O
Ciclo da Vida
O
homem domina a Natureza e é por ela dominado. Só ele
lhe resiste e, ao mesmo tempo, ultrapassa as suas leis e amplia
o seu poderio, graças à sua vontade e atividade. Afirmar,
no entanto, que o mundo foi criado para o homem é algo que
está longe de ser evidente. Tudo o que o homem constrói
é, como ele, efêmero: o tempo derruba os edifícios,
atulha os canais, apaga o saber e até o nome das nações.
(...) Dir-me-ão que as novas gerações recebem
a herança das gerações que as precederam e
que, por conseqüência, a perfeição ou o
aperfeiçoamento não têm limites. Mas, o homem
está longe de receber intacta a súmula dos conhecimentos
acumulados pelos séculos que o precederam, e, se aperfeiçoa
algumas dessas invenções, no que diz respeito a outras
fica bastante atrás dos seus próprios inventores;
um grande número dessas invenções chega mesmo
a se perder.
Não
preciso sequer de sublinhar como certos pretensos melhoramentos
foram nocivos à moral e ao bem-estar. Determinada invenção,
suprimindo ou diminuindo o trabalho e o esforço, enfraqueceu
a dose de paciência necessária para suportar as contrariedades
ou a energia que temos de dar provas para as vencer. Outros progressos,
dando origem a um maior luxo e a um bem-estar aparente, exerceram
uma influência funesta sobre a saúde das gerações
e sobre o seu poder físico, e acarretaram igualmente uma
decadência moral. O homem vai buscar à Natureza venenos
como o tabaco e o ópio, para deles fazer instrumentos de
prazer grosseiros, sendo castigado com a perda da energia e o embrutecimento.
Nações inteiras vivem hoje como párias, devido
ao uso imoderado destes estimulantes ou dos licores fortes.
Atingindo
um certo ponto de civilização, são atenuadas,
em particular, as noções de honra e de mérito.
O enfraquecimento geral, que é provavelmente o resultado
do progresso dos prazeres, arrasta uma rápida decadência,
o esquecimento do que fora a tradição conservadora
ou o ponto de honra de uma nação. É em uma
situação como esta que se torna difícil resistir
aos invasores. Há sempre um povo qualquer –
sedento por seu turno de prazeres, pura e simplesmente bárbaro
ou que conserva ainda qualquer mérito ou espírito
de iniciativa –
disposto a se aproveitar dos despojos dos povos degenerados.
Esta catástrofe, facilmente previsível, se torna,
por vezes, uma espécie de rejuvenescimento para o povo conquistado.
É
um pouco o que sucede com a tempestade, que purifica o ar depois
de o ter convulsionado. Esse turbilhão parece trazer novos
germes ao solo gasto, e, de tudo isto, pode ser que nasça
uma nova civilização. Serão, no entanto, necessários
séculos para que floresçam de novo as doces artes,
que acabarão por abrandar os costumes e os corromper de novo,
ritmando essas ternas alternativas de grandeza e de miséria,
em que transparece tanto a fraqueza humana como o poder singular
do seu gênio.
O Ciclo da Vida. In: Diário,
Ferdinand
Victor Eugène Delacroix.
Fonte:
http://www.citador.pt/textos/o-ciclo-da-vida-eugene-delacroix