pinheiro, campeando
Entre as neves alpinas:
Quem irá derribar o rei dos bosques
Do trono das colinas?
Ninguém! Mas ai do abeto, se o seu dia
Extremo Deus mandou!
Lá correu o aquilão: fundas raízes
Aos ares lhe assoprou.
Soberbo, sem temor, saiu na margem
Do caudaloso Nilo,
O corpo monstruoso ao Sol voltando,
Medonho crocodilo.
De seus dentes em roda o susto habita:
Vê-se a morte assentada
Dentro em sua garganta, se descerra
A boca afogueada:
Qual duro arnês de intrépido guerreiro
É seu dorso escamoso;
Como os últimos ais de um moribundo
Seu grito lamentoso:
Fumo e fogo respira quando irado;
Porém, se Deus mandou,
Qual do norte impelida a nuvem passa,
Assim ele passou!

Teu nome ousei cantar! Perdoa, ó Nume;
Perdoa ao teu cantor!
Dignos de ti não são meus frouxos hinos,
Mas são hinos de amor.
Embora vis hipócritas te pintem
Qual bárbaro tirano:
Mentem, por dominar com férreo cetro
O vulgo cego e insano.
Quem os crê é um ímpio! Recear-te
É maldizer-te, ó Deus;
É o trono dos déspotas da Terra
Ir colocar nos Céus.
Eu, por mim, passarei entre os abrolhos
Dos males da existência
Tranqüilo, e sem temor, à sombra posto
Da Tua Providência.

 

 

 

Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais.

 

Há épocas de tal corrupção que, durante elas, talvez só o excesso do fanatismo possa, no meio da imoralidade triunfante, servir de escudo à nobreza e à dignidade das almas rijamente temperadas.

 

A providência tempera as coisas deste mundo de modo que se podem simbolizar todas as felicidades dele numa ameixa saragoçana.3 Doçura, suco, beleza externa, sim senhor; tudo quanto quiserem. Mas, no fim de contas, travo e mais travo ao pé do caroço.

 

O gozo é sempre o desengano das fascinações do desejo.

 

Nunca vereis viúva que muito chore a falta do marido que não case cedo.

 

Para secar as lágrimas de uma viúva jovem não há como as mãos do amor.

 

 

 

A GRAÇA

 

Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?

És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?

Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d'ouro e púrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao por do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos Céus, do mar dormente.
És tu, és tu!, que, lá, nesta alma absorta
Modulavas o canto,
Que de noite, ao luar, sozinho erguia
Ao Deus três vezes santo.
És tu, que eu esqueci na idade ardente
Das paixões juvenis,
E que voltas a mim, sincero amigo,
Quando sou infeliz.
Sinta a tua voz de novo,
Que me revoca a Deus:
Inspira-me a esperança,
Que te seguiu dos Céus!

 

 

 

A hipocrisia, suprema perversão moral, é o charco podre e dormente que impregna a atmosfera de miasmas mortíferos e que salteia o homem no meio de paisagens ridentes. É o réptil que se arrasta por entre as flores e morde a vítima descuidada.

 

O gênero humano assemelha-se a uma pirâmide cujo vértice – um homem, o primeiro homem se esconde nas alturas quase inacessíveis de sessenta séculos sobrepostos uns aos outros, e cuja base, de miríades de indivíduos, pousa no abismo incomensurável de um futuro desconhecido.

 

Das definições possíveis do homem, uma só é verdadeira: o homem é o animal que disputa.

 

É o progresso das idéias que traz as reformas, e não o progresso dos males públicos quem as torna inevitáveis.

 

A indiferença silenciosa – grave, quase benévola é a manifestação legítima da morte de toda a crença.

 

No amor, a ingratidão é filha primogênita da abnegação e da fraqueza.

 

Que fora a vida, se nela não houvesse lágrimas? Os desgraçados, na sua miséria, conservam sempre olhos que saibam chorar. A dor mais tremenda do espírito quebrantam-na as lágrimas.

 

Haverá paz no túmulo? Deus sabe o destino de cada homem. Para o que aí repousa sei eu que há na Terra o esquecimento.

 

Examina a consciência e diz-me qual é, para os corações puros e nobres, o motivo imenso, irresistível das ambições, do poder, da abastança, do renome? É uma só mulher: é este o termo final de todos os nossos sonhos, de todas as nossas esperanças, de todos os nossos desejos.

 

Que somos nós hoje? Uma nação que tende a se regenerar. Diremos mais: que se regenera. Regenera-se porque se repreende a si própria; porque se revolve no lodaçal onde dormia tranqüila; porque se irrita da sua decadência, e já não sorri sem vergonha ao insultar de estranhos; porque principia, enfim, a reconhecer que o trabalho não desonra, e vai esquecendo as visagens senhoris de fidalga. Deixai passar estas paixões pequenas e más que combatem na arena política, deixai flutuar à luz do Sol na superfície da sociedade estes corações cancerosos que aí vedes; deixai erguerem-se, tombar, despedaçarem-se estas vagas encontradas e confusas das opiniões! Tudo isto acontece quando se agita o oceano; e o mar do povo se agita debaixo da sua superfície. O sargaço imundo, a escuma fétida e turva hão-de desparecer. Um dia o oceano popular será grandioso, puro e sereno como saiu das mãos de Deus. A tempestade é a precursora da bonança. O lago asfaltite, o Mar Morto, este é que não tem procelas. O nosso estrebuchar, muitas vezes colérico, muitas mais mentecapto e ridículo, prova que a Europa se enganava quando cria que esta nobre terra do último ocidente era o cemitério de uma nação cadáver. Vivemos! E ainda que semelhante viver seja o delírio febril de moribundo, esta situação violenta, aos olhos dos que sabem ver, é uma crise de salvação, posto que dolorosa, e lenta. Confiemos e esperemos: o nome português não foi riscado do livro dos eternos destinos.

 

Tão ilegítimo acho o direito divino da soberania régia, como o direito divino da soberania popular. A soberania não é direito: é fato – fato impreterível para a realização da lei psicológica, e até fisiológica, da sociabilidade, mas, em rigor, negação, por restrição, nos seus efeitos, do direito absoluto, e cujas condições são, portanto, determinadas só por motivos de conveniência prática e dentro dos limites precisos da necessidade. Fora disto, toda a soberania é ilegítima e monstruosa. Que a tirania de dez milhões se exerça sobre o indivíduo, que a de um indivíduo se exerça sobre dez milhões, é sempre tirania, é sempre uma coisa abominável.

 

A Democracia é uma forma de Governo que parece estar destinada a converter o homem em molécula. Minha inteligência se amotina contra a conversão do homem em molécula.

 

 

Conversão do homem em molécula
(Isto até parece filme do Almodóvar!)

 

 

Nas democracias, a igualdade fabrica-se, mergulhando-se as cabeças que se elevam e flutuam acima das vagas populares na torrente das vontades irreflexivas e inconscientes que se precipitam para o imprevisto, só porque as paixões as arrastam. E este mergulhar é eterno, porque a realidade, a verdade natural, protesta eternamente contra ele.

 

Na arte de governar, os despropósitos são às vezes piores do que os atentados.

 

 

 

A VOZ

 

É tão suave ess'hora,
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,

Se em alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enteado!

O mar azul se encrespa
Coa vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.

E tudo em roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.

Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mão de Deus.

Mas despregou seu grito
A alcíone gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:

E sobe, e cresce, e imensa
Nos céus negra flutua,
E o vento das procelas
Já varre a fraga nua.

Turba-se o vasto oceano.
Com hórrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vão furor.

E do poeta a fronte
Cobriu véu de tristeza;
Calou, à luz do raio,
Seu hino à natureza.

Pela alma lhe vagava
Um negro pensamento,
Da alcíone ao gemido,
Ao sibilar do vento.

Era blasfema idéia,
Que triunfava enfim;
Mas voz soou ignota,
Que lhe dizia assim:

«Cantor, esse queixume
Da núncia das procelas,
E as nuvens, que te roubam
Miríades de estrelas,

E o frêmito dos euros,
E o estourar da vaga,
Na praia, que revolve,
Na rocha, onde se esmaga,

Onde espalhava a brisa
Sussurro harmonioso,
Enquanto do éter puro
Descia o Sol radioso,

Tipo da vida do homem,
É do universo a vida:
Depois do afã repouso,
Depois da paz a lida.

Se ergueste a Deus um hino
Em dias de amargura;
Se te amostraste grato
Nos dias de ventura,

Seu nome não maldigas
Quando se turba o mar:
No Deus, que é pai, confia,
Do raio ao cintilar.

Ele o mandou: a causa
Disso o universo ignora,
E mudo está. O nume,
Como o universo, adora!»

Oh, sim, torva blasfêmia
Não manchará seu canto!
Brama a procela embora;
Pese sobre ele o espanto;

Que de sua harpa os hinos
Derramará contente
Aos pés de Deus, qual óleo
Do nardo recendente.

 

 

... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo!

 

Em certa esfera e até certo ponto, a reação geral tem representantes entre nós. Cumpre combatê-la, não para convencer aqueles que sempre amaram o passado e nunca negociaram com as suas crenças, porque esses respeitamo-los, mas para forticar na fé liberal os tíbios do próprio campo e premuni-los contra as ciladas dos trânsfugas. Este intuito não é só nosso; é de todos os homens leais, de todos os amigos sinceros de uma justa liberdade.

 

Na maioria das sociedades atuais, falta, geralmente, aos homens públicos o valor não só para ousar o bem, mas, até, para praticar francamente o mal. Deste fato psicológico, que assinala as épocas de profunda decadência moral, deriva principalmente a hipocrisia: a hipocrisia, que é a anemia da alma. A altivez insolente do poder que se coloca acima do decente e do legítimo e que ri das invectivas da opinião indignada, como de um clamor sem sentido.

 

A vitória do Cristianismo é infalível: ele repousa em provas históricas de indubitável autoridade, porque, além da sua clareza e força, não contradizem a razão nem a consciência.

 

Até nossa época, a ciência foi exclusivamente a ciência dos fatos especiais e do individualismo. Hoje, a sua tendência é esquecer os indivíduos para contemplar as sociedades, na sua vida composta de milhões de vidas. E ainda nós, caminheiros do progresso, fazemos só metade da peregrinação, antes de nos irmos a repousar na terra: a história das sociedades não é mais do que a passagem para a verdadeira história – a do gênero humano.

 

Creio que Deus é Deus e os homens livres!

 

O povo tinha a liberdade e quis a licença; tinha a justiça e quis a iniqüidade: o povo perecerá.

 

Para as turbas, o cheiro de sangue é perfume suave; o roubo, gloriosa conquista.

 

A plebe desenfreada é como o fantasma do crime, como o espectro da morte, como o grito do extermínio.

 

Não leio jornais políticos por duas razões; primeira por falta de tempo, segunda porque não me importa o que vai pelo mundo social. Cheguei a obter a triste tranqüilidade do incrédulo político. Apesar, porém, disto sei, porque me afirmam várias pessoas, que não têm faltado injúrias à ilustração, e creio que até ameaças a alguns dos sujeitos que aí escrevem, em cujo número tenho a honra de contar.

 

Faz o favor de me dizer onde é a diocese do Estado, qual é a sua freguesia? O Estado não se batiza, não ouve missa, não se confessa, não vai depois da morte (os Estados também morrem) para o céu ou para o inferno. Em tal sentido, a expressão religião do Estado seria um despropósito. Se, porém, aquelas palavras significassem que a constituição do reino não consentia que nenhum súdito português deixasse de ser católico, o artigo 6.° da Carta restabeleceria a inquisição; inquisição sem a polé e o potro; inquisição civilizada, culta, perfumada, substituindo o trato moral ao trato físico; mas inquisição na sua índole e efeitos, porque a inquisição nada mais é do que a intolerância organizada e regularizada.

 

Quando eu tinha 25 anos cultivava flores e fazia versos; depois dos 35 anos fabrico manteiga e faço prosa. Passados os 50, provavelmente, não farei nem uma coisa nem outra. Serei talvez um avaro ou um caturra.

 

Quisera eu que o Sr. Antero de Quental conhecesse melhor a doutrina e a tradição verdadeiramente católicas, porque havia de ser menos injusto com o Catolicismo, embora não fosse menos severo, ou, talvez, o fosse ainda mais, com os padres.

 

Mas quando se ergue um muro intransitável
Entre nós e a ventura; quando ao longe
Pelos campos da vida tudo é pálido,
E perece a esperança, então a mente
Recua com horror, e dando em terra,
Maldiz-se a si e a Providência e o mundo.

 

Enfim, a glória prostitui-se à traição: a nacionalidade é levada ao mercado das ambições de estrangeiros. Um homem ilustre cospe na face da pátria, expira contando os sacos de ouro que lhe valeu sua perfídia, e a nação se dissolve como um cadáver gangrenado.

 

O princípio da autoridade, considerado como critério único e exclusivo da verdade, é não menos falso que o da razão, da consciência ou de qualquer outro, tomado do mesmo modo exclusivamente.

 

A memória é um instante de repouso e saudade do clarão enorme que recebemos.

 

O conceito de unidade reside na nossa alma.

 

A justiça pede que digamos que uma grande parte dos preceitos dos antigos foi deduzida do princípio da unidade, desse princípio que reside em nossa alma e que, enquanto existirmos sobre a Terra, representa para nós o absoluto, ao qual nos faz constantemente tender à consciência da imortalidade.

 

O belo das imagens, o belo chamado físico, não existe nos objetos porque a unidade e a necessidade da sua existência seriam destruídas; mas sem estas duas condições o espírito não o admite. É, pois, em nós, no mundo das idéias, que o devemos buscar.

 

É na alma do homem que reside o princípio vivificante das artes.

 

Todas as perfeições aplicadas à pintura não podem subsistir senão em idéia.

 

A verdade perfeita é composta pela verdade simples e pela verdade ideal, sendo a única que faz o complemento da arte e a perfeita imitação da bela Natureza.

 

A biografia das famílias ou dos indivíduos nunca pode caracterizar qualquer época; antes, pelo contrário, a história dos costumes, das instituições e das idéias é que há-de caracterizar os indivíduos, ainda quando quisermos estudar exclusivamente a vida destes, em vez de estudar a vida do grande indivíduo moral, chamado povo ou nação.

 

Busquemos a história da sociedade e deixemos por um pouco a dos indivíduos.

 

A história dos sucessos políticos, que não é senão o resumo das dependências do gênero humano, quer se refira à vida interna, quer à vida externa das nações, cifra-se em descrever fenômenos mais ou menos notáveis desta luta interminável. À conquista empreendida ou realizada pelo mais forte corresponde a resistência ou a reação do mais fraco; ao despotismo de um as conjurações de muitos; à opressão oligárquica a revolução democrática. Nenhum, porém, destes fatos traz uma situação definitiva. Na conclusão da peleja em que um dos princípios triunfa absolutamente começa a preparar-se a vitória do princípio adverso. Deste modo a história encerra um protesto perene da liberdade contra a desigualdade, digamos assim, ativa, e ao mesmo tempo atestamos que todos os esforços para a substituir por uma igualdade absoluta têm sido inúteis, e que estes esforços ou degeneraram na tirania popular, no abuso da desigualdade numérica, ou fortificam ainda mais o despotismo de um só ou o predomínio tirânico das oligarquias da inteligência, da audácia e da riqueza.

 

A revolução literária que a geração atual inventou e concluiu não foi instinto; foi resultado de largas e profundas cogitações. Veio com as revoluções sociais, e explica-se pelo mesmo pausamento destas.

 

Quem pode duvidar de que a classe média, ensaiando as forças adquiridas lentamente, invade todo o gênero de domínio, e, estendendo uma das mãos para as terras de menagem e a outra para as choupanas colmadas, diz ao nobre que desça, ao humilde que se alevante? Quem lhe disputa hoje a palma da inteligência, da propriedade e da indústria? A idéia de liberdade civil e política, idéia progressiva e de transformação, é representada por esta classe que, por isto, é forte e dominadora, e para ela e por ela se traçam e aperfeiçoam instituições e leis.

 

O feudalismo4 foi um meio de progresso, um elemento de ordem, e, por conseqüência, um bem, enquanto a civilização precisou dele.

 

Deve-se buscar na história do passado uma doutrina para o presente.

 

Coligir os fatos que constituíram o desenvolvimento e a vida coletiva dos povos é o mister principal da história, porque ordenados e expostos a convertem em uma ciência útil pela sua aplicação às graves questões que abalam os fundamentos das sociedades modernas.

 

 

 

 

Não é lícito ofender impunemente.

 

Durante os doze primeiros séculos da Igreja, foi aos bispos que exclusivamente incumbiu vigiar pela pureza das doutrinas religiosas dos fiéis. Era isto para eles, ao mesmo tempo, um dever e um direito que resultavam da índole do seu ministério: ninguém podia, portanto, intervir nesta parte tão grave do ofício pastoral, sem ofender a autoridade do episcopado. Esta era a doutrina e a praxe dos bons tempos da Igreja. Um tribunal especial e estranho à hierarquia eclesiástica, incumbido de examinar os erros de crença que a ignorância ou a maldade introduziam; um tribunal que não fosse o do pastor da diocese, encarregado de descobrir e condenar as heresias, seria, nos séculos primitivos, uma instituição intolerável e moralmente impossível. E, todavia, este tribunal, se em alguma parte houvera então existido, não teria sido na essência senão aquela instituição terrível que, ajuntando ao monstruoso da origem e natureza a demência das suas manifestações e a atrocidade das suas fórmulas, surgiu no seio do Catolicismo durante o século XIII, e que veio com o nome de Inquisição ou Santo Ofício, a cobrir de terror, de sangue e de luto quase todos os países da Europa meridional e, ainda, transpondo os mares, a oprimir extensas províncias da América e do Oriente.

 

A reação, como sucede em todas as reações, ultrapassa, não raro, os limites do justo.

 

Com Kant, o Universo é uma dúvida.

 

O Socialismo vê no indivíduo a coisa da sociedade; o liberal vê na sociedade a coisa do indivíduo.

 

As idéias democrático-republicanas tendem, pela sua índole, a apoucar o indivíduo e a engrandecer a sociedade.

 

A liberdade humana é uma verdade de consciência com Deus.

 

Os acontecimentos posteriores provaram, todavia, mais uma vez, quanto podem falhar todas as previsões humanas.

 

Quando as mãos que retinham o cetro eram frouxas ou inabilmente violentas, as perturbações tornavam-se não só possíveis, mas, até, fáceis.

 

No meio de uma nação decadente, mas rica de tradições, o mister de recordar o passado é uma espécie de magistratura moral, é uma espécie de sacerdócio. Exercitem-no os que podem e sabem; porque não o fazer é um crime.

 

Quanto mais a reação abusar da vitória, mais depressa lhe chegará o dia do último desengano, e os povos, amestrados por experiência tremenda, cortarão, enfim, a última artéria que ainda faz bater o coração da tirania desesperada e moribunda.

 

A reação moral, que vai acompanhando a reação material, deve merecer mais sérios cuidados aos amigos sinceros e prudentes da civilização e da liberdade.

 

A hipocrisia, que, depois de minar debaixo da terra durante anos, surge, enfim, à luz do Sol e, balouçando o turíbulo, incensa todos os que abusam da força, declarando-os salvadores da religião, como se a religião precisasse ser salva ou coubesse no poder humano destruí-la.

 

O vulgacho espera de cima a realização dos seus ódios contra a classe média, a satisfação à sua inveja; os velhos interesses pensam numa indenização impossível; os hipócritas querem aproveitar o ensejo de granjear as multidões para o fanatismo e, com tal intuito, recorrem a um meio, infalível em todos os tempos, para se obter esse fim, o inculcarem-lhes de preferência o que na superstição há de afirmações mais incríveis. Os milagres absurdos renascem, multiplicam-se em frente dos recrutamentos: o convento e a casa professa já disputam ao quartel a geração nova. O cercilho5 e o bigode jogam o futuro sobre o tambor posto em cima da ara. O praguejar soldadesco cruza-se com a antífona do breviário. A água benta, aspergida do hissope episcopal, vai diluir no chão o sangue coalhado dos espingardeamentos, e o sacerdote crê ter afogado o clamor daquele sangue que se embebe na terra, porque entoou hosanas sacrílegos ao triunfar dos algozes, no momento em que as vítimas caíam mártires da sua fé na civilização e na liberdade.

 

O temor, como sempre, raciocina mal.

 

Se fosse possível voltar atrás para nos curvarmos à tirania, voltaríamos igualmente atrás para, depois, reagir contra ela e repetir inutilmente experiências já feitas. O remédio contra as idéias exageradas de cabeças ardentes ou levianas ou contra os desígnios dos hipócritas da liberdade não está em reações moralmente impossíveis.

 

Assim como o mau chefe de família é um indivíduo desonrado, o que despreza as funções públicas que lhe incumbe exercer para a manutenção da liberdade igualmente se desonra.

 

Debaixo dos pés de cada geração que passa na Terra dormem as cinzas de muitas gerações que a precederam.

 

Um dia, em que atravessava da Lisboa árabe para a Lisboa romana, da Alfama para o Castelo, não sei como passei pelo sítio onde existiu o Convento dos Bons Homens de Vilar ou Cônegos dos Evangelistas, e parei a examiná-lo. O meu exame foi demorado e consciencioso, como se costuma dizer nos dois lugares onde raro entra a consciência – nas câmaras legislativas e na imprensa política.

 

Era uma destas noites vagarosas do inverno em que o brilho do céu sem Lua é vivo e trêmulo; em que o gemer das selvas é profundo e longo; em que a soledade das praias e ribas fragosas do oceano é absoluta e tétrica. Era a hora em que o homem está recolhido nas suas mesquinhas moradas; em que, pelos cemitérios, o orvalho se pendura do topo das cruzes e, sozinho, goteja das bordas das campas, em que só ele chora os mortos. As larvas da imaginação e o gear noturno afastam o campo santo, a saudade da viúva e do órfão, a desesperação da amante, o coração despedaçado do amigo. Para se consolarem, as infelizes dormiam tranqüilas nos seus leitos macios, enquanto os vermes iam roendo esses cadáveres amarrados pelos grilhões da morte. Hipócritas dos afetos humanos, o sono enxugou-lhes as lágrimas! Era, pois, numa destas noites como a que desceu do céu depois do desbarato dos hunos; era numa destas noites em que a Terra, envolta no seu manto de escuridade, se povoa de terrores incertos, em que o sussurro do pinhal é como um coro de finados, o despenho da torrente como um ameaçar de assassino, o grito da ave noturna como uma blasfêmia do que não crê em Deus. Nessa noite fria e úmida, arrastado por agonia íntima, vagava eu às horas mortas pelos alcantis escalvados das ribas do mar, e enxergava ao longe o vulto negro das águas balouçando-se no abismo que o Senhor lhe deu para perpétua morada. Por cima da minha cabeça passava o norte agudo. Eu amo o sopro do vento, como o rugido do mar porque o vento e o oceano são as duas únicas expressões sublimes do Verbo de Deus, escritas na face da Terra quando ainda ela se chamava caos. Depois é que surgiu o homem e a podridão, a árvore e o verme, a bonina e o emurchecer. O mundo atual nunca poderá entender plenamente o afeto que, vibrando-me dolorosamente as fibras do coração, me arrastava para as solidões marinhas do promontório, quando os outros homens nos povoados se apinhavam à roda do lar aceso e falavam das suas mágoas infantis e dos seus contentamentos de um instante. E o que me importa para mim isto? Virão um dia a esta nobre terra de Espanha gerações que compreendam a palavra do presbítero. Arrastava-me para o ermo um sentimento íntimo, o sentimento de haver acordado, vivo ainda, deste sonho febril chamado vida, e que hoje ninguém acorda, senão depois de morrer. Dar às palavras – virtude, amor e glória – uma significação profunda e, depois de haver buscado por anos a realidade delas neste mundo, só encontrar aí hipocrisia, egoísmo e infâmia. Perceber, à custa de amarguras, que o existir é padecer o pensar; descrer, o experimentar; desenganar-se e esperança nas coisas da Terra uma cruel mentira de nossos desejos, um fumo tênue que ondeia em horizonte aquém do qual está assentada a sepultura. Depois disto, nos abismos da sua alma só há para mandar aos lábios um sorriso de desprezo em resposta às palavras mentidas dos que o cercam ou uma voz de maldição desabridamente sincera para julgar as ações dos homens. É, então, que para ele há unicamente uma vida real – a íntima; unicamente uma linguagem inteligível – a do bramido do mar e do rugido dos ventos; unicamente uma convivência não travada de perfídia – a da solidão. Tal era eu quando me assentei sobre as fragas; e minha alma via passar diante de si esta geração vaidosa e má que se crê grande e forte, porque sem horror derrama em lutas civis o sangue de seus irmãos. E o meu espírito atirava-se para as trevas do passado. E o sopro rijo do norte afagava-me a fronte requeimada pela amargura, e a memória consolava-me das dissoluções presentes com a aspiração suave do formoso e energético viver de outrora. E o meu meditar era profundo, como o céu, que se arqueia imóvel sobre nossas cabeças; como o oceano, que, firmando-se em pé no seu leito insondável, braceja pelas baías e enseadas, tentando esboroar e desfazer os continentes. E eu pude, enfim, chorar!

 

Hoje, a justiça assentou-se no lugar da eqüidade: o juiz vende a consciência no mercado dos poderosos.

 

Eu, por minha parte, fraco argumentador, só tenho pensado no celibato à luz do sentimento e sob a influência da impressão singular que desde verdes anos fez em mim a idéia da irremediável solidão da alma a que a Igreja condenou os seus ministros, espécie de amputação espiritual, em que para o sacerdote morre a esperança de completar a sua existência na Terra.

 

Por que não seria a mulher o intermédio entre o céu e a Terra?

 

Lá, no tumulto dos cortesãos, onde o amor é cálculo ou sentimento grosseiro, terás achado quem te chame sua, quem te aperte entre os braços, quem tivesse para dar a teu pai o preço do teu corpo e te comprasse como alfaia preciosa para serviço doméstico? O velho estará contente porque trocou sua filha por ouro?

 

A isto chama prudência o mundo estúpido e ambicioso; a isto, que não é mais do que uma prostituição abençoada sacrilegamente perante as aras sacrossantas.

 

... tu não és para mim mais do que... um consolo e ao mesmo tempo um martírio.

 

Nunca sua mão benéfica deixou de se estender para o lugar onde a aflição se assentava.

 

Imaginações desregradas: não é para o mundo entendê-las.

 

Por que te havia eu de amar, ó Sol, se tu és o inimigo do imaginar; se tu nos chamas à realidade e a realidade é tão triste?

 

Sempre ela! Sempre esta visão de remorso!

 

Bem longo e atroz tem sido meu martírio, porque ainda não achei no mundo alma com quem me fosse dado repartir o cálix do infortúnio.

 

E meu espírito se atirava para as trevas do passado!

 

... recordando-se dos tempos em que era feliz porque tinha esperança, escrevia com lágrimas os hinos de amor e saudade.

 

Dantes, o sacerdote era o anjo da Terra!

 

Dantes, o juiz era o pai do oprimido, o tribunal, o obrigo do inocente, a justiça, o nervo do império gótico.

 

O presente que vive e passa e sorri é horrendo e maldito.

 

Dez anos! Sabes tu, Hermengarda, o que é passar dez anos amarrado ao próprio cadáver?

 

Eu o cria um anjo de virtude e esforço, mas ele era apenas um homem.

 

Dorme debaixo de uma lousa o sono da eternidade.

 

Nos explicas um mistério por outro mistério?

 

Se mandarem os Reis embora, hão-de tornar a chamá-los.

 

Temos pugnado por todas as liberdades e por todas as garantias. A liberdade ampla de discussão é a liberdade mais preciosa e a garantia suprema porque é a salvaguarda de todas as garantias e de todas as liberdades.

 

Que o país seja governado pelo país. Como realidade deste princípio, temos pugnado pela verdade do sistema parlamentar. Só nele, sinceramente respeitado, pode estar a nossa marcha segura no caminho do progresso.

 

Queremos um Governo representativo que proporcione à razão os meios de se produzir e manifestar pela discussão, de ser consagrado pela eleição e de reduzir constantemente o poder de fato à soberania de direito, pelo processo das fórmulas constitucionais. Por isto, afirmando a harmonia da utilidade social com a justiça absoluta, derivamos aquela desta, e não acreditamos que nos possam vir bens reais e duradouros da quebra dos princípios nem que da injustiça se possa seguir o progresso, nem que os fins devam santificar os meios, nem nenhuma das máximas atéias e desmoralizadoras que o ceticismo6 tem tantas vezes pretendido introduzir no mundo político.

 

Detestamos todas as tiranias, seja qual for o nome com que se disfarcem, seja a tirania dos reis contra os povos, dos privilegiados contra a prole, da capital contra as províncias, de uma facção contra o país ou de uma oligarquia de especuladores políticos contra a totalidade dos cidadãos. Detestamos qualquer exageração centralizadora, cujo resultado é a negação viva do progresso, porque em vez de conduzir os povos ao melhoramento sucessivo, não faz senão arremessá-los às cegas entre a anarquia e o despotismo.

 

 

 

 

 

 

______

Notas:

1. Tauromaquia = arte de tourear; de correr touros.

2. Não sei se a alma vulgar e rude que crê pode ser feliz. Como alguém poderá ser feliz em meio à ignorância?

3. Saragoçano = relativo a Saragoça, Espanha.

4. Como o feudalismo – organização social e política baseada em relações servo-contratuais – pode ter sido um bem? Só terá sido um bem se considerarmos que, na história da evolução da Humanidade, mesmo o que não é bom trabalha para o bem. Ora, não esqueçamos de que quando os servos iam para o manso senhorial (terras de domínio do senhor feudal, como o moinho e o castelo), atravessando a ponte, tinham que pagar um pedágio, exceto quando para lá se dirigiam a fim de cuidar das terras do senhor feudal. Naquela época, nada era grátis; tudo era pedagiado, taxado e pagado. Acho que grátis mesmo só o ar que se respirava.

5. Tonsura.

6. O Ceticismo é uma doutrina segundo a qual o espírito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, o que resulta em um procedimento intelectual de dúvida permanente e na abdicação, por inata incapacidade, de uma compreensão metafísica, religiosa ou absoluta do real.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.a77.com.br/desenhos/
desenho_colorir_homem_7.php

http://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismo

http://www.angelfire.com/pq/unica/
monumenta_1853_alexandre_herculano.htm

http://www.allthelikes.com/quotes.php?
quoteId=5620355&app=139346369444541

http://cesel.multiply.com/reviews/item/38?&
show_interstitial=1&u=%2Freviews%2Fitem

http://estudarabrincar-missmonteiro.blogspot.com/

http://uncertaindoubts.wordpress.com/
tag/alexandre-herculano/

http://www.tumblr.com/tagged/alexandre+herculano

http://pt.wikisource.org/wiki/O_Bobo

http://www.ebooksbrasil.org/
eLibris/inquisicao.html#11

http://piquiri.blogspot.com/2009/
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http://proudhoniana.blogspot.com/2007/02/
historiografia-crtica-e-ideologia.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Manso_senhorial

http://pt.wikipedia.org/wiki/Feudalismo

http://portugaldospequeninos.blogs.sapo.pt/
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http://www.bilibio.com.br/frases/
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20/carloseduardodacruz_doexilioaoexilio.pdf

http://www.ecsbdefesa.com.br/
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http://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI32758
,51045-Impede-nos+de+ser?+Impede-nos+de+sermos?

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http://www.biblio.com.br/

http://pensador.uol.com.br/
autor/alexandre_herculano/

http://www.citador.pt/textos/
a/alexandre-herculano

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a/alexandre-herculano/30

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a/alexandre-herculano/20

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a/alexandre-herculano/10

http://www.citador.pt/frases/citacoes/
a/alexandre-herculano

http://pt.wikiquote.org/wiki/
Alexandre_Herculano

 

Música de fundo:

Lisboa Não Sejas Francesa
Composição: José Galhardo e Raul Ferrão
Interpretação: Amália Rodrigues

Fonte:

http://beemp3.com/

 

Direitos autorais:

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