ONDE JUDAS PERDEU
AS BOTAS
(E o Vento Faz a Curva)
Rodolfo Domenico
Pizzinga
— Em
uma praia deserta,
lá,
onde Judas perdeu as botas
e o vento
frio faz a curva,
que ninguém
sabe onde fica
e que
–
quem sabe?
– talvez,
nem exista,
em um fim
de tarde
sombroso,
frio e meio nevoeirento,
solitário,
ensimesmado e macambúzio,
com o remorso
me corroendo por dentro,
sem astrolábio
e sem destino, eu perambulava
com o corpo
embotado e a trouxe-mouxe,
perdido
e autocomiserativo em meu abandono
e já
sem mais lágrimas para chorar.
Na areia
daquela praia deserta,
lá,
no raio que o parta,
eu perambulava
sem astrolábio e sem destino...
E aconteceu
exatamente lá,
onde Judas
perdeu as botas
e o vento
frio faz a curva,
solitário,
ensimesmado e macambúzio,
com o remorso
me corroendo por dentro,
perambulando
sem destino,
perdido
em meu abandono,
mastigando
e remastigando
o meu inverno
e a minha noite interior,
que, um
dia, abruptamente, começaram,
mas, que
nunca mais terminaram.
E foi lá
que aconteceu!
Minh'alma
estava fria... Muito fria...
Meu coração
estava despedaçado... Dilacerado...
Para mim,
viver ou morrer eram a mesma coisa.
Sinceramente,
eu não me importava.
O verão
havia partido... Para nunca mais voltar...
Mas, o inverno
sabia... O inverno comemorava...
E os demônios
riam e a geena inteira festejava...
E, sem indulto
e sem clemência,
o dia –
que era sempre noite e que não passava
–
acabou cobrando
o seu preço...
E, tostão
por tostão, eu estava pagando...
Pois é.
Foi lá que aconteceu!
Na areia
daquela praia deserta...
Solitário,
ensimesmado e macambúzio...
Perambulando
a trouxe-mouxe...
Com o coração
despedaçado... Dilacerado...
E o dia,
que era sempre noite, não passava!
Sim, foi
lá que aconteceu,
e que, agora,
eu contarei para você.
De repente,
surpreso,
vi uma garrafa
grená,
sem tampa...
Aí...
Oh! Incrível!
Ela me convidou
a entrar,
e eu, agradecido,
aceitei o convite.
E, sem
hesitar, entrei na garrafa.
E lá
fiquei...
Solitário,
ensimesmado e macambúzio,
dentro daquela
garrafa grená,
por 77 anos,
7 meses e 7 dias.
Na areia
daquela praia deserta...
Dentro daquela
garrafa
grená
e sem tampa...
Onde Judas
perdeu as botas
e o vento
frio faz a curva...
Solitário,
ensimesmado e macambúzio...
Até
adormecer no Senhor
(um Senhor
que nem vivo nem morto eu jamais vi).
E lá
fiquei...
Sentado
e imóvel, dentro daquela garrafa
grená
e sem tampa...
Solitário,
ensimesmado e macambúzio,
arrependido,
envergonhado e descrente de tudo...
Eu desistira
da vida, de tudo, de todos e de mim.
E nem a
minha sombra havia sobrado!
Vou lhe
dizer o porquê.
Porque,
ignorante,
preconceituoso e egolátrico,
eu escolhi
que assim acontecesse.
Reclamar?
Culpar os
outros?
Culpar o
Senhor?
Que nem
vivo nem morto eu jamais vi?
Não
posso. Isto seria uma infâmia.
Eu fui o
arquiteto-paisagista de tudo.
No final,
só restaram o remorso, o cansaço
e a dura
compensação pelos meus atos!
Cansaço
da vida, cansaço de mim,
cansaço
de tudo, cansaço de todos,
velhice
chegando, e eu chegando ao fim!1
Mas, sei
que terei que recomeçar e que continuar.