O
homem, ministro e intérprete da Natureza, faz e entende tanto quanto
constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente,
sobre a ordem da Natureza; não sabe nem pode mais.
A
Natureza não se vence, senão quando se lhe obedece.
A
verdadeira causa e raiz de todos os males que afetam as ciências é
uma única: enquanto admiramos e exaltamos de modo falso os poderes
da mente humana, não lhe buscamos auxílios adequados.
A
Lógica tal como é hoje usada mais vale para consolidar e perpetuar
erros, fundados em noções vulgares, do que para a indagação
da verdade; de sorte que é mais danosa do que útil.
Não
há nenhuma solidez nas noções lógicas ou físicas.
Substância, qualidade, ação, paixão, nem mesmo
ser, são noções seguras. Muito menos ainda são
noções seguras as de pesado, leve, denso, raro, úmido,
seco, geração, corrupção, atração,
repulsão, elemento, matéria, forma e outras do gênero.
Todas são fantásticas e mal definidas.
O intelecto, deixado a si mesmo –
na mente sóbria, paciente e grave – sobretudo se não
está impedido pelas doutrinas recebidas, tenta algo na outra Via,
na Verdadeira, mas com escasso proveito, porque o intelecto não regulado
e sem apoio é irregular e de todo inábil para superar a obscuridade
das coisas.
De modo algum se pode admitir que
os axiomas constituídos pela argumentação valham para
a descoberta de novas verdades, pois a ilimitabilidade da Natureza supera
de muito o alcance do argumento. Mas, os axiomas reta e ordenadamente abstraídos
dos fatos particulares, estes sim, facilmente indicam e designam novos fatos
particulares, e, por esta via, tornam ativas as ciências.
Os
ídolos e as falsas noções [Ídolos
da Tribo, Ídolos
da Caverna, Ídolos
do Foro e Ídolos
do Teatro1] que
ora ocupam o intelecto humano e nele se acham implantados não somente
o obstruem, a ponto de ser difícil o acesso da verdade, como, mesmo
depois de seu pórtico logrado e descerrado, poderão ressurgir
como obstáculos à própria instauração
das ciências, a não ser que os homens, já precavidos
contra eles, se cuidem o mais que possam.
O intelecto humano, mercê de
suas peculiares propriedades, facilmente supõe maior ordem e regularidade
nas coisas que de fato nelas se encontram. Deste modo, como em a Natureza
existem muitas coisas singulares e cheias de disparidades, o intelecto humano
imagina paralelismos, correspondências e relações que
não existem.
É
impensável e inconcebível que haja um limite extremo e último
do mundo. Antes, sempre ocorre como necessária a existência
de mais algo além. Nem tampouco se pode cogitar de como a eternidade
possa ter transcorrido até os dias presentes, posto que a distinção
geralmente aceita do infinito, como comportando uma parte já transcorrida
e uma parte ainda por vir, não pode de modo algum subsistir, em vista
de que se seguiria o absurdo de haver um infinito maior do que outro, como
se o infinito pudesse se consumir no finito.
O homem se inclina a ter por verdade
o que prefere. Rejeita as dificuldades levado pela impaciência da
investigação; rejeita a sobriedade porque sofreia a esperança;
rejeita os princípios supremos da Natureza em favor da superstição;
rejeita a luz da experiência em favor da arrogância e do orgulho,
evitando parecer se ocupar de coisas vis e efêmeras; rejeita paradoxos
por respeito à opinião do vulgo. Enfim, inúmeras são
as fórmulas pelas quais o sentimento, quase sempre imperceptivelmente,
se insinua e afeta o intelecto.
A melhor demonstração
é, de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente
ao experimento. Se procuramos aplicá-la a outros fatos tidos por
semelhantes – a não
Um sistema filosófico deverá
ser julgado pelos frutos que seja capaz de dar; se é estéril,
deve ser refutado como coisa inútil, sobretudo se em lugar de frutos
bons, como os da vinha e da oliva, produz os cardos e os espinhos das disputas
e das contendas.
Não
é possível ser cumprida bem uma corrida quando não
foi estabelecida e prefixada a meta a ser atingida. A verdadeira e legítima
meta das ciências é dotar a vida humana de novos inventos e
recursos. Mas a turba, que forma a grande maioria, nada percebe; busca tão-só
o próprio lucro e a glória acadêmica.
Indague
o espírito sóbrio e diligente qual o caminho escolhido e usado
pelos homens para a investigação e descoberta da verdade.
Logo notará um método de descoberta muito simples e sem artifícios,
que é o mais familiar aos homens. E esse não consiste senão,
da parte de quem se disponha e apreste para a descoberta, em reunir e consultar
o que os outros disseram antes. A seguir, acrescentar as próprias
reflexões. E, depois de muito esforço da mente, invocar, por
assim dizer, o seu gênio para que expanda os seus oráculos.
Trata-se de conduta sem qualquer fundamento e que se move tão-somente
ao sabor de opiniões.
A
verdadeira ordem da experiência começa por acender o archote,
e, depois, com o archote, mostrar o caminho, começando por uma experiência
ordenada e medida – nunca vaga e errática – dela deduzindo
os axiomas, e, dos axiomas, enfim, estabelecendo novos experimentos. Pois,
nem mesmo o Verbo Divino agiu sem Ordem sobre a massa das coisas.
A
reverência pela Antigüidade, o respeito à autoridade de
homens tidos como grandes mestres de Filosofia e o conformismo geral para
com o atual estado do saber e das coisas descobertas muito retardaram os
homens na senda do progresso das ciências, mantendo-os como que encantados.
No
que respeita à autoridade, é de suma pusilanimidade atribuir-se
tanto aos autores e negar-se ao tempo o que lhe é de direito, pois
com razão já se disse que 'a verdade é filha do tempo,
não da autoridade'.
O
Alquimista, com efeito, alimenta eterna esperança, e quando algo
falha atribui a si mesmo os erros, acusando-se de não haver entendido
bem os vocábulos de sua arte ou dos autores (por isto, com tanto
ânimo, se aplica às tradições e aos sussurros
que chegam aos seus ouvidos), ou que suas manipulações careceram
de escrúpulos quanto ao peso ou ao exato tempo, em vista do que repete
ao infinito os experimentos. Se, nesse ínterim, em meio aos azares
da experimentação, topa com algo de aspecto novo ou de utilidade
não desprezível, contenta-se com esses resultados, muito os
celebra e ostenta. E a esperança se encarrega do resto.
Nada
há de surpreendente que a ilusão da riqueza tenha sido sempre
a causa da pobreza.
A
admiração dos homens pelas doutrinas e pelas
artes, por si mesma bastante singela e mesmo pueril, foi incrementada pela
astúcia e pelos artifícios dos que se ocuparam das ciências
e as difundiram. Pois, levados pela ambição e pela afetação,
apresentaram-nas de tal modo ordenadas e como que mascaradas, que, ao olhar
dos homens, pareciam perfeitas em suas partes e já completamente
acabadas. Com efeito, se se consideram as divisões e o método,
elas parecem compreender e esgotar tudo o que possa pertencer a um assunto.
E, ainda que as partes estejam mal concluídas, como cápsulas
ocas, ao intelecto vulgar oferecem a forma e o ordenamento de uma ciência
perfeita.
A
sabedoria antiga foi tornada mais respeitável e digna de fé,
graças à vaidade e à leviandade dos que propuseram
coisas novas, principalmente na parte ativa e operativa da Filosofia Natural.
Com efeito, não têm faltado espíritos presumidos e fantasiosos
a cumularem – em parte por credulidade, em parte por impostura –
o gênero humano de processos tais como: prolongamento da vida, retardamento
da velhice, eliminação da dor, reparação de
defeitos físicos, encantamento dos sentidos, suspensão e excitação
dos sentimentos, iluminação e exaltação das
faculdades intelectuais, transmutação das substâncias,
aumento e multiplicação dos movimentos, compressão
e rarefação do ar, desvio e promoção das influências
dos astros, adivinhação do futuro, reprodução
do passado, revelação do oculto e alarde e promessa de muitas
outras maravilhas semelhantes.
Não
se deve esquecer de que, em todas as épocas, a Filosofia se tem defrontado
com um adversário molesto e difícil na superstição
e no zelo cego e descomedido da religião.
É
fácil de ser constatado que, mercê da infâmia de alguns
teólogos, foi quase que totalmente barrado o acesso à Filosofia,
mesmo depurada. Alguns, em sua simplicidade, temem que a investigação
mais profunda da Natureza avance além dos limites permitidos pela
sua sobriedade, transpondo, e dessa forma distorcendo, o sentido do que
dizem as Sagradas Escrituras a respeito dos que querem penetrar os mistérios
divinos, para os que se volvem para os segredos da Natureza, cuja exploração
não está de maneira alguma interdita. Outros, mais engenhosos,
pretendem que, se se ignoram as causas segundas, será mais fácil
atribuir-se os eventos singulares à mão e à férula
divinas — o que pensam ser do máximo interesse para a religião.
Na verdade, procuram agradar a Deus pela mentira.
O que se tem constituído,
de longe, no maior obstáculo ao progresso das ciências e à
propensão para novas tarefas e para a abertura de novas províncias
do saber é o desinteresse dos homens e a suposição
de sua impossibilidade. Os homens prudentes e severos, nesse terreno, mostram-se
desconfiados, levando em conta: a obscuridade da natureza, a brevidade da
vida, as falácias dos sentidos, a fragilidade do juízo, as
dificuldades dos experimentos e dificuldades semelhantes. Supõem
existir, através das revoluções do tempo e das idades
do mundo, um certo fluxo e refluxo das ciências, ou seja: em certas
épocas crescem e florescem; em outras declinam e definham, como se
depois de um certo grau e estado não pudessem ir além.
A
mente humana, no curso dos descobrimentos, tem estado tão desastrada
e mal dirigida que, primeiro, desconfia de si mesma, e, depois, se despreza.
Primeiro lhe parece impossível certo invento; depois de realizado,
considera incrível que os homens não o tenham feito há
mais tempo.
Se
os homens se dignassem em considerar o infinito dispêndio de tempo,
de orgulho e de dinheiro que se tem consumido em coisas e estudos sem importância
e sem utilidade, e se apenas uma pequena parte desses recursos fosse canalizada
para coisas mais sensatas e sólidas, não haveria dificuldade
que não pudesse ser superada.
Não há paridade entre
o risco que se corre ao não se tentar e o risco proveniente do insucesso.
No primeiro caso, nos expomos à perda de um imenso bem; no segundo,
há uma pequena perda de trabalho humano. Assim, parece subsistirem
grandes motivos para que o homem destemido se disponha a tentar, e para
que o prudente e comedido adquira confiança.
Os
raios dispersos da própria luz, se não são convergentes,
não produzem benefício.
Não
podem ter a mesma opinião quem bebe água e quem bebe vinho.
A
contemplação da verdade é mais digna e elevada que
a utilidade e a grandeza de qualquer obra, e a longa, solícita e
instante dedicação à experiência, à matéria
e ao fluxo das coisas particulares curva a mente para a Terra ou mesmo a
abandona a um Tártaro de confusão e desordem e a afasta e
distancia da serenidade e tranqüilidade da sabedoria abstrata, que
é muito mais próxima do Divino.
É
melhor se saber tudo o que ainda está para ser feito,
supondo que não o sabemos, do que se supor que bem o sabemos, e ignorar
totalmente o que nos falta.
É digno de nota o exemplo
de Salomão, eminente pelo império, pelo ouro, pela magnificência
de suas obras, pela escolta e famulagem, pela sua frota, pela imensa admiração
que provocava nos homens, Entretanto, nada dessas coisas elegeu para a sua
glória, e, em vez disso, proclamou: — 'A glória de Deus
consiste em ocultar a coisa; a glória do rei em descobri-la.'
Não
seria impróprio distinguirem-se três gêneros ou graus
de ambição dos homens. O primeiro é o dos que aspiram
ampliar seu próprio poder em sua pátria, gênero vulgar
a aviltado. O segundo é o dos que ambicionam estender o poder e o
domínio de sua pátria para todo o gênero humano, gênero
sem dúvida mais digno, mas não menos cúpido. Mas se
alguém se dispõe a instaurar e estender o poder e o domínio
do gênero humano sobre o Universo, a sua ambição (se
assim puder ser chamada) seria, sem dúvida, a mais sábia e
a mais nobre de todas.
_____
Nota:
1. Segundo
Francis Bacon, os ídolos da tribo estão fundados na
própria natureza humana, na própria tribo ou na espécie
humana (têm origem na uniformidade da substância espiritual
do homem, nos seus preconceitos, nas suas limitações, na sua
contínua instabilidade, na interferência dos sentimentos e
na incompetência dos sentidos no modo de receber impressões).
Os ídolos da caverna são os dos homens enquanto indivíduos
(têm origem na peculiar constituição da alma e do corpo
de cada um e também na educação, no hábito ou
em eventos fortuitos, ou seja, derivam e dependem do caráter e do
ambiente do indivíduo). Os ídolos do foro são
devidos ao comércio e ao consórcio entre os homens, isto é,
do intercurso e da associação recíproca dos indivíduos
entre si (tem, portanto origem no intelecto graças ao pacto de palavras
e de nomes, já que estão associados à inconsciência
no uso das palavras utilizadas). Os ídolos do teatro são
que os imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas
doutrinas filosóficas (têm sua origem nas fábulas dos
sistemas e nas pervertidas leis de demonstração, isto é,
derivam da aceitação sem questionamento de qualquer tradição
apenas pelo crédito que é dado a uma presumida autoridade
em um ramo qualquer do conhecimento).
Páginas
da Internet consultadas:
http://pt.wikipedia.org/wiki/
Francis_Bacon_(fil%C3%B3sofo)
http://www.funnyandjokes.com/
black-hole-illusion.html
http://www.scafidichiropractic.com/
http://www.triplov.com/hist_fil_ciencia/
francis_bacon/novum_organum/index.htm
Fundo
musical:
Atlantida
Fonte:
http://pesek.hkfree.org/~kare/Personal_2006/KARAOKE/
skladby%20karaoke/Ceske/Zbirka/Karaoke/?C=S;O=A