O
tempo de Deus é o tempo da atenção. O tempo de Deus
é hoje.
E,
a partir daqui, meu filho, os homens dessa família escolheram as
suas mulheres à medida do diamante, mulheres capazes de o amar e
de o compreender, de o guardar como o mais alto bem, sem nunca o mostrar,
sem nunca o vender, nem mesmo no meio das maiores dificuldades, mesmo quando
a pobreza, a doença e a morte se ergueram sobre as suas almas afligidas.
Interrogar
é já crer; a descrença humana não existe.
Moderna
ou hodierna é e sempre foi toda a arte... O pós-modernismo
(...) só tem sentido se constituir um salto para além de todas
as escolas modernistas.
Chamamos-lhes
alunos. Deveríamos antes chamar-lhes discípulos, se fôssemos
capazes de ser mestres.
Oferecer
aos homens da Terra uma antevisão do céu conseguida por meios
humanos…
Toda
a beleza é aviso.
É
nossa convicção que Portugal e Brasil de hoje (...) se unem
na vinculação de uma pátria transcendente, representada
em primeiro lugar por uma língua comum, veículo de espírito
irradiante, expansivo e exigente do dinamismo que lhe estamos a negar, por
desacerto filosófico. Talvez seja preciso inventar um nome que corresponda
ao vero ecumenismo lusíada, que traduza o espírito da língua
portuguesa. Talvez esse nome tenha o condão, num futuro mais ou menos
próximo, de anular as diferenças e os antagonismos que nos
separam como mátrias ciosas de privilégios nacionais.
Sou
a perdida unidade que a inteligência sozinha não pressente…
De
imagem em imagem, navegador do visível e do invisível, o homem
perde ou acha a miragem…
Quero
ser um princípio e não um fim. Que, depois de mim, as tempestades
sejam outras e as lágrimas mais leves!
Nós
somos a hora oficial do Universo: meio-dia em ponto com o Sol a prumo!
Os
homens públicos são aqueles que o público conhece menos.
No
meu teatro interior todas as peças caíram.
Eu,
António Quadros, membro consciente do teu corpo místico, unido
a toda a cristandade viva da tua igreja militante, sentindo a ânsia
dos que não vivem na tua graça, movido pela esperança
das almas que te irão conhecendo, solidamente firmado na minha vontade
de ser Santo, entrego-me com o meu entusiasmo e o meu espírito de
caridade para tornar mais efetivo o teu reino na minha alma e na dos meus
irmãos.
Falhar
é ter um ideal tão alto que não se atinge.
— Oh!, eu falhei!
O
mistério da vida e o mistério da História encerram-se
e exprimem-se efetivamente no mistério da forma.
Nunca
discuto. Discutir seria duvidar de mim próprio.
Cem
vêem: pertenço à era do combate e não à
do debate; à idade do duelo e não à do diálogo;
à geração da guerra e não à do cessar-fogo.
O
passado é mentira, o passado não existe, é uma calúnia...
A
dança triunfa como nunca triunfou, porque a dança desarticula
os corpos, emboneca-os, liberta-os do peso da vertigem. Dançar é
multiplicar-se, é ter um corpo em cada gesto e em cada frase, é
fecundar-se a si próprio, gerar imagens da própria imagem,
desenvolver-se como um filme, ser écran, ser intérprete e
ser o drama...
Morram!
Morram vocês, ó eteceteras da vida.
Quando
outra glória não possua, possuo a glória de abdicar
da própria glória...
A
bondade das mulheres enternece mas não apaixona.
Só
o ódio de uma mulher consegue o amor de um homem.
A
arte moderna é uma arte relâmpago, uma arte que estabelece
telegrafia com as almas...
Os
escritores em Portugal - já o disse - avaliam-se pelo peso, pelo
peso das obras. Os nossos escritores querem todos pertencer à categoria
dos pesados. Obra com menos de trezentas páginas não dá
direito à imortalidade.
Imortalidade!
Que grande insônia!
António
Ferro: — A ditadura é uma doutrina ou um castigo?
Mussolini:
— A ditadura não é um princípio nem um fim: é
um sistema que corresponde a certas necessidades.
Unamuno:
— Camões fez versos em espanhol…
António
Ferro: — Mas escreveu ‘Os Lusíadas’ em português!
O
Espírito é o céu real do quotidiano: aquele a que podemos
subir, de quando em quando, entre as nossas milhentas ocupações.
Política
do Espírito é aquela que proclama, precisamente, a independência
do Espírito, que o liberta da escravidão do materialismo titânico,
insinuante, que pretende constantemente suborná-lo, embriagá-lo.
António
Ferro: — Conhece a frase de [Józef]
Pilsudski,
do ditador polaco, sobre as violências da ditadura portuguesa?
Salazar:
— Não me recordo…
António
Ferro: — "Abençoado país este Portugal que tem
a sua Sibéria na Ilha da Madeira."
Nós
somos pura e simplesmente um órgão animador: não consagramos,
estimulamos.
Não
haja, portanto, o escrúpulo de mentir. Afastemo-nos o mais possível
da verdade da Vida, porque é justamente ela que nos amargura a vida…
E deixemos que a frase iluda, que a frase engane, que a frase minta como
qualquer mulher.
Eu
vivo a minha época como vivo a minha pátria, como vivo dentro
de mim. A minha época sou eu, somos todos nós, os minutos
da hora, desta hora febril, desta hora dançada, desta Hora-Ballet
Russe, em que os ponteiros do relógio ora são braços
de mulher esguia, ora são pernas de bailarina magra dançando
nos algarismos que, no mostrador, indicam as etapas do tempo, como se dançassem
na neve – sob punhais… Eu não compreendo, de modo algum,
a saudade doentia das outras épocas, a nostalgia das idades mortas,
certa ronda de fantasmas, lamurienta e sinistra que anda para aí
– fox-trot de esqueletos mutilados… Ter saudades dos séculos
que morreram é ter vivido nesses séculos, é não
ser de hoje e andar a fingir de vivo...
A
manhã renasce em todos os momentos.
O
erro é não só educativo, mas também cultural.
Esse
mundo melhor é o mundo em que vivemos.
O
Quinto Império é um mundo de valores que nos pertence a nós
criar.
Quando
a absolutização de um mito se transforma em utopia, ameaçando
circunscrever-nos a uma esperança no fim de contas passiva, impõe-se
afirmar teorias da razão e da ação que devolvam ao
homem iniciativa, que afirmem a sua liberdade e confinam valor ao seu trabalho,
ao seu sacrifício, à sua luta quotidiana para se elevar acima
da situação de crise ou retrocesso dentro da qual estiola,
sem outro consolo do que a expectativa sempre adiada do regresso de D. Sebastião
e a promessa obscura do apocalipse mítico do Quinto Império.
Às
vezes, penso que Fernando Pessoa é uma presença de que não
me consigo livrar.
Uma
só mulher contém todas as mulheres,
e todas as mulheres não são ainda a Mulher.
Simplificar
não é assim tão fácil, no nosso tempo.
A
nós, mais aristotélicos do que platônicos, parece-nos
que temos de atender, sobretudo, ao grau de anti-humanidade ou anti-fraternidade
da razão de Estado, não tendo nós, humanos, capacidade
para medir e julgar, porque só no fim dos tempos Deus acertará
as contas acerca dos nossos pecados, crimes ou heresias. Nada decorre aqui,
entre a falta total e a pureza absoluta, mas entre um mínimo e um
máximo, em tensão permanente do espírito.
O
uso desonesto da palavra é um dos maiores flagelos da Humanidade
de hoje.
O
mar não é, pois, unicamente um elemento material e natural,
é o espaço simbólico que para os portugueses significa
a superação da sua condição telúrica
e agrária e, em um nível mais profundo, a sublimação
da própria condição humana.
Há
um movimento nebuloso mas bem real do térreo para o ígneo,
isto é, para o destino prometido nos sonhos, nos mitos e no ideais
dos nossos poetas.
Será
que o instinto da morte acaba por prevalecer entre nós sobre o instinto
para a vida, para a criação e para o amor?
Somos
cegos para os defeitos alheios, e não temos olhos que cheguem para
admirar, incensar, idolatrar as qualidades e os triunfos dos países
«cimeiros»… Veio com pezinhos de lã, e as pessoas
não deram por ela (desta vez não se ouviram gemidos e não
houve silvos de chicote). A nova escravatura.
Que
humano, hoje, pode e sabe não ser desumano?
Iria
contra o espírito dos Evangelhos que a religião cristã
permanecesse indefinidamente igual aos tempos da Igreja primitiva.
Não
é qualquer pessoa, a qualquer hora, que tem o direito de escrever
sobre São Francisco de Assis. Porque evocar, ou estudar, ou comentar
a vida, o exemplo e a obra desse a que os seus contemporâneos chamaram
o Poverello [o
Pobrezinho],
pressupõe muito menos um exercício intelectual do que uma
vivência profunda e continuada. O que mais nos interpela na sua existência
é o dom total do ser, por um abandono de todos os bens terrestres
e por um despojamento iluminado e luminoso que reproduz, como nenhuma outra
figura heróica e santa, a opção absoluta de Jesus da
Nazaré. Interpela-nos e, diremos mais, provoca-nos, instabiliza-nos,
angustia-nos (ao mesmo tempo que nos inspira), porque o seu prodigioso e
todavia exemplar destino foi possível num contexto social, histórico
e humano comum.
Jesus...
filho de Deus, Deus na sua encarnação terrena ou (para os
descrentes) o Profeta fundador de uma civilização, nos transcende
infinitamente, nos supera vertiginosamente, sem deixar de nos falar, de
nos atrair e de nos elevar para o Espírito da Verdade.
Jesus...
doou-nos a esperança e a promessa de salvação por uma
escatologia a partir da encarnação e da cruz, da morte e da
ressurreição em espírito e em carne.
Cristãos,
preferimos o comércio com a nossa mediocridade egoísta, com
as nossas ligeiras satisfações, com as nossas curtas ambições,
com o azedume amargo das nossas frustrações; instalamo-nos
no álibi de não podermos pretender ser Ele, o Cristo.
Não
digas o que sabes nos teus versos,
Deixa para trás a ciência
e a consciência;
Tudo aquilo que em ti não
for ausência
São ideais perdidos ou submersos.
Abandona-te às vozes que
não ouves,
E liberta os teus deuses nos teus
dedos;
Não busques os sorrisos,
mas os medos,
E o que não for ignoto e
só, não louves.
Ser misterioso e triste é
ser poeta:
Mesmo a luz que palpita nos teus
cantos
É uma imagem heróica
dos teus prantos.
Percorre o teu caminho até
ao fundo,
E com os versos que achaste, aumenta
o mundo.
Não sejas um escritor, mas
um profeta.
|
A
Teleologia Franciscana visa efetivamente não apenas a salvação
dos homens, mas, também, a redenção da Natureza e de
todas as criaturas de Deus. O mundo deixa de ser um cenário, onde
evolui o protagonista único e isolado do poema escrito por Deus,
porque a totalidade dos seres visíveis e invisíveis participa
do mesmo movimento escatológico. Torna-se mais humilde a posição
do homem, mas, ao mesmo tempo, com São Francisco, ressalta a sua
grandeza, porque só ele, entre todas as criaturas de Deus, é
capaz de ser e ao mesmo tempo de amar para além da barreira da sua
própria condição e natureza.
Nenhum
sistema e nenhuma ideologia podem hoje se considerar a salvo de suspeita,
nem podem se ver como solução absoluta, universal e salvadora.
A
Literatura, a arte e o pensamento de um povo constituem os seus mais fiéis
documentos de identidade...
O
racismo ensina o que o homem
ainda é.2
Todo
o amor que aparentemente morreu é, todavia, vivo.
A
paixão que hoje se revela por [Fernando]
Pessoa, é uma paixão por Portugal, pelo Portugal que ele simboliza.
Há
fundadas razões para esperar que as novas gerações,
libertas de complexos e avisadas pelo fracasso da cultura estrangeira e
internacionalista que domina as superstruturas e os seus poderes em vários
planos, consigam inflectir a tendência autodestrutiva, a tempo de
salvarem esta velha e nobre Pátria [Portugal]
da queda no anonimato histórico, ou num provincianismo onde só
restariam alguns tipismos regionais sem dimensão nacional.
Em
toda a mulher que vive e morre existe uma fidelidade absurda e transcendente,
face à qual todos os desvios são mágoas.
Portugal,
mais do que um país, é uma mátria, uma utopia, um afeto,
uma ficção – um romance. Os portugueses vão de
novo se apaixonar por ele.
O
escritor não tem verdadeiramente um lugar na sociedade, e isso paga-o
em humilhações sem conta. O trabalho intelectual é
de todos o mais mal remunerado. As iniciativas dos intelectuais são
acolhidas com sorrisos. Ficamos então irremediavelmente desonrados,
perante uma sociedade que, em última análise, triunfa?
O
patriotismo é um fenômeno cultural, muito diferente do nacionalismo
que é um fenômeno político. Não devemos confundi-los;
uma coisa é a nação, outra a Pátria.
—
Bem haja o Sol! Parece uma laranja a escorrer sumo! —
disse a mulher da banca, olhando o Sol de frente, em linha reta.
E eu
pensei: 'de que vale ser poeta?'
Ó
Mãe, eu não sei nada!
Não
fora o mar, e comeria à mão; não fora o mar, e aceitaria
o freio!
Agora,
o meu querer era mais fundo: dum lado, eu; do outro, o mundo.
No
Continente havia tanta gente que eu não cabia.
Era estreito demais o meu quinhão de céu.
Pobre demais a minha ração de ar…
Só,
eu fiquei, mas sem mim, que a mim também me levaste...
Vida
ou morte, que importa?
Para entrar e sair a porta é a mesma:
Senhor, abre-me a porta!
E
hoje, perdida, quem te há-de achar? A morte ou a vida?
Este
doido prazer de respirar!
—
Avó, quantas estrelas há
no céu?
—
Duas, Maria da Lua: a minha e a tua.
—
Eu também tenho uma estrela?
—
Tens, Maria da Lua.
—
E qual é, onde está?
—
Não sei, tens de escolhê-la…
Por
que chamamos vivos aos que esperam a vez, marcando passo? E mortos aos que
se libertaram e são livres no espaço?
Senhor,
como é possível a descrença,
imaginar, sequer, que ao fim da Estrada,
se encontre, após esta ansiedade imensa,
uma porta fechada e mais nada?
Por
isso, espero a morte sem terror, sem temer o castigo.
Por que há-de recear-se a paz, o amor? Receia-se o inimigo.
Mas,
e se a alma se parte, se esborracha?
Onde
estais, empadinhas e pastéis? Onde estais, fricassés da minha
infância?
Deixa
lentamente
que a tarde finde.
Verás depois ou entretanto,
depende,
que o que deixas acabar
não é mais do que a parte que a ti
te pertence.
Ali,
onde tu vês o que não existe
saberás, se te perderes um pouco,
que esse céu que o teu olhar
tantas vezes fingiu
fingiu uma vida inteira.
Depois, quando regressares,
e não souberes quem és,
isto é, quando te perderes de vez,
e tiveres aprendido por duas vezes
tudo o que há para aprender nesta vida,
é possível que eu queira, se é que isto existe,
morrer contigo, morrer melhor.
Mas como te percebo,
eu próprio nunca abri os olhos,
nunca me perdi antes,
nunca me achei em nenhum céu.
Nunca, sequer, me levei de uma cor à outra.
A noite escura nunca me levou ao lugar que eu queria.
Morri apenas.
Demorei uma vida a morrer.
Como desejei.
Aos poucos,
ou de uma vez só,
como a tristeza quis.
|
Era
uma quinta velha, com buxos e loureiros,
mas, um dia, assinaram-se cheques, e vieram pedreiros...
É
num jardim que vive a filha que nunca tive...
Não
creias que o sofrimento, Poeta, te cause dano: poemas são como filhos,
não hesites, rasga o peito, como faz o pelicano...
Ó
árvore, alguém pensou na tua imensa alegria quando, enfim,
rompeste a crosta e alcançaste a luz do dia?
Castelo
de Marvão, águia real, asas abertas sobre Portugal pousada
no granito da montanha...
Agora,
a tantos anos de distância,
já não sei se inventei a minha infância,
se a Índia foi verdade ou foi miragem...
Mas,
hoje, ó meu país, a tua glória,
o teu destino é descobrir a paz,
e o mundo saberá mais uma vez
de quantas maravilhas és capaz!
O
vento sopra com força. A água corre com força. O fogo
arde com força.
A
vida é risco, é aventura, é dádiva, é
sacrifício, é alegria pura do ser sem o ter e, sobretudo,
sem o querer ter... É por outro lado fé e graça, e
diálogo com uma transcendência que não se procura porque
nos envolve e nos ilumina. Eis o que hoje, aqui, nos toca e move, mas com
um sabor de utopia, quando não de quimera... E, todavia, a vida flui...
Na
miséria deste mundo – e no conforto deste mundo, em todas as
situações deste mundo – o homem é sempre o homem,
um ser mistério-interrogativo do seu destino, vocacionado para a
morte e nunca totalmente distraído da incompletude e da frustração
da sua personalidade satisfeita. Há uma embriaguez tecnológica
que ainda não deixou. Há uma ilusão sociocrática
que ainda não perdemos. Há um materialismo sem sentido que
ainda não enfrentamos. Há um voluntarismo doentio de que ainda
não nos libertamos. Há uma preguiça espiritual que
ainda não suportamos. Há mil formas de esperança deslocadas
do verdadeiro eixo do ser mais autêntico, de que ainda não
acordamos. Nada se repete na existência longa e multímoda do
homem. Mas, a criação é um 'continuum' sem intervalos
de nada ou de vazio. Talvez que, depois do grande desencanto que aí
vem, possamos reter de São Francisco o mais profundo da sua mensagem:
a capacidade de coragem para escolher com decisão, até às
últimas conseqüências, entre o que luz, mas é o
acessório, e que se esconde, mas é essencial. Entre a positividade
exterior das coisas e o mistério do ser patente e recôndito,
que é Deus.
Em
quase todos os espaços culturais, há realmente um ideal próprio,
ou então um feixe convergente de ideais que mutuamente se interpenetram
até cristalizar em substrato ideológico que não se
consciencializa inteiramente, que se transforma em idealismo especulativo
e sistemático, que tem horror à relatividade que representa,
e que, apoiado nas facilidades concedidas aos homens hábeis pela
sofística e pela dialética, se visiona a si mesmo como o absoluto,
como o universal, como o ôntico. Em vez de reconhecer o seu caráter
prismático, estes ideais sonham-se colocados no ponto onde é
possível observar a total multiplicidade dos prismas.
A
tragédia grega é afinal... uma apologética das leis
mitológicas, cuja desobediência, mesmo inconsciente, é
castigada pelos deuses. As profecias de Cassandra denunciam infrações
de um tempo mítico cuja crítica só é feita na
obra de Aristóteles.
Todo
o Universo é um sarcasmo,
a chuva goteja trágicas gargalhadas,
estou só,
sou só.
O
Sebastianismo parte realmente da consciência infeliz da realidade
portuguesa, em dado momento histórico, para apostar na esperança
na regeneração através de um salvador pessoal, de um
chefe carismático e pessoal. Tal «consciência feliz»
é a primeira e a mais clara cifra de Os Lusíadas. Para o poeta
(em expressão de uma eloqüência desgarradora), a Pátria
«está metida/No
gosto da cobiça e da rudeza/Duma austera, apagada e vil
tristeza». Os críticos interpretam, em geral, este passo, de
uma forma por demais simplista. Estariam decadentes as velhas virtudes morais;
os Portugueses ter-se-iam tornado corruptos e ambiciosos; a desagregação
em marcha seria causada por um abaixamento do caráter e do ânimo.
Mas não nos podemos esquecer... a sensação de desenraizamento,
de perda de identidade e de distanciamento em relação a toda
uma continuidade histórica, que se ressentiu como tendo sido traída
pelo italianismo, pelo castelhanismo e pelo contra-reformismo dogmático
de D. João III.
Tenho
estado a reler antigos ensaios meus. É curioso como os leio, e me
parecem não ter sido escritos por mim. O consciente lê uma
obra realizada pelo subconsciente e eis a causa da ilusão.
Não
é o Rei que é coroado Imperador. Não é sequer
a autoridade local ou o bispo ou o sacerdote paroquial. É o pobre,
é a criança, é o que visivelmente está carenciado
da plenitude de ser homem, pela condição social ou pela idade.
E aqui se simboliza como é à face da carência que nos
pode surgir em horizonte, em ideal, em aspiração e em promessa
decidida, o cumprimento da promessa infinita que cada homem traz consigo
à nascença e cuja realização a existência
em sociedade lhe dificulta até à negação.
O
romance do futuro, aquele para onde apontam os caminhos esboçados
no nosso tempo (porque não pretendemos ser profetas), é o
romance que aproveita as lições do passado, desprezando o
que é inútil ou falso. A lição do Romantismo,
que coloca o homem como fulcro de toda a ação. A lição
do Realismo que dá a devida importância aos fenômenos
exteriores. A lição do romance psicológico, que se
ocupa do homem em «verticalidade», em profundidade, numa pesquisa
dos atos e pensamentos humanos até às verdadeiras molas interiores
do consciente para o subconsciente. A lição do Naturalismo,
que não tem medo de dizer a verdade, não recua perante certos
«meios», certos ambientes. A lição do romance
social que lembra, subtraídos os exageros e o parcialismo da escola,
o fator econômico na mentalidade humana. A lição do
Existencialismo, que coloca o homem numa posição metafísica,
não esquecendo o sentido da sua existência... Julgamos que
o romance do futuro não deixará de se ocupar da Filosofia
que atua, como pano de fundo, por detrás do homem, no plano de vivência
da «realidade humana».
Um
dia, conta Fernanda de Castro, em Ao Fim da Memória, vol. I, pág.
279, quando tinha quatro ou cinco anos, António quadros entrou na
cozinha. A Maria do Porto estava completamente proibida de matar fosse o
que fosse em casa. Mas, teimosa como era, apesar das minhas recomendações,
um dia, comprou uma galinha viva e matou-a em cima da mesa da cozinha, no
momento exato em que o António entrou. Quando viu a galinha a espernear
e a mesa coberta de sangue, teve um choque tão grande que, aos gritos
e desfeito em lágrimas, se agarrou às saias da Maria, dando-lhe
murros nas pernas com as suas mãozinhas crispadas. Eu peguei nele
ao colo, levei-o para o quarto e comecei a dizer coisas à-toa, coisas
sem sentido que não serviam para nada, pois, de fato, não
sabia verdadeiramente como fazê-lo compreender e aceitar aquela atrocidade.
A certa altura, como supremo argumento, disse-lhe que a galinha estava muito
velha, muito doente e que mesmo as pessoas quando estão muito velhas
e muito doentes têm de morrer. Ele, então, olhou-me com os
seus grandes olhos azuis marejados de lágrimas, e disse: —
"Morte morrida, sim; morte matada, não!"
—
"Morte morrida, sim; morte matada, não!"
Há
no ser humano uma virtualidade de grandeza interior e uma capacidade de
visão, de criação e de dádiva que não
podem ser ignoradas, e de que dão testemunho os espíritos
superiores que neste mundo viveram ou vivem, e que também encontram
expressão no próprio, inconfundível e levitante de
cada paideia3
como projeção, que é, do devir civilizacional e civilizador
de uma comunidade.
Basta
termos uma língua própria para termos um pensamento próprio.
A língua está para o pensamento como a potência para
o ato.
Mas
não desanimemos, porque a Filosofia Portuguesa, em seu labor modesto,
mas persistente, é uma poderosa energia intelectual na cultura viandante,
que é a nossa, e o pensamento criacionista tem a longo prazo poder
sobre a realidade social e humana. Perdem-se batalhas no terreno da cultura,
mas novas gerações de pensadores aí estão e
estarão a recolher o testemunho para o levar mais longe. A idéia
não tem pressa.
Não
é possível o progresso em Portugal sem o primado do pensamento,
da razão e da Filosofia.
Coitado
do pobre Antero,4
Desnudado, analisado,
Não já o corpo, seu espírito,
Dissecado, autopsiado.
Matou-se, mas era livre,
Liberdade
era o seu bem,
Agora
sua alma triste,
Já
nem liberdade tem.
O que não disse, ele disse,
O
que escreveu não pensou,
O
que disse ele desdisse,
O
que pensou não amou.
Coitado do pobre Antero!
Quero
vê-lo, mas não posso…
Roubamos-lhe
a liberdade,
Já
não é dele, é só nosso.
Tento
em vão abrir os olhos. Há como que uma fina volúpia
neste estonteamento, nesta nebulosidade. Batem à porta. Quem está
aí? Sinto uma mão que, subtil, pousa no meu ombro. Escuto
uma voz com uma inflexão recôndita e meiga. Conheço-a.
Um frêmito, uma aragem, uma vaga claridade. Alguém me disse
um dia: vem, João. Outrem me solicita, agora: vem. É uma voz
interior ou exterior? Há uma sombra morna e doce, há um perfumoso
afago de cabelos inefáveis. Há uma frescura de asas. Há
uma vaporosa, ondulosa coluna que me leva consigo, condescendente nos flutuantes
movimentos do meu corpo. Vou.
O
futuro é o passado que amanhece.
Abrir
os olhos no meio da noite e ver a Luz será a essência do conceito
religioso da vida.
Na
hora destinal do fim,
no limite do fracasso,
no tempo cadente da derrota,
eu canto,
eu canto a esperança.
Ode ao Cristo das Janelas Verdes
Quem
te pintou triste e secreto,
Ó Cristo de olhar vendado,
Ó Cristo misterioso,
Abandonado
No Museu das Janelas Verdes.
Quem te pintou saudoso,
Talvez do Céu, talvez do Homem,
Talvez da criação antes da prova.
Quem te pintou assim, sereno e encoberto,
Imagem nova
Que um povo a ti votado
Um dia descobriu?
Ninguém conhece o mestre que te viu
Enigmático, silencioso,
Um Deus, dir-se-ia, envergonhado,
Mais que humilhado,
Vexado.
Porque a Palavra se cumpriu,
Porque na hora precisa
Os seus irmãos eleitos
O julgaram,
O feriram,
O mataram.
E porque ao longo deste tempo interminável,
Após a crucifixão,
Após a ressurreição,
O julgamento prossegue,
A tortura, o crime,
A traição.
O deicídio constantemente perpetrado
Ao sabor da existência quotidiana.
Ninguém conhece o pintor, o Iniciado,
O sabedor do mistério
Que é o longo movimento necessário
Do nosso universo imaginário,
Onde tudo é signo e símbolo,
Onde o olhar de Jesus, encoberto,
Ensina a suprema perfeição
De um Deus capaz de amar
E de chorar,
De um Deus assassinado capaz de ressurgir
E de voltar
Sem parábolas, sem cifras, sem véus
Na plenitude da final revelação.
Ah, não,
bizantinos sonhadores,
Não estetas da Itália,
Da França,
Mestres da Flandria,
Da fria Inglaterra,
Da férrea Germânia,
Não pintores da Espanha,
Vossa não podia ser a exata imagem
Que um português criou e jaz sepulta
No Museu das janelas Verdes, em Lisboa!
De Ti, sábio Jesus,
Promotor do movimento necessário,
Homem secreto do futuro cumprido,
De Ti fizeram um diáfano celeste
De ouro ornado e neste mundo perdido,
Um reflexo do maravilhoso céu sonhado,
Entre nós caído
Para que misticamente o contemplássemos...
De Ti fizeram um Orfeu ou um Apolo,
Querendo idealizar-Te à helênica
medida,
A finita estrutura
Do sedutor, estético humanismo...
De Ti fizeram um racional justiceiro,
Um implacável profeta, um missionário
Da Lei divina,
Um Rei,
Um General,
Um Papa.
De Ti fizeram ainda um comerciante de almas
Demasiado carnal,
Demasiado terreno em cenas burguesas,
Em habituais paisagens holandesas.
De Ti fizeram um transcendente imperador
Que pela vontade e pela inteligência
Os homens foi capaz, de dominar...
De Ti fizeram um humano angustiado,
Primeiro Ator do teatro do mundo,
Aflito protagonista de tragédia...
Mas Tu não choras, ó Cristo,
Pelo Teu padecimento,
Não sais fora de Ti em esgares de sofrimento,
Não és o magro asceta castelhano,
O torturado místico envolto em sombras,
O cadaveroso deformado!
Sofres,
sereno,
Sofres, saudoso,
Sofres, sábio e santo,
Mas, não por Ti.
Se sofres, é por nós, sempre
e hoje,
Nós no longo, interminável tempo,
Nós em guerras, em doenças, em
horrores,
Nós, infiéis de geração
em geração,
Nós perdidos,
Nós esquecidos,
Nós, livres, libertos, todavia,
Senhores da invocação, da decisão,
Senhores da graça luminosa
Ou do erro gasto e repetido.
Sofres secreto,
E o teu olhar de fogo ficará oculto
Até que à pureza humana o possas
desvelar.
Este é o povo das grandes, longas quedas,
E também das grandes, fundas intuições,
Este é o povo que em Cristo vê
o Messias revelado
E também o Messias encoberto de porvir.
Este é o povo que ama o Deus-menino
Porque até na maturidade do Cristo renascido
Descobre a virtualidade infinita, irrevelada,
O imenso Ser, para lá de toda a imagem,
O Espírito sem limites que a infância
anuncia
E que jamais, num conceito, num olhar,
Jamais numa verdade humana se detém.
Ó Cristo de olhar vendado,
Ó Cristo misterioso,
Abandonado
No Museu das Janelas Verdes,
Ó Cristo encoberto e final,
Vem...
Traz até nós o que ainda não
somos,
Ensina-nos a sermos o para que nos criastes.
Em nome do nosso apelo,
Em nome do nosso sonho,
Em nome do nosso almejar-te e conceber-Te
Tu e Outro,
Patente e todavia encoberto,
Como no Ecce Homo das Janelas Verdes,
Em nome do desejo de total superação
Que subsiste no coração de todos
os humanos,
De todos sem exceção,
Vem
E consagra a matéria deste mundo,
O que em nós pesa e obsta,
A luz imensa do Teu Espírito,
Que todos pressentimos,
Todos sem exceção,
Ainda quando três vezes Te negamos.
Ó
Cristo próximo e distante,
Ó Cristo saudoso,
Misterioso,
Vem...
Conhecemos a dor,
Tarda-nos o amor,
Vem conosco no termos merecido
O império de paz que no mundo cindido
Entre gente próxima edificamos.
Vem conosco no olharmos ao espelho dos teus
olhos desvelados.
A nossa clara imagem descoberta.
Vem conosco, Irmão,
Na alegria de cantar aos quatro ventos,
Nos cinco continentes, nas terras e nos céus,
Ecce Homo! Enfim, enfim, o Homem!
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Progressão
Geométrica (P. G.)
(AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!)
Hoje,
sempre e para sempre,
que,
em P. G., avulte o Amor.
AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!
Hoje,
sempre e para sempre,
que,
em P. G., apouque a dor.
AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!
Hoje,
sempre e para sempre,
que,
em P. G., o Bem adoce.
AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!
Hoje,
sempre e para sempre,
que,
em P. G., o mal estroce.
AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!
Hoje,
sempre e para sempre,
que,
em P. G., refulja a LLuz.
AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!
Hoje,
sempre e para sempre,
que,
em P. G., míngüe a cruz.
AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!
Hoje,
sempre e para sempre,
que,
em P. G., o homem voe.
AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!
Hoje,
sempre e para sempre,
que,
em P. G., o Verbum
ecoe.
AMeN!
AMeN! AMeN! AMeN!